quarta-feira, 14 de maio de 2008

FARC - O Braço Armado do Foro de São Paulo

Álvaro Agudelo passou a metade de seus 32 anos nas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Como seu pai, um agricultor de Tolima que nos anos 1950 se uniu às guerrilhas liberais diante da sangrenta ofensiva conservadora. Da autodefesa passou à luta armada sob a bandeira do marxismo-leninismo. A retórica se mantém intacta, mas a práxis mudou. As Farc se transformaram em um cartel do narcotráfico. Os carros-bomba e os seqüestros as colocaram nas listas de grupos terroristas. "Eu estava convencido de que lutava por um povo subjugado", diz Álvaro, hoje desmobilizado. "Mas houve uma enorme degradação."

Os 11 mil documentos encontrados em três computadores do número 2 das Farc, Raúl Reyes, morto em um ataque colombiano ao seu acampamento no Equador, refletem essa degradação. É significativo, por exemplo, que "as unidades guerrilheiras e milicianas" do bloco oriental proponham "a superação dos maus-tratos à população civil" em uma mensagem ao Secretariado, o órgão máximo das Farc, em 15 de janeiro de 2007.

As populações rurais sofrem chacinas, recrutamento de menores ou os danos causados pelas minas terrestres. As Farc encabeçam a lista mundial dos semeadores desses explosivos, e não parecem dispostas a renunciar ao título. Em uma mensagem de 21 de agosto de 2007, Pedro Antonio Marín, aliás, Marulanda ou Tirofijo, o chefe da guerrilha, anuncia que vão "aumentar os minados" diante dos "bons resultados no bloco oriental".

A opinião que as Farc têm do direito internacional humanitário fica clara nas conclusões de sua comissão internacional, em 14 de março de 2003: "Nossa concepção de luta política revolucionária guiada pelos princípios do marxismo-leninismo (...) desconhece as legislações dos opressores nacionais e estrangeiros".

Esses princípios não os impedem, porém, de aliar-se com os grupos paramilitares no negócio do narcotráfico. Uma mensagem enviada em janeiro passado por Rodrigo Londoño, aliás, Timochenko, dá conta dos contatos estabelecidos no Bajo Cauca com "o pessoal do Macaco", um chefe paramilitar que acaba de ser extraditado para os EUA.

A linguagem empregada se aproxima às vezes da gíria dos mafiosos. "Continuam dando bons resultados os negócios com os interessados na maracachafa [cocaína]", conta Raúl Reyes em 5 de janeiro de 2007. "São os grandes. Manifestam a vontade de contribuir com a Organização em troca de fazer seus negócios (...) e que lhes consigamos os produtos de seu interesse.

"Também não há problemas em buscar alianças com grupos criminosos estrangeiros para cometer seqüestros, como consta na proposta que a comissão internacional envia à Reyes em 14 de março de 2003. Trata-se, dizem eles, de "realizar alguma retenção significativa no exterior. A idéia é que a Comissão Internacional dê atenção a isto e, claro, organizar o trabalho de tal forma que não haja possibilidades de vincular as Farc". Em seguida sugerem "trabalhar" com alguns seqüestradores mexicanos. "A parte que nos corresponderia é a negociação e trocar o dinheiro que for pago.

"Seis meses depois, em um relatório de setembro de 2003, Reyes anunciava: "Osvaldo, chefe do Partido Pátria Livre [do Paraguai] informa de 300 mil dólares nossos em seu poder, cobrados em um resgate em trabalho conjunto Farc-PL (...) No Paraguai existem boas condições para trabalhos financeiros conjuntos".

E o próprio Reyes não hesita em sugerir esse método quando dois membros da Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional de El Salvador pedem ajuda para sua campanha em 2003. "Podemos pedir que eles façam a inteligência sobre um alvo econômico de 10 ou 20 milhões no Panamá para fazê-lo em conjunto e dividir as utilidades em partes iguais."

A decomposição permeia as fileiras guerrilheiras. Há casos de fugas com o saque, como o que comunica Jorge Briceño, o Mono Jojoy, em 20 de setembro de 2001. Os comandantes "Edwin e Julián roubaram meio milhão de dólares (...) do seqüestro da Novartis". [As Farc seqüestraram em 2000 dois executivos da farmacêutica suíça.] O Mono anuncia que vão investigar os guerrilheiros. "Os que saírem comprometidos lhes daremos pistola." E depois informa sobre 18 "conselhos de guerra para pessoal infiltrado. Todos foram fuzilados".

As mensagens encontradas nos computadores, cuja autenticidade está sendo verificada pela Interpol, também desmascaram a dupla linguagem dos dirigentes das Farc diante da opinião pública. É ilustrativo o debate para encobrir o assassinato, em 18 de junho de 2007, de 11 deputados que haviam sido seqüestrados. Em uma das mensagens, Tirofijo, que assina como J.E., sugere dizer que o guarda desertou com os reféns, "e em sua perseguição por uma companhia em meio ao combate caíram todos". Isso, ou afirmar "que uma força desconhecida assaltou o acampamento". Mais adiante, Iván Márquez, outro membro do Secretariado, se congratula pela forma como se manipulou o assunto, de modo que "inclusive a OEA [Organização de Estados Americanos]" acreditou que houve troca de tiros.

A mesma tática tentaram com o fiasco da Operação Emmanuel, em janeiro passado. As Farc haviam-se comprometido a entregar ao presidente venezuelano, Hugo Chávez, as reféns Consuelo Perdomo e Clara Rojas e o filho desta, Emmanuel, nascido no cativeiro. Mas o menino havia sido separado da mãe poucos meses depois de nascer e acabara em um orfanato.

Em 30 de dezembro, ao ser informado sobre a situação, Márquez escreve: "Procedemos a desmontar o montado unilateralmente por nossos amigos venezuelanos", a quem explicará "pessoalmente a situação". "Creio que tudo isso é compreensível", acrescenta, e sugere um comunicado que ele mesmo escreve em forma de carta a Chávez: "As intensas operações militares colombianas mobilizadas na região nos impedem por enquanto de lhe entregar Clara Rojas, Emmanuel e Perdomo como era nosso desejo".

UOL Internacional/El País


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