quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

O Senado e Chávez

O Senado brasileiro, nas próximas semanas, deverá tomar uma decisão da maior relevância: a entrada ou não da Venezuela de Chávez no Mercosul. Não se trata de uma questão menor por envolver o valor mesmo da democracia enquanto princípio universal. O Senador José Sarney, novo presidente da Casa, quando de sua candidatura, foi duramente criticado por aquilo que é uma de suas virtudes: a defesa da democracia. Com efeito, o Tratado do Mercosul contempla um artigo, a cláusula democrática, que impede a entrada de países que não respeitem a democracia.

Chávez, com a ajuda de seus "companheiros" brasileiros, está empreendendo um trabalho sistemático de destruição da democracia por meios democráticos. Realiza eleições e referendos como se, assim, a democracia estivesse sendo preservada. Isso faz com que nossos iletrados digam que a democracia está sendo respeitada naquele país, quando o contrário é precisamente o verdadeiro.

Para que se tenha democracia, é necessário que uma série de condições seja preenchida, sem a qual ela se torna uma palavra oca, ou melhor, uma palavra que pode inclusive servir a propósitos totalitários. Na verdade, estamos observando naquele país a volta do socialismo do século 20, rebatizado de século 21. Este nada mais é do que a repetição das experiências totalitárias que desembocaram num dos maiores morticínios da humanidade. O uso da palavra "bolivariano" apenas acrescenta um outro disfarce a um projeto cujo alvo é a supressão mesma das liberdades.

Para que tenhamos democracia, é necessário que a divisão dos Poderes republicanos seja observada. Ora, Chávez concentra em suas mãos praticamente os Três Poderes: decide, legisla e julga. Tal concentração vimos na ex-União Soviética sob Stalin e na Alemanha sob Hitler. Promulga decretos legislativos, que são leis a partir das quais legisla sozinho, subordinando completamente o Poder Legislativo, que se torna somente um apêndice seu. O Poder Judiciário, por sua vez, foi completamente aparelhado, vindo a seguir totalmente as suas orientações.

A liberdade de imprensa e pensamento em geral, uma das marcas distintivas daquele país, está sendo cada vez mais cerceada, num processo que almeja a sua eliminação. Redes de televisão são fechadas, pessoas que critiquem o presidente-ditador podem ser criminalizadas e os seus programas midiáticos são de pura propaganda, recheados de ameaças aos seus adversários. Discordar do líder máximo vem a significar um crime de lesa-majestade. Stalin deve estar aplaudindo de sua tumba, regozijando-se com seu novo discípulo "bolivariano".

Os opositores são sistematicamente perseguidos e alguns assassinados em manifestações de rua como se fosse uma mera briga entre opositores. A artimanha é historicamente conhecida, tendo sido muito utilizada na Alemanha nazista. Trata-se da existência de milícias que respondem diretamente ao líder máximo, sendo armadas e treinadas por ele. Os fuzis, por exemplo, comprados da Rússia, em torno de 100 mil, têm como finalidade armar esses grupos paramilitares. Tais grupos são de estrita obediência, servindo aos mais diferentes propósitos, por mais escusos que sejam. Eles agem impunemente, não seguindo nenhuma legalidade.

Vejamos dois exemplos. O seu ex-ministro da Defesa, Raul Baduel, agora líder da oposição, que o sustentou quando do golpe impetrado contra ele, foi recentemente alvo de "desconhecidos", que atiraram contra ele num claro sinal de coação e ameaça. O recado foi claro: pare com suas atividades, pois sua vida está a perigo. Nada foi apurado e os seus agressores continuam na impunidade. Amigos se tornam "inimigos", tal como ocorreu com os bolcheviques "companheiros" de Stalin. Uma sinagoga foi invadida e depredada também por um grupo de milicianos bolivarianos. Eles seguiram os discursos de seu chefe máximo, repletos de insinuações e declarações antissemitas. Alguns dias depois, aparece uma "investigação" apontando aparentemente os culpados. O esquema é o mesmo dos grupos paramilitares nazistas: serve aos mais diferentes propósitos, inclusive apresentar "culpados", se necessário. É a "regra" mesma de uma democracia totalitária. O que deve ser realçado é a existência desses grupos paramilitares, subordinados completamente ao líder, fazendo da democracia um utensílio descartável.

A União Europeia também não aceita em seu seio países que não respeitem a democracia e as liberdades. Trata-se de uma condição essencial de uma comunidade que preza a liberdade enquanto princípio de sua organização política. Imaginem se a União Soviética de Stalin e a Alemanha de Hitler tivessem solicitado aderir, naquela época, a uma hipotética Comunidade Europeia. Sempre haveria, é claro, os seus defensores, proclamando ser necessário distinguir os povos soviéticos e alemães de seus governantes. Os respectivos ditadores ficariam muito agradecidos por esse "insuspeito" apoio. As portas seriam abertas para esse novo cavalo de Troia.

A hipotética Comunidade Europeia começaria a se desintegrar internamente, com os liberticidas procurando ditar os rumos dessa associação de países. Num primeiro momento, por exemplo, governantes que compartilham de alguns de seus "valores", o de serem de "esquerda", poderiam dizer que os povos "irmãos" se juntam numa mesma cruzada contra o "neoliberalismo", na busca de "um outro mundo possível". No entanto, os valores genuínos da liberdade começariam a se esfacelar, abrindo caminho para o desprezo crescente para com a democracia. Uma incipiente comunidade seria minada internamente por uma ideologia, que procura transplantar para a América Latina do século 21 as experiências totalitárias do século 20.

O Senado não pode fugir a essa responsabilidade maior. Dizer não a Chávez significa dizer sim ao povo venezuelano e aos povos latino-americanos em geral. Sim à democracia.

por Denis Lerrer Rosenfield, professor de Filosofia na UFRGS

A Arte de Governar

Devemos dizer ao povo o que ele precisa saber e não o que ele gostaria de ouvir.
J.F.Kennedy

Os governos existem para proteger os legítimos direitos à vida, à liberdade e à propriedade.
John Locke

Todo governo que ousa fazer tudo, acaba fazendo nada.
Winston Churchil

O governo não pode fazer os homens ricos, mas pode empobrecê-los.
Ludwig von Mises

As leis abundam em Estados corruptos.
Tácito

Não se deve confundir Estado forte com Estado grande. Para ser forte o Estado tem que ser modesto.
Roberto Campos

O consenso é a negação da liderança.
Margareth Thatcher

Quando os cidadãos temem o governo, temos uma ditadura; quando o governo teme os cidadãos, temos liberdade.
Thomas Jefferson

Não há nada mais inútil do que fazer eficientemente aquilo que não se deveria fazer.
Peter Drucker

O menos mau dos governos é aquele que se mostra menos, que se sente menos e que se paga menos caro.
Alfred de Vigny

Dinheiro público é como água benta: todos querem colocar a mão.
Provérbio Italiano

A sociedade que coloca a igualdade à frente da liberdade irá terminar sem as duas.
Milton Friedman

Um governo é bom ou mau não só pelo que faz ou deixa de fazer, mas pelo que permite ou impede que se faça.
Jerry Brown

Se os homens fossem anjos, nenhum governo seria necessário.
James Madison

O maior cuidado de um Governo deveria ser o de habituar, pouco a pouco, os povos a dele não precisar.
Alexis de Tocqueville

Pouco mais é necessário para elevar um Estado do mais baixo nível de barbarismo ao mais elevado grau de opulência do que paz, impostos leves e uma razoável administração da justiça.
Adam Smith

Todo Poder corrompe, o Poder absoluto corrompe absolutamente.
Lord Acton

Não onere os negócios com custo alto ou com muitas regulamentações. O resultado será o desemprego.
Margaret Thatcher

Não espere que a solução venha do Governo. O Governo é o problema.
Ronald Reagan

A inflação é um imposto que se aplica sem que tenha sido legislado.
Milton Friedman

O governo não pode dar nada ao povo que primeiro dele não tenha tirado.
Richard Nixon

Se pudermos evitar que o governo desperdice o labor das pessoas sob a pretensão de ajudá-las, o povo será feliz.
Thomas Jefferson

As leis inúteis debilitam as necessárias.
Montesquieu

As leis e constituições mais generosas, quando desaparece a economia de mercado, não são mais que letra morta.
Ludwig von Mises

O governo não passa de um aglomerado de burocratas e políticos, que almoçam poder, promoção e privilégios. Somente na sobremesa pensam no "bem comum".
Roberto Campos

O governo é como um bebê. Um canal alimentício com grande apetite num extremo e nenhum sentido de responsabilidade no outro.
Ronald Reagan

Supõe-se que a política seja a segunda profissão mais antiga da Terra. Cheguei à conclusão que ela guarda grande semelhança com a primeira.
Ronald Reagan

A lei não é o refúgio do oprimido, mas a arma do opressor.
Frederic Bastiat

O governo é um mal gerente.
Peter Drucker

Onde há muitas leis específicas é sinal de que o Estado está mal governado.
Isócrates

O Estado, esta instituição fictícia sob a qual todos tratam de viver à custa dos demais.
Frederic Bastiat

A diferença entre um Estado benfeitor e um Estado totalitário é questão de tempo.
Ayn Rand

Ninguém é suficientemente competente para governar outra pessoa sem o seu consentimento.
Abraham Lincoln

Cada vez que o governo tenta manejar os nossos negócios, fica mais caro e os resultados são piores do que se fossemos nós a fazê-lo.
Benjamim Constant

O melhor governo é aquele em que há o menor número de homens inúteis.
Voltaire

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Lamarca: A Trajetória de um Desertor

O Fim e o Começo
No meio da tarde de uma sexta-feira, sob o ardente calor de 40 graus da caatinga do sertão baiano, uma equipe de agentes, aproximando-se passo a passo, vislumbrou os dois homens que descansavam à sombra de uma baraúna, no lugarejo de Pintada, município de Oliveira dos Brejinhos.

À voz de prisão, tentaram sacar suas armas. Duas rajadas curtas mataram os dois homens: um deles era José Campos Barreto, o Zequinha, morador da região; o outro, também conhecido por "Renato", "Célio", "Sylas", "João", "César", "Cid", "Cláudio", "Paulista" e "Cirilo", era Carlos Lamarca, ex-Capitão do Exército, ex-dirigente da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e da Vanguarda Armada Revolucionária - Palmares (VAR-P), naqueles tempos já militante do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8) e escondido no interior da Bahia. Foi o fim trágico de um desertor.

Filho de pais pobres, Lamarca nasceu em 27 de outubro de 1937 e viveu, até os 17 anos, no Morro de São Carlos, no Rio de Janeiro, com seus irmãos e uma irmã de criação, Maria Pavan, que viria a ser sua esposa.

Em meados da década de 50, como muitos, entusiasmou-se com a campanha do "O Petróleo é Nosso", politizando-se com as idéias nacionalistas que o influenciaram a procurar a carreira militar.

Depois de reprovado por duas vezes nos exames, ingressou, em 1955, como aluno na Escola Preparatória de Cadetes de Porto Alegre. Três anos depois, estava matriculado na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN).

Já como cadete, Lamarca - clandestinamente e fora dos limites da AMAN - participou de grupos de estudo do marxismo-leninismo, tornando-se um simpatizante do Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Declarado, em dezembro de 1960, aspirante-a-oficial da Arma de Infantaria, foi designado para servir no quartel do 4º Regimento de Infantaria (4ºRI), em Quitaúna/SP.

Como tenente, iniciou estudos sobre guerrilha e, em junho de 1962, vislumbrando a possibilidade de integrar a Força Brasileira, em Suez, conseguiu ser transferido para o 2º Regimento de Infantaria, na Vila Militar/RJ, e participou, durante 13 meses, da Força de Emergência da ONU, no Oriente Médio.

Retornando ao Brasil, foi designado, em outubro de 1963, para a então 6ª Companhia de Polícia do Exército (6ª Cia PE), em Porto Alegre/RS.

A Revolução de 31 de março de 1964 veio encontrar o Tenente Lamarca na 6ª Cia PE, admirando a tentativa de resistência de Brizola e condenando a atitude de Jango, por ele tachada como uma "fuga covarde".

Nesse ano, já transitando com desenvoltura pelas esquerdas, chegou a pedir o seu ingresso no PCB, somente desistindo quando alguns companheiros afirmaram que esse partido, "reformista e traidor, o entregaria à polícia".

Na noite de um sábado de dezembro de 1964, quando escalado de oficial-de-dia, Lamarca, deliberadamente, facilitou a fuga do Capitão da Aeronáutica Alfredo Ribeiro Daudt, que estava preso por subversão.

O inquérito, aberto para apurar o seu primeiro ato de traição ao Exército Brasileiro, não chegou a conclusões definitivas.

Entretanto, essa fuga inexplicável tornou o ambiente demasiadamente tenso para ele, na PE.

Novamente movimentado, apresentou-se, em dezembro de 1965, no seu antigo quartel do 4º RI, em Quitaúna.

Nesse quartel paulista, reencontrou-se com seu amigo, o Sargento Darcy Rodrigues, com quem, novamente, passou a ter longas conversas sobre a situação brasileira e a realizar um estudo sistemático sobre o marxismo-leninismo.

Em 1968, várias organizações clandestinas, de linha foquista e militarista, sob o pretexto de livrar o Brasil da ditadura militar, ensangüentavam-no, desencadeando as açõs armadas e terroristas preconizadas por Cuba. Uma delas era a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), criada, em março desse ano, pela fusão do grupo foquista dissidente da Política Operária (POLOP) com os remanescentes do núcleo de São Paulo do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), de Brizola. Paradoxalmente, uniram-se os "políticos" teóricos com os "militares" práticos.

Depois de estabelecer conversações com a Ação Libertadora Nacional (ALN) e com o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Lamarca decidiu ingressar na VPR, seduzido pela facilidade com que poderia galgar os postos de comando, fazendo valer sua natural ascendência hierárquica sobre os inúmeros sargentos que integravam a organização.

Assim, em junho de 1968, ingressou na base militar da VPR, levado pelos irmãos de um de seus dirigentes, o ex-sargento Onofre Pinto. De imediato, criou uma célula clandestina da VPR no seu quartel, o 4º RI, composta pelo Sargento Darcy Rodrigues, pelo Cabo José Mariano Ferreira e pelo Soldado Carlos Roberto Zanirato. Muito "convenientemente", Lamarca era, na época, o instrutor de tiro da Unidade.

Com essa facilidade, cometeu a segunda traição ao Exército, conseguindo desviar 2 mil tiros para municiar os 9 FAL que haviam sido roubados pela VPR, em 22 de junho de 1968, no assalto ao Hospital Geral de São Paulo, no Cambuci.

Em dezembro desse ano, explodiu a crise latente na VPR, provocada pela contradição entre a prática e a teoria, entre os "militaristas", oriundos do MNR, e os "políticos" ou "leninistas", oriundos da POLOP. Numa conturbada reunião realizada no litoral paulista, que ficou conhecida como a "praianada", os "militaristas", agora fortalecidos pela adesão do Capitão Lamarca, assumiram a direção da VPR.

Nesse ínterim, Lamarca vinha ministrando instrução de tiro a funcionárias do Banco Bradesco, ironicamente, para que elas pudessem enfrentar os assaltos a bancos.

Na sua cabeça, entretanto, fervilhavam as idéias sobre futuras ações armadas, dentre as quais o assalto ao seu próprio quartel, ato que marcaria, publicamente, o seu ingresso na luta armada terrorista e a sua terceira traição ao Exército.

Apesar do comando militar da área já ter tido conhecimento, desde outubro de 1968, da existência de uma célula comunista no 4º RI e, inclusive, da participação do Capitão Lamarca, as medidas então tomadas - fruto do despreparo em combater ações desse tipo - revelaram-se inócuas e não impediram o assalto.

Foi intenso e meticuloso o planejamento da ação, prevista para ser realizada nos dias 25 e 26 de janeiro de 1969, um final de semana, inclusive com a especificação detalhada de quem deveria matar quem. Entretanto, a prisão de quatro militantes da VPR, na quinta-feira, e a descoberta, em Itapecerica da Serra, do caminhão que estava sendo pintado com as cores do Exército, a fim de facilitar o roubo do armamento, determinaram a antecipação do assalto.

Assim, no final da tarde de sexta-feira, 24 de janeiro de 1969, Lamarca entrou no 4º RI com sua própria Kombi e, no paiol, carregou-a com 63 FAL, 3 metralhadoras INA, uma pistola .45 e farta munição.

Dali, dirigiu-se para a casa de Onofre Pinto, a fim de despedir-se de sua esposa, Maria Pavan, e do casal de filhos que, naquela mesma noite, embarcariam para Cuba, via Roma, junto com a família de Darcy Rodrigues.

Com 31 anos, Carlos Lamarca desertava do Exército e ingressava na clandestinidade, com seu nome já aureolado pelo ato audacioso. Com a família em segurança, pôde livremente desfrutar da companhia de sua amante Iara Iavelberg, psicóloga casada com um médico, também militante da VPR, e que, desde sua antiga militância na POLOP, colecionava os codinomes de "Leila', "Norma", "Rita", "Leda", "Cláudia", "Célia", "Márcia" e "Mara".

Alimentado pelo desejo de logo iniciar as ações violentas, foi planejá-las nos locais secretos da organização, os "aparelhos". Em pouco tempo, cometeria o seu primeiro assassinato.

O 1º Assassinato
Depois de um Congresso realizado em abril de 1969, numa casa em Mongaguá, cidade do litoral paulista, entre Praia Grande e Itanhaém, no qual Lamarca foi eleito um dos cinco membros do Comando Nacional (CN), a VPR reiniciou as ações armadas.

Na tarde de 09 de maio, Lamarca comandou o assalto simultâneo aos bancos Federal Itaú Sul-Americano e Mercantil de São Paulo, na Rua Piratininga, bairro da Moóca, cujo gerente, Norberto Draconetti, foi esfaqueado e o guarda-civil, Orlando Pinto Saraiva, morto com dois tiros, um na nuca e outro na testa, disparados por Lamarca, que se encontrava escondido atrás de uma banca de jornais. No final da ação, disparou uma rajada de metralhadora para o ar, como a marcar, ruidosa e pomposamente, o seu primeiro assalto a banco e o seu primeiro assassinato.

Os primeiros meses de 1969, entretanto, foram marcados pelas prisões de dezenas de militantes da VPR e do Comando de Libertação Nacional (COLINA), organização criada em junho do ano anterior por dissidentes da Política Operária (POLOP) em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. Debilitadas, ambas buscaram, na fusão, um modo de rearticularem-se, formando uma única organização, mais poderosa e de âmbito quase nacional. Dessa forma, no início de julho de 1969, surgiu a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-P), com Lamarca integrando, com mais cinco membros, o seu Comando Nacional (CN).

Nessa época, Lamarca já era um dos comunistas mais procurados. O roubo das armas, a deserção e o primeiro assassinato levaram os órgãos de segurança a efetuarem esforços especiais para a sua captura. O Exército, particularmente, sentindo-se traído, colocara como ponto de honra o fim dos seus atos terroristas. No entanto, ele não era mais um subversivo desconhecido, que necessitava ser identificado. Sua fama e sua origem o qualificavam como extremamente perigoso e sua fotografia atualizada era guardada no bolso de muitos agentes. Sua aparência física e, principalmente, seu rosto cadavérico, tornavam-no um alvo fácil de ser reconhecido. Lamarca sabia disso e resolveu mudar.

Em julho de 1969, dois médicos militantes da Base Médica da VPR, Almir Dutton Ferreira ("Augusto", "Cesar", "Ivo", "João") e Germana Figueiredo ("Júlia"), incumbiram-se da tarefa.

Almir convocou seu amigo de infância, o dentista Rogério Iório, que, em quatro consultas em seu consultório na Avenida Nelson Cardoso, em Jacarepaguá, trocou todos os dentes superiores de Lamarca.

Quinze dias depois, já em agosto, Almir procurou um outro amigo, o médico Milton Nahon, que conseguiu os serviços do também militante comunista Afrânio Marciliano Freitas Azevedo, cirurgião mineiro do Hospital Gaffrée Guinle, que, com o auxílio do médico cearense Amauri Luzardo Santiago de Almeida e do anestesista Luiz Alves, realizou a operação plástica na Clínica São João de Deus, na Rua Almirante Alexandrino, em Santa Tereza.

Lamarca foi internado com o nome de "Paulo Cesar de Castro" e chegou na clínica estranhamente vestido de mulher, com trejeitos para se passar por cabelereiro e homossexual. Durante as 24 horas da cirurgia, dois militantes da VPR, Sonia Eliane Lafoz e Wellington Moreira Diniz - este escondido no armário, permaneceram no seu quarto, como seguranças armados.

Logo depois, já com o nariz reduzido e sem os marcantes sulcos da testa e da face, Lamarca tirou fotografias para a nova identidade e viajou para São Paulo, numa caravana composta por seguranças e pelo médico da VPR Luiz Roberto Tenório, que a capitaneava num Gordini.

Entretanto, se a cirurgia deu certo e tínhamos um novo Lamarca, o mesmo não ocorria com a fusão que dera origem à VAR-PALMARES. Se, por um lado, os "marxistas" oriundos do COLINA, melhor preparados politicamente, criticavam os "militaristas" da VPR pelo "imediatismo revolucionário", por outro, os oriundos da VPR sentiam-se moralmente fortalecidos pelo que levavam para a nova organização: 55 milhões de cruzeiros e um grande arsenal de armas, munições e explosivos.

Nem a "Grande Ação", planejada meticulosamente por Dilma Rousseff, atual ministra da Casa Civil, - assalto ao cofre de Anna Benchimol Capriglione, amante de Adhemar de Barros, ex-Governador de São Paulo, e que proporcionou à VAR-P cerca de 2 milhões e 800 mil dólares - conseguiu acalmar os conflitos entre os dirigentes.

Entre agosto e setembro de 1969, uma casa em Teresópolis abrigou 33 militantes que, depois de 20 dias, transformaram aquilo que seria o I Congresso Nacional da VAR-P num festival de bebedeiras, drogas e sexo, recheado por acirradas discussões político-ideológicas que, por pouco, não degringolaram em agressões físicas e tiros. Ao final, concretizou-se um "racha" na VAR-P, surgindo o "Grupo dos 7" - dentre os quais, Lamarca - que foi reestruturar a VPR.

No início de outubro, no bar do Hotel das Paineiras, na Floresta da Tijuca, representou a VPR num encontro com dirigentes da VAR-P para a partilha dos bens das duas organizações. Apesar de ser membro do CN, ele delegou aos demais a burocrática tarefa de organizar o Congresso da nova VPR, realizada na Barra da Tijuca, e foi orientar seus militantes que se exercitavam no tiro e em marchas tipo guerrilha, num sítio em Jacupiranga, próximo ao Km 234 da BR-116. Observou, no entanto, que esse local, demasiado próximo de uma rodovia e de regiões urbanas, não oferecia boas condições de segurança.

Assim, já como Comandante-em-Chefe da VPR, Lamarca determinou a desmobilização dessa área e a ativação de uma outra, em Registro, no Vale do Ribeira/SP.

A Área de Registro
No feriado da Proclamação da República, Lamarca e Iara Iavelberg foram apanhados de carro por Joaquim dos Santos, num "ponto" junto ao Forte de Copacabana, na então Guanabara, e levados para São Paulo. No dia seguinte, chegavam na nova área de treinamento, localizada no Sítio Palmital, com 40 alqueires de terra, na região de Barra do Azeite, na altura do Km 254 da BR-116, antiga BR-2, rodovia que liga São Paulo a Curitiba, 30 Km ao Sul do município de Jacupiranga.

O ex-Capitão - agora utilizando o codinome de "Cid" - e mais quatro militantes permaneceram no sítio, realizando exercícios de tiro, marchas e reconhecimento das áreas adjacentes. Observaram que a área também não era a ideal: além de ser pequena, a excessiva proximidade da rodovia e a constante presença de caçadores aumentavam a sua vulnerabilidade, inviabilizando-a como área de treinamento apta a receber mais "guerrilheiros".

No início de dezembro, a VPR adquiriu um outro sítio, de 80 alqueires, situado um pouco mais ao Norte, distante 4 quilômetros da BR-116. A primeira área foi desmobilizada e seu material transferido para a nova, denominada de Área 2, considerada pronta antes do Natal.

A partir de janeiro de 1970, os militantes foram chegando para o treinamento e, em março, a Área 2 contava com um total de 18 "guerrilheiros", dentre os quais Lamarca e duas mulheres, uma delas, sua companheira Iara.

Mas as coisas começaram a se complicar.

Em 27 de fevereiro, foi preso Chizuo Ozawa, o "Mário Japa", que sabia a localização da área. Se falasse, tudo estaria perdido. Preocupado em libertá-lo, Lamarca exigiu, em caráter de urgência, o seqüestro de um diplomata. Assim, em 11 de março de 1970, foi seqüestrado o Cônsul do Japão, Nobuo Okuchi, posteriormente trocado por cinco presos, dentre os quais "Mário Japa". A localização da Área 2 permanecia secreta.

Mas as dezenas de prisões de dirigentes e militantes da VPR, ocorridas no início de abril, viriam, novamente, comprometer a segurança da área de treinamento. Os depoimentos dos presos confirmaram que Lamarca havia feito, no ano anterior, uma operação plástica e Maria do Carmo Brito, membro do CN, presa no Rio de Janeiro, apontara a localização da área.

Em meados de abril de 1970, sentindo-se seguro, Lamarca convocou uma reunião ampliada do CN/VPR, numa casa da Rua Estância, em Peruíbe, cidade do litoral sul paulista. Aventurou-se a deixar a área de treinamento - relativamente próxima ao local - e encontrou-se com Ladislas Dowbor, membro do CN e Cmt da Unidade de Combate (UC) de São Paulo, e com Maria do Carmo Brito, membro do CN, além dos dois Cmt/UC da Guanabara, Juarez Guimarães de Brito e José Ronaldo Tavares de Lira e Silva. O Cmt da UC/RS, Felix Silveira Rosa Neto, também previsto para comparecer à reunião, não foi encontrado por Joaquim dos Santos, que o fora buscar de carro em Porto Alegre (ninguém sabia que Félix já havia sido preso em 12 de abril). Ainda na casa, estavam presentes Iara Iavelberg, Maria Barreto Leite Valdez, que iria cumprir missão no Sul, e Tercina Dias de Oliveira, a "Tia", retirada da área de treinamento no início de março. As informações ainda obscuras sobre as quedas dos militantes da VPR não permitiram que essa reunião do CN decidisse ações de importância.

Entretanto, na noite de 18 de abril de 1970, já alertado sobre as prisões, Lamarca decidiu desmobilizar a área e evacuar os militantes em três grupos. Dois dias depois, quando chegaram as primeiras tropas da "Operação Registro", 8 militantes já haviam fugido.

O Assassinato do Tenete Mendes
Na noite do Dia das Mães, 08 de maio, depois de mais de duas semanas ainda cercados na área, Lamarca e mais 6 militantes emboscaram cerca de 20 homens da Polícia Militar de São Paulo, chefiados pelo Tenente Alberto Mendes Júnior - o "Berto", como era chamado por sua família, que decidiu se entregar como refém, desde que seus subordinados, feridos, pudessem receber auxílio médico.

Na noite seguinte, os 7 guerrilheiros ficaram reduzidos a 5, pois 2 haviam se extraviado na refrega da noite anterior.

Conduzindo o Ten Mendes como refém, prosseguiram na rota de fuga. Depois de andarem um dia e meio, os 5 guerrilheiros pararam para um descanso, no início da tarde de 10 de maio de 1970.

Lamarca disse que o Ten Mendes os havia traído, causando a morte de dois companheiros (não sabia que eles estavam, apenas, desgarrados) e, por isso, teria que ser executado.

Nesse momento, enquanto Ariston Oliveira Lucena e Gilberto Faria Lima vigiavam o prisioneiro, Carlos Lamarca, Yoshitane Fujimore e Diógenes Sobrosa de Souza afastaram-se e, articulando-se em um "tribunal revolucionário", condenaram o Ten Mendes à morte.

Poucos minutos depois, Yoshitane Fujimore, acercando-se por trás do Tenente, desferiu-lhe, com a coronha do fuzil, violentos golpes na cabeça. Caído e com a base do crânio partida, o Ten Mendes gemia e contorcia-se em dores. Diógenes Sobrosa de Souza desferiu-lhe outros golpes na cabeça, esfacelando-a. Ali mesmo, numa pequena vala e com seus coturnos ao lado da cabeça ensangüentada, o Ten Mendes foi enterrado. Lamarca, perante os 4 terroristas, responsabilizou-se pelo assassinato.

Alguns meses mais tarde, em 08 de setembro de 1970, Ariston Oliveira Lucena, que havia sido preso, apontou o local onde o Tenente Mendes estava enterrado. As fotografias tiradas de seu crânio atestam o horrendo crime cometido. Sua mãe entrou em estado de choque e ficou paralítica por quase três anos.

Ainda nesse mês de setembro, descoberto o crime, a VPR emitiu um comunicado "Ao Povo Brasileiro", onde tenta justificar o frio assassinato, no qual aparece o seguinte trecho:
"A sentença de morte de um Tribunal Revolucionário deve ser cumprida por fuzilamento. No entanto, nos encontrávamos próximos ao inimigo, dentro de um cerco que pôde ser executado em virtude da existência de muitas estradas na região. O Tenente Mendes foi condenado e morreu a coronhadas de fuzil, e assim o foi, sendo depois enterrado."

Os dirigentes da VPR não só eram os donos da verdade, como arvoravam-se em senhores da vida e da morte!

Na tarde de 31 de maio de 1970, Lamarca e os 4 militantes seqüestram uma viatura do 2º Regimento de Obuses 105 e conseguem romper o cerco, largando o veículo já na cidade de São Paulo, na marginal do rio Tietê, perto do bairro da Vila Maria, com os militares amarrados à carroceria, sem roupas.

O segundo assassinato cometido por Lamarca e a fuga bem sucedida, ludibriando e humilhando os militares, serviu para aumentar a lenda e o mito.

O Seqüestro do Embaixador da Suíça
Lamarca encontrou a VPR em situação caótica, em face das numerosas "quedas" de abril e de maio de 1970. Em 03 de junho, cobriu um ponto com Ariston Oliveira Lucena na Avenida Ipiranga e reassumiu a sua função de Comandante-em-Chefe, rearticulando o Comando Nacional (CN) com Inês Etienne Romeu e com o homossexual ainda não assumido Herbert Eustáquio de Carvalho, o "Daniel", que com ele estivera na área de Registro. Ao mesmo tempo, foi morar com Iara num "aparelho" do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT).

Em meados de junho, Lamarca, em reunião com Joaquim Câmara Ferreira ("Toledo"), da ALN, e Devanir José de Carvalho ("Henrique"), do MRT, estabeleceu a lista dos 40 prisioneiros que seriam trocados pelo Embaixador alemão, seqüestrado em 11 de junho de 1970.

Reestruturada e com o moral fortalecido pelo sucesso alcançado no seqüestro, a VPR ingressou no 2º semestre de 1970 disposta a incrementar as ações violentas.

Contudo, o seu Comandante-em-Chefe continuava enclausurado em "aparelhos" de outra organização, o diminuto mas violento MRT, por falta de uma conveniente infra-estrutura em São Paulo, até que, no início de outubro, os três membros do CN foram transferidos para o Rio de Janeiro, sendo que o casal Lamarca e Iara foi descansar, durante dois meses, numa casa alugada pelo militante Walter Ribeiro Novaes - nomeado "infra" do Comando - em Rio D'Ouro, pequeno lugarejo situado entre Piabetá e Santo Aleixo, na entrada de Imbariê, estrada Rio-Teresópolis.

Com tranqüilidade, Lamarca pôde, nesses dias, escrever vários documentos teóricos de orientação à VPR e, à revelia da "frente" composta com a ALN, o PCBR, o MR-8 e o MRT, decidiu executar o seqüestro do Embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher.

A ação desencadeou-se na manhã de 07 de dezembro de 1970, na Rua Conde de Baependi, uma rua estreita, de mão única, que liga o bairro de Laranjeiras ao Flamengo.

Depois de bloqueado o Buick azul do Embaixador, Lamarca, de cavanhaque, terno e gravata, bateu no vidro da janela onde estava o segurança, o Agente da Polícia Federal Hélio Carvalho de Araújo. Abriu a porta e disparou dois tiros com um revólver "Smith & Wesson" calibre .38, cano longo, a uma distância de um metro: o 1º tiro atingiu o teto do carro e o 2º, as costas do Agente que, por instinto, se virara. Com a medula totalmente seccionada pelo projetil, o Agente viria a falecer três dias depois, no Hospital Miguel Couto.

Consumado o seqüestro e o seu 3º assassinato, Lamarca levou o Embaixador para uma casa da Rua Tacaratu, uma ladeira que começava em Rocha Miranda e terminava em Honório Gurgel.

Nessa casa, durante os 40 dias de cativeiro, junto com quatro outros militantes, Herbert Eustáquio de Carvalho, Gerson Theodoro de Oliveira, Tereza Ângelo e Alfredo Hélio Sirkis, Lamarca viu, por diversas vezes, ameaçada a sua autoridade, na polêmica sobre se matavam ou não o suíço.

Num rompante de democracia, Lamarca determinou que os militantes da VPR enviassem, por escrito, as respectivas posições.

No documento de Adair Gonçalves Reis, datado de 24 de dezembro, aparece:
"Propomos a marcação imediata da data e horário para o justiçamento, com comunicado à ditadura. Prazo mínimo de 48 horas e máximo de 72 horas, tomando as 18 horas da tarde como horário básico."

Dois dias depois, Zenaide Machado afirma:
"A saída é pagar o preço alto e carregar um defunto que irá muito nos incomodar."

Ubajara Silveira Roriz ("Otávio", "Nando", "Paulo", "Salomão"), militante que já defendera a idéia de sabotar as indústrias siderúrgicas soltando milhares de ratos nas cidades próximas, propugnava:
"... fazer a ditadura levar o cadáver do embaixador atravessado na garganta, nas suas andanças pelo mundo."

Nas respostas, somente Alfredo Hélio Sirkis e José Roberto Gonçalves de Rezende não viram dividendos políticos na morte do Embaixador. Dentre os 5 militantes confinados no "aparelho" da Tacaratu, inicialmente, Sirkis ficou isolado, numa posição absolutamente minoritária.

Com as respostas e o passar dos dias, Lamarca mudou a sua posição. Mesmo assim, eram cerca de 15 votos contra 3, esmagadora maioria a favor da execução. Lamarca, como comandante-em-chefe da VPR, exerceu o seu poder de veto e a sustou. Sem o saber, Bucher nunca estivera tão perto da morte como naqueles dias de Natal.

À meia-noite de 13 de janeiro de 1971, 70 presos, escoltados por 3 agentes da Polícia Federal, decolavam do Galeão num Boeing da Varig, com destino a Santiago do Chile.

No dia 15, um dia antes do Embaixador ser libertado, Lamarca abandonou o "aparelho" e foi matar as saudades de Iara, que viera de São Paulo.

A Saída da VPR e o Inresso no MR-8
Se o seqüestro do Embaixador suíço proporcionou, por um lado, a libertação de 70 militantes, por outro, demonstrou ser uma "vitória de Pirro", abalando a liderança de Lamarca e iniciando o que viria a ser a desestruturação da VPR.

Em 10 de janeiro de 1971, ainda no "aparelho" da Tacaratu, Lamarca redigiu o documento "Os Mesmos Problemas da Propaganda Armada", no qual, num desabafo, revela as incertezas que lhe corroíam o espírito:
"Estamos nos esvaziando, não conseguimos recuperar o terreno perdido, os companheiros no exterior estão sendo transformados em tábuas de salvação enquanto aqui não conseguimos criar condições para recebê-los, não admitimos fazer trabalho político e ficamos impossibilitados de penetrar no campo, aprofundamos o nosso isolamento político, afundando cada vez mais na marginalidade, ignoramos a história, preocupamo-nos mais com o que o MR-8 vai dizer do que significam as nossas ações, transformamos as nossas discussões em afirmação pessoal (encenações de marxismo), deturpamos tudo para demonstrar que a nossa linha é a correta quando estamos num impasse histórico, esquecemos as discussões, a maioria silencia aguardando não sabemos o que, desgastamo-nos no cri-cri-cra-cra da política burguesa, não criamos nada. A discussão é decisiva."

Dez dias depois de escrever uma "Carta Aberta a Toda a ORG", Zenaide Machado escreveu em 25 de janeiro, em parceria com Adair Gonçalves Reis, um documento no qual analisa os fenômenos existentes na esquerda, dentre os quais o voluntarismo, o espontaneísmo, o individualismo, o personalismo e a autoafirmação, concluindo:
"Toda a esquerda sofre na carne a presença destes fenômenos que têm atravancado o seu desenvolvimento. Se não vencermos o desafio que esta realidade nos impõe, se não tivermos a combatividade necessária para fazermos uma profunda autocrítica e revolução interna não passaremos do que somos hoje: um tumor dentro da realidade política brasileira."

O ponto alto das discussões, entretanto, pelo caricato que se revestiu, foi a polêmica entre Lamarca e o estranho militante de codinome "Otávio", Ubajara Silveira Roriz, o mesmo dos "ratos" e do cadáver "atravessado na garganta". Depois de escrever, em 27 de outubro de 1970, um documento sobre a moral revolucionária, Ubajara, em 19 de dezembro, redigiu o "Libelo contra os Apóstolos do Laissez-Faire ou Abaixo o Positivismo Anti-Revolucionário", usando termos nunca sonhados no hermético discurso marxista-leninista, tais como "pitecantropus erectus", "primatas", "português do bar da esquina", etc.

Foi, no entanto, a crítica aos que estavam no Comando que provocou a irritação em seus companheiros, agravada por dois novos documentos datados de 02 e 05 de janeiro, respectivamente, uma "Carta Aberta ao Comando Nacional" e um "Balanço da Situação", nos quais reputa o seqüestro do embaixador suíço como uma derrota política e disserta sobre a "volúpia do poder" e a "completa ausência de companheirismo revolucionário" que havia, no seu entender, na VPR.

Até aquele momento, o ex-Capitão não havia recebido nenhum desses documentos, pois os comandantes das Unidades de Combate (UC) e das bases estavam considerando que era melhor preservar o comandante-em-chefe da leitura das diatribes de Ubajara. O último documento, entretanto, foi recebido por Lamarca em 14 de janeiro e, dois dias depois, enviava uma "Resposta Sintética ao Companheiro Otávio", afirmando que seu balanço havia sido superficial e incompleto, caindo num "desvio ideológico". Ao final, uma advertência: "Nós devemos é ser mais sérios em nossas análises."

Em 23 de janeiro, Ubajara responde com o documento que mexeu com toda a organização, o "Quem é Carlos Lamarca ?", no qual levanta dúvidas sobre a lealdade revolucionária do "ex-capitão do Exército" e afirma estranhar o mito que se havia criado em torno do seu nome.

Quase uma dezena de documentos sobre a polêmica Lamarca x "Otávio" circularam entre os militantes da VPR nesses dois primeiros meses de 1971, demonstrando a fragilidade do Comando, tendo em vista, particularmente, que tudo acabou em nada.

O mês de março de 1971 ficou marcado pelas ásperas discussões travadas entre Lamarca e Inês Etienne Romeu, que redundaram no desligamento desses dois membros do triunvirato que compunha o Comando Nacional da VPR.

Em 22 de março de 1971, Lamarca, através do documento "Ao Comando da VPR", apresentou o seu "pedido de desligamento em caráter irrevogável", fundamentado por:
"1) divergir da linha política da VPR, conforme coloquei em diversos documentos internos;
2) ter constatado os desvios ideológicos da VPR e a deformação que acarreta em muitos dos seus quadros;
3) não ter conseguido levar a luta interna que iniciei há um ano com a devida serenidade;
4) não conseguir romper com o culto ao sectarismo existente na VPR;
5) discordar do método de direção (apesar de ser Cmt-em-Chefe); a Org impede a liberação de potencial, não forma quadros, aliena militantes, deforma dirigentes, elimina a criatividade, impede a prática leninista -- tudo como já coloquei em documentos internos."

Em 27 de março, logo depois de escrever o documento "Congresso: Salvação Política e Não de Honra", Lamarca, conduzido por Alex Polari de Alverga num Volks bege, foi passado para o MR-8 num "ponto" na Rua Vilela Tavares, no Méier, onde o aguardavam Carlos Alberto Vieira Muniz e Stuart Edgard Angel Jones, num Volks vermelho. Ao mesmo tempo, Iara era trazida a esse ponto por Alfredo Hélio Sirkis. Nesse final de março, Lamarca e Iara iniciavam a trajetória que os levaria à morte na Bahia.

No dia 11 de abril, um recém-formado Comando Nacional Provisório (CNP) emitiu o documento "Sobre o Problema do Desligamento do Companheiro Cláudio", no qual o tachava de "personalismo", "oportunismo" e possuidor de um "idealismo ingênuo" e afirmava que essa atitude havia sido de "fuga à responsabilidade", "a partir de um profundo emocionalismo", denotando uma "fraqueza ideológica". A propósito dos numerosos documentos escritos por Lamarca, o CNP não esqueceu-se de criticá-los, afirmando que eram "somente algumas frases feitas (e ainda por cima mal feitas)" e não passavam de "mero exercício de caligrafia", referindo-se à sua escrita perfeita, redondinha, estranhamente feminina.

Ao final, o CNP concluía que não aceitava o seu desligamento enquanto que não ficassem claras as divergências e que ele não poderia "assumir militância em outra organização até a decisão final da questão".

Mero exercício de retórica. Lamarca já estava no MR-8.

A Morte no Sertão da Bahia
À primeira vista, parecia que o MR-8 se fortalecia com a vinda do "Cid" ou "Cláudio", aumentando o seu prestígio junto às esquerdas. Na realidade, a organização recebia, mais do que um militante, um verdadeiro "elefante branco" e a responsabilidade de mantê-lo na absoluta clandestinidade. Para Lamarca, o ingresso no MR-8 representou, nada menos, que o início do seu fim.

Carlos Lamarca e Iara Iavelberg passaram os meses de abril, maio e junho de 1971 escondidos de "aparelho" em "aparelho", dentre os quais o de Renato Perrault de Laforet ("Zé"), em Botafogo, e o de José Gomes Teixeira ("P1").

A prisão deste último, em 11 de junho, que veio a se somar a uma série de prisões de militantes e dirigentes do MR-8, precipitou a decisão de levar o casal para o sertão da Bahia, junto ao trabalho de campo na região do Médio São Francisco. Para o transporte, conseguiu-se um Volks e uma Kombi, cujos proprietários e também motoristas eram, respectivamente, Rui Berford Dias ("Aguiar") e Waldir Fiock da Silva ("Dirceu", "Pantera", "Gota Serena", "Roberto").

No início da noite de 25 de junho, os quatro encontraram-se, junto ao BOB'S da Avenida Brasil, com José Carlos de Souza, que viera especialmente para buscá-los. No Volks, seguiram Lamarca, Iara e José Carlos. Um pouco mais à frente, para verificar as barreiras policiais, a Kombi com Waldir e Rui.

No dia seguinte, ao chegarem em Vitória da Conquista, Rui retornou com seu Volks e os outros quatro seguiram com a Kombi até Jequié. Depois de pernoitarem, o casal se separou: Iara e Waldir foram de ônibus para Salvador, enquanto Lamarca e José Carlos dirigiram-se para Itaberaba e Ibotirama. Ao chegarem na ponte da BR-242 sobre o Rio Paramirim, encontraram-se, no fim da tarde de 27, com José Campos Barreto, o "Zequinha". Depois de dormirem numa pensão no início da estrada que demanda a Brotas de Macaúbas, chegaram nessa cidade na tarde de 28 e, no dia seguinte, Lamarca e Zequinha foram a Buriti Cristalino, enquanto José Carlos seguia com a Kombi para Salvador, a fim de encontrar-se com Iara e Waldir. Sem o saber, Lamarca, acobertando-se como o "geólogo Cirilo", chegara em sua penúltima morada.

Na tarde de 06 de agosto, encontraram-se, no centro de Salvador, César de Queiroz Benjamin ("Menininho") e José Carlos de Souza. Como assunto principal, estabeleceram que Iara seguiria para Feira de Santana, onde havia melhores condições de segurança, e ele, José Carlos, incorporar-se-ia ao trabalho de campo, em Brotas. Há algum tempo na vigilância, policiais deram voz de prisão aos dois militantes. O "Menininho" atracou-se com os agentes, chegou a atirar e conseguiu fugir (pela 2ª vez) ao cerco, dirigindo-se para a então Guanabara. Menos feliz, José Carlos foi preso e começou a denunciar diversos companheiros.

A partir de 17 de agosto, Iara Iavelberg, agora com os novos codinomes de "Gil", "Liana" e "Leila", passou a residir no apartamento 201, do Edifício Santa Terezinha, na Rua Minas Gerais, 125, na Pituba, com Jaileno Sampaio da Silva e sua companheira Nilda Carvalho Cunha, além da irmã desta, Lúcia Bernardeth Cunha.

No dia 20 de agosto de 1971, através das declarações de José Carlos, a polícia cercou o Edifício Santa Terezinha e exigiu a rendição dos ocupantes do apartamento 201. Após terem sido presos Lúcia, Jaileno e Nilda, Iara Iavelberg foi encontrada no apartamento vizinho, o 202, onde se escondera no início do cerco. Não vendo possibilidades de fuga e assolada por bombas de gás lacrimogênio, a amante de Lamarca suicidou-se com um tiro no coração.

No dia seguinte, um sábado, às 19 horas, logo depois de passar um telegrama do Rio de Janeiro para Iara (sem saber que ela já estava morta), o "Menininho", num Volks com Ney Roitman, Alberto Jak Schprejer ("Souza", "Beto") e sua amante Teresa Cristina de Moura Peixoto ("Tetê"), é detido por uma "Operação Pára-Pedro", na Avenida Vieira Souto, na altura do Jardim de Alá. Ao serem solicitados os documentos, o "Menininho" saiu rapidamente do carro, fugindo correndo entre os transeuntes. Pela 3ª vez, conseguia escapar de um cerco policial. No veículo, ficaram o diário de Lamarca e cartas para Iara, escritas de 29 de junho a 16 de agosto, que forneceram, aos órgãos de segurança, a certeza de onde deveriam procurar e concentrar esforços a fim de capturá-lo.

Enquanto isso, as declarações de José Carlos de Souza ajudavam a colocar mais dirigentes do MR-8 na cadeia. Em 27 de agosto, foi a vez de Diogo Assunção de Santana e Milton Mendes Filho.

No dia seguinte, a polícia chegou em Buriti Cristalino, dando voz de prisão aos ocupantes da casa dos irmãos Campos Barreto, que reagiram com intenso tiroteio. Ao final, Olderico foi preso, ferido no rosto e na mão direita, enquanto Otoniel foi morto, quando tentava a fuga. Dentro da casa, o cadáver de Luiz Antônio Santa Bárbara, que se matara com um tiro na cabeça. Era o 3º suicídio de militantes do MR-8 para não denunciarem Lamarca que, acampado a poucos quilômetros do lugarejo de Buriti Cristalino, ouvira os tiros e fugira, internando-se com Zequinha mata a dentro.

Sem saber do acontecido e sentindo-se "queimado" no Rio de Janeiro, César de Queiroz Benjamin retornou a Salvador, sendo preso em 30 de agosto, num "ponto" delatado por Jaileno, no Rio Vermelho. Após longa série de assaltos e ter escapado de três choques com a polícia, o "terrível Menininho", com apenas 17 anos, mostrou-se extremamente dócil nos interrogatórios. Suas extensas declarações, todas de próprio punho, desvendaram a linha política e as ações do MR-8. Muitos militantes foram, então, identificados. Chegou, inclusive, a fazer uma análise dos métodos de interrogatório aplicados, declarando-se surpreso com o bom tratamento recebido e com o nível de seus interlocutores.

Com essa nova e importante fonte, os órgãos de segurança, que já haviam retirado boa parte de seus efetivos da região de Brotas de Macaúbas, retornaram ao local, iniciando-se nova caçada a Lamarca e a Zequinha.

No meio da tarde de 17 de setembro de 1971, uma equipe de agentes, integrantes da Operação Pajussara, localizou os dois militantes, que descansavam à sombra de uma árvore, perto do arruado de Pintada, município de Oliveira dos Brejinhos. À voz de prisão, tentaram sacar de suas armas. Uma série de tiros pôs fim ao ex-Capitão comunista - que deixara um rastro de sangue atrás de si - e a José Campos Barreto.

Traidor do Exército Brasileiro
Essa é a verdadeira história de Carlos Lamarca, a qual poucos conhecem, pois sempre foi contada por só um dos lados. Mais de 28 anos após sua morte, os tempos mudaram.

Os militantes comunistas que ensangüentaram o País em nome de uma revolução - hoje, por muitos deles mesmos vista como equivocada -, não mais matam, seqüestram ou roubam e nem mais descansam nas enxêrgas dos "aparelhos" ou da selva. Beneficiados pela anistia, seus crimes foram esquecidos. Seus atos ensandecidos foram transformados em heróicos e seus passados são avaliados pelas maiores ou menores "perseguições políticas" que, supostamente, teriam sofrido.

Em contrapartida, aqueles que lutaram contra a luta armada, ao lado da Lei e a Ordem, são tachados de torturadores, de opressores e de reacionários. Listados nos livros vermelhos elaborados por esquerdistas, são marcados durante toda a vida, ao arrepio da Justiça, pelos intolerantes derrotados.

Enquanto uns ganham homenagens, monumentos, nomes em logradouros públicos e filmes patrocinados pelo dinheiro público, outros são acusados, perseguidos, destituídos de suas funções e convocados a "pseudo-comissões de inquérito".

Para os primeiros, os derrotados na luta armada, a anistia de 1979 não serviu para sepultar as idéias exacerbadas e conduzir a Nação para o caminho do entendimento mas, apenas, para conceder-lhes a liberdade de atacar seus antigos inimigos e de praticar o revanchismo.

Para os segundos, a vitória na luta armada foi o estopim da derrota política e amargam um compulsivo silêncio, patrulhados pela mídia ideológica.

Assim é com Carlos Lamarca.

Há mais de 16 anos, em 25 de agosto de 1983, um desses ex-terroristas, Liszt Benjamim Vieira, então Deputado Estadual pelo PT do Rio de Janeiro, pronunciou um discurso na Assembléia Legislativa, no qual fez a seguinte assertiva sobre o ex-Capitão:
"Senhor Presidente, Senhores Deputados, hoje, 25 de agosto, Dia do Soldado, queremos homenagear um herói brasileiro. (...) Cursou a Escola Militar, onde foi o primeiro aluno. Seguiu brilhante carreira militar."

Por ser "herói", sua viúva, desde 1984, recebe pensão do Exército. Por ser "herói", sua família também recebeu, por decisão da Comissão dos Desaparecidos, em 11 de Setembro de 1996, a quantia de R$ 100 mil de indenização.

Na realidade, em torno de Lamarca construíram-se muitas lendas:
  • À lenda de que foi primeiro aluno da AMAN, opõe-se a realidade de que saiu Aspirante-a-Oficial classificado em 46º lugar numa turma de 57 cadetes.
  • À lenda de que era brilhante atirador, opõe-se a realidade de que nunca conseguiu, com revólver calibre .38, média maior do que 78 no tiro de precisão e, apenas, usava a sua condição de "atirador" para roubar munição e entregá-la para as organizações comunistas.
  • À lenda de que era um exemplar marido e chefe de família, opõe-se a realidade de que foi obrigado a se casar, ainda como cadete, por ter engravidado sua própria irmã de criação, Maria Pavan, e que a enviou para Cuba com um casal de filhos - o menino viria a ser tenente do exército cubano - não por temer por sua segurança, mas para desfrutar do convívio com sua já amante, Iara Iavelberg.
  • À lenda de que era um Oficial com brilhante carreira militar, opõe-se a realidade de que desertou do Exército Brasileiro. Ao divergir, não pediu sua saída conforme os princípios de ética e de moral que lhe foram ensinados na caserna. Usando a própria farda, roubou e traiu seu sagrado juramento de Oficial do Exército, demonstrando não possuir a lealdade que caracteriza o soldado.
  • À lenda de que era um herói, "libertador da Pátria", opõe-se a realidade de suas ações terroristas: assaltos a bancos, seqüestros de embaixadores, assassinatos, incentivador de guerrilhas urbana e rural, roubo de armamento e aliciador de outros militares para a causa comunista.

Insuspeitas são as opiniões de Ariston Oliveira Lucena sobre Lamarca - que com ele participou do assassinato do Tenente Mendes em Registro, publicadas em entrevista no "Jornal do Brasil" de 22 de setembro de 1988: "... era teoricamente despreparado e politicamente sem experiência ... tinha frieza e intuição ... era autoritário e não gostava de ser contrariado ..."

Também insuspeitas são as declarações de José Araújo da Nóbrega, ex-sargento do Exército e militante da VPR, que, em maio de 1970, escreveu de próprio punho:
"O Cap Lamarca não possui um QI satisfatório, à altura de ser um líder revolucionário. É um elemento de caráter volúvel, não tem posição definida, suas decisões são tomadas seguindo suas tendências emocionais. Suas qualidades militares são limitadas, tem limites de aproveitamento prático do conhecimento técnico que possui. É pouco engenhoso. O valor político que possui para ser um líder de esquerda lhe foi dado pela imprensa (interessada ou não). As suas façanhas são limitadas e são raras, todavia é elemento audacioso."

Na realidade, apesar da audácia, da lenda e do mito, Lamarca foi um desertor e um traidor do Exército Brasileiro.

E é assim que deverá passar à História.

A Tolerância com o Intolerável

Há uma polêmica estabelecida em relação aos delitos e às penas. Bem organizadas correntes de opinião promovem a condenação das condenações. O quadro das penas tidas como reprováveis começou pela de morte, seguiu para a de prisão perpétua e alcança, agora, a pena de prisão seja pelo tempo que for. Dizem que é preciso buscar outros meios para enfrentar o crime. Denunciam que a privação de liberdade é coisa medieval. Argumentam que ela tem sido insuficiente para conter o avanço da criminalidade. Alegam que os presídios deseducam. Proclamam que manter um indivíduo atrás das grades agrava os desajustes que o levam à prática criminosa. Em outras palavras: os criminosos deveriam receber sanções mais criativas. Talvez algo assim como escrever cem vezes no quadro negro: “Não devo oferecer drogas na porta das escolas”.

A tolerância com o intolerável virou praga social. Os pais deixam de punir os filhos e a própria expressão castigo tornou-se malvista. O professor que segura o braço de um aluno enfrenta constrangimentos. Magistrados trocam a lei pela misericórdia e relutam em mandar para a cadeia. Presos do semi-aberto viram assaltantes em full time. Adotam-se decisões que podem resultar na soltura de mais de 200 mil presos em todo o país. E por aí despenca nossa segurança.

Diante de tal cenário, vale lembrar certas verdades:
  1. A maior parte dos crimes é antecedida de uma avaliação de riscos, sendo o impulso à ação criminosa inversamente proporcional à expectativa de punição;
  2. O trinômio polícia ágil, processo rápido e pena severa é altamente inibidor;
  3. A pena pesada, aplicada a um réu, intimida outros indivíduos de fazerem a mesma coisa;
  4. Bandido preso sai do mercado do crime e deixa de causar dano à sociedade;
  5. Quem está na cadeia pode ser reeducado.

Em contrapartida, examinemos essa ojeriza às penas severas (aí incluída a de prisão). É verdade que somente elas não resolvem o problema da criminalidade, que precisa ser enfrentada por muitos meios. Aliás, nenhuma das outras condições, tomada de modo isolado, acaba com o problema. Tampouco o farão todas juntas – desenvolvimento econômico e social, educação de qualidade, melhor distribuição de renda, aumento dos contingentes policiais, celeridade nos processos criminais, planejamento familiar. Portanto, assim como a insuficiência específica de cada providência em seus efeitos sobre a criminalidade não nos leva a desistir delas, tampouco servirá para justificar a não aplicação de penas severas. Que aconteceria se adotássemos a regra de que a prisão não resolve coisa alguma e soltássemos todos os presos?

A experiência mostra que a pena rigorosa, aplicada com a devida rapidez, inibe a criminalidade. Países muçulmanos que adotam a lei da sharia cortam as mãos dos ladrões. Nasri Salhab, que foi embaixador do Líbano na Santa Sé, escreveu um livro não traduzido para o português, com o título “Islam as I came to know it”, de caráter apologético em relação ao Corão, e nele afirma que a aplicação desse preceito “tirou a Arábia Saudita da lei da selva e a transformou num paraíso de segurança na terra”.

Cerca de 64 países ainda mantêm a pena capital e a metade destes aplicam-na aos traficantes de drogas. Entre eles estão Indonésia, Malásia, Filipinas, China e Cingapura. As execuções de tais sentenças raramente alcançam algumas dezenas ao ano. Por quê? Porque lá, vender droga é fatal para a saúde! E aqui, no paraíso da pena branda? Não consegui descobrir quantos dos quase meio milhão de presos brasileiros são traficantes. Certamente não são dezenas, mas dezenas de milhares. E quantos mais, fora das prisões, infernizam o país com o maldito negócio do vício e da desgraça pessoal, familiar e social? Não, leitor, não estou advogando a mutilação de ladrões nem a execução de traficantes. Estou apenas provando que a aplicação de penas severas inibe o crime. Ponto.

por Percival Puggina

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

As Profecias de Marx

Está circulando na internet um suposto trecho de O Capital, escrito em 1867 por Karl Marx, onde ele teria feito uma previsão bastante precisa sobre a crise atual. O trecho chegou ao blog de Ricardo Noblat, e em inúmeros outros, assim como várias pessoas têm enviado por email a mensagem. Eis o suposto trecho de Marx:

"Os donos do capital vão estimular a classe trabalhadora a comprar bens caros, casas e tecnologia, fazendo-os dever cada vez mais, até que se torne insuportável. O débito não pago levará os bancos falência, que terão que ser nacionalizados pelo Estado".

Seria, de fato, impressionante a visão do autor dessa frase, se ela fosse verdadeira. Não é. Os marxistas sempre foram mestres na propaganda enganosa (vide União Soviética). Uma mentira repetida mil vezes acaba se tornando verdade. Nessa crença, entre tantas outras coisas, marxistas e nazistas se parecem muito. Goebbels poderia tranquilamente se passar por marxista nesse caso. E de fato, Hitler reconheceu que aprendeu muito com os métodos marxistas.

Reescrever a história sob uma lente marxista que distorce todos os fatos é uma tarefa comum para muitos “historiadores”. Mas dessa vez foram longe demais: inventaram algo que Marx jamais disse, e a coisa se espalhou como um vírus pela internet. Usaram a tecnologia capitalista para disseminar uma mentira contra o capitalismo, tentando resgatar em parte a imagem chamuscada do “guru” fracassado. Só que esqueceram que a mesma tecnologia ajuda bastante na tarefa de desmascarar tal mentira.

Afinal, O Capital é um livro que está em domínio público, e existem versões suas online. Qualquer um pode baixar um arquivo de PDF e ter acesso ao livro inteiro. E com um simples instrumento de busca, pode pesquisar nas centenas de páginas maçantes e confusas, qualquer termo, expressão ou passagem. Marx usa o termo tecnologia poucas vezes. Creio que o uso dessa expressão na frase inventada foi um erro dos criadores da farsa. Deu menos credibilidade e despertou desconfiança. Fora isso, não há nada no livro parecido com tal previsão. Que Marx achava que o capitalismo iria inexoravelmente ruir, todos sabem. Aliás, os marxistas vivem desde então cantando o fim do capitalismo em cada nova crise, apenas para verem seus sonhos macabros virarem pó uma vez mais. Mas Marx nunca chegou perto de fazer uma profecia tão certeira como essa inventada.

Mas os marxistas contaram com dois fatores que jogam a seu favor: a preguiça ou falta de tempo dos leitores; e a vontade de acreditar. Nem todos têm saco ou tempo para verificar se cada frase que recebem por email é mesmo verídica. A internet tem esse risco: propaga muita mentira. Além disso, muitos sentem uma incrível necessidade de crer no marxismo, no fim do capitalismo, num “mundo melhor possível”. A utopia socialista, que quando tentam implantar na prática vira um inferno, conquista muitos adeptos. A teoria de exploração do capital, por exemplo, é um bode expiatório perfeito para quem deseja jogar a culpa de seus fracassos nos outros. Segundo Böhm-Bawerk, “as massas não buscam a reflexão crítica: simplesmente, seguem suas próprias emoções”. Acreditam na teoria marxista sobre juros porque a teoria lhes agrada. O economista conclui: “Acreditariam nela mesmo que sua fundamentação fosse ainda pior do que é”.

Mas para a infelicidade dos marxistas mitomaníacos, existem alguns “neoliberais” chatos, com essa mania absurda de checar os fatos. E eis que a máscara caiu uma vez mais! Os marxistas terão que conviver com o desagradável fato de que seu “profeta” não acertou dessa vez, nem em qualquer outra. O marxismo é mesmo uma seita calcada em dogmas*. Basta aplicar a lógica para derrubar todos os mitos que ainda sustentam, não obstante tantos erros, o marxismo. Ao menos na América Latina, onde a idolatria ao fracasso tem um passado impressionante, e um futuro bastante promissor...

* O economista austríaco Schumpeter chamou o seu primeiro capítulo de Capitalismo, Socialismo e Democracia de “Marx, O Profeta”. Eis o que ele escreve logo no começo:

"Em certo e importante sentido, o marxismo é uma religião. Em primeiro lugar, proporciona, ao crente, um sistema de fins últimos que envolvem o significado da vida e constituem critérios absolutos para o julgamento de acontecimentos e ações. Em segundo lugar, apresenta um guia para tais fins, guia que implica um plano de salvação e a indicação dos males dos quais a humanidade, ou parte escolhida, será salva. Podemos acrescentar: o socialismo marxista pertence ao subgrupo que promete o paraíso neste lado do mundo".

Estou de pleno acordo. A seita marxista vende a promessa de paraíso terrestre, a salvação para a humanidade. E muitos acreditam nisso apenas porque desejam acreditar. É a necessidade dos crentes, não sua reflexão lógica, que aproxima tantos latino-americanos alienados do marxismo. E ao contrário da frase atribuída a Marx, essa de Schumpeter é verdadeira. Quem quiser, pode checar. Os “neoliberais” deixam essa tática pérfida de mentir compulsivamente para os marxistas mesmo...

por Rodrigo Constantino

Sobre Punições e Punições

Um leitor do blog, chamado Douglas, enviou um comentário - um questionamento, na verdade - querendo saber o que eu tenho contra a punição dos torturadores da ditadura. Diz ele:

"Posso saber o que o senhor tem contra a punição dos torturadores da ditadura. Cosideras que deve prevalecer uma anistia (impura) que oculta a violência sofrida pelo país?"

Já escrevi muitas considerações a respeito do tema. Quem quer que procure um pouco mais vai encontrar os dados nos verdadeiros livros de História - aqueles que não foram reformados pelos esquerdistas para encobrir suas trapaças para implantar uma ditadura pior do que aquela que tivemos aqui! Há uma série de posts com os marcadores Anistia e Revanchismo que falam sobre isso e expressam minhas opiniões - e conhecimentos.

Mas vamos lá. Nunca é demais repetir, principalmente quando fala-se a Verdade - diferentemente dos esquerdistas que adoram que suas mentiras, muitas vezes repetidas, tornem-se verdades.

Em primeiro lugar, devemos entender o que é a Anistia. A palavra, que vem do grego e significa "esquecimento"; é entendida juridicamente como sendo um ato de benemerência do poder soberano - e, por isso, eminentemente político - que "elimina o caráter criminoso, suprimin­do-se apropria infração. Por ela, ainda mais, além de se extinguir o próprio delito, se repõem as coisas no mesmo estado em que estariam, se a infração nunca se tivesse cometido" (Ruy Barbosa).

Sendo, pois, um esquecimento com o caráter de perdão total, e ter sido a nossa Lei da Anistia promulgada como "ampla, geral e irrestrita" - sendo, portanto, juridicamente irrevogável - não há mais como falar em punição dos torturadores, pois que a lei fala em perdão dos crimes políticos ocorridos à época. E embora a tortura tenha sido um método supra-Estado, também o foi o terrorismo que era usado pelos esquerdistas.

Assim, novamente, tendo todos os atos de violência política - como o terrorismo e a tortura - sido amplamente perdoados, não há mais que se falar em punição destes ou daqueles.

Porém, se houver esta revisão da Lei, revogando-se-a, é evidente que haverá punições. E não sou, de forma alguma, contra tais punições - desde que, lembrando-se que se perdoaram os atos de ambos os lados, sejam punidos ambos os lados que existiram durante regime discricionário conhecido como ditadura militar.

Isto porque, já muitas vezes discutido, tanto o terrorismo quanto a tortura SÃO CRIMES INAFIANÇÁVEIS E IMPRESCRITÍVEIS! E, lembrando a História, a tortura, como método de "persuasão" ou punição supra-Estado, somente existiu por causa do terrorismo promovido pelos militantes de partidos e organizações de esquerda, que queriam implatar um ditadura pior do que aquela que aqui ocorreu: uma ditadura semelhante à de Mao, de Pol Pot, de Fidel, que sempre enviou à prisão (e no mais das vezes à morte sumária, sem qualquer direito de defesa) qualquer um que simplesmente discorde da política do Estado - prisão onde os indivíduos são torturados de tal forma que fazem os nosso torturadores parecerem crianças brincando com armas de brinquedo.

Assim, se a Lei da Anistia "oculta a violência sofrida pelo país", é porque ela perdoou ambos os lados. E se as pessoas vivem recordando-se desta "violência oculta" é apenas e tão somente porque os maiores beneficiados pela Lei - os que cometeram atos terroristas, assaltos, expropriações, assassinatos, seqüestros etc. em nome de uma causa política - vivam para promover o revanchismo contra os torturadores da época, advogando um humanismo abjeto que serve para punir os torturadores, mas não os terroristas.

Hoje, aqueles que representavam e defendiam o Estado e a Lei foram transformados em vilões e comparados a nazistas, enquanto que os terroristas da época, estuprando a História ao mentir que lutaram pela restauração da democracia, são tidos como heróis - e muitos deles são vereadores, deputados, senadores e até ministros! - e, em sua grande maioria, fazem-se de vítima, mais uma vez mentindo, como é característica intrínseca dos indivíduos que partilham os ideais esquerdistas, pretendendo que o horror da tortura é mais condenável do que o horror do terrorismo!

Um torturador que submeteu um terrorista a sevícias não nos livrou do comunismo - e ainda corrompeu a luta de quem a ele se opunha com dignidade. Mas e o coronel da PM que teve a cabeça esmagada a coronhadas por esquerdistas? E o soldado que morreu vítima da explosão de um carro carregado de dinamite? E o atentado a bomba feito ao Aeroporto Internacional dos Guararapes? E o assasinato do capitão Rodney Chandler, a sangue-frio, diante de sua mulher e seu filho de 4 anos? Foram "equívocos", como disse certa vez o ex-terrorista, e hoje Ministro da Justiça, Tarso Genro? São "atos revolucionários"?

Estes esquerdistas, hoje muito bem pagos com indenizações milionárias, nunca se opuseram à tortura nos estados comunistas. E, veja que curioso, jamais criticaram o regime cubano pela tortura de presos políticos - os chamados "presos de consciência". Pior do que isso: aplaudiram Fidel Castro quando executou três prisioneiros sem direito de defesa. Crime: tentaram fugir de Cuba.

Isso justifica moralmente os torturadores do regime militar? Não! Mas o país encontrou um caminho: a Lei da Anistia, que decidiu ignorar os execráveis excessos de todos os porões: os do regime e os das esquerdas. Se a Lei da Anistia é, como você disse, "impura" é porque foi uma escolha política que, inicialmente, de fato, foi negociada por um Congresso ainda não plenamente livre. Mas, depois, na prática, foi adotada pela sociedade e, de fato, no que concerne à política, pacificou o país.

É esta paz política que se quer abalar. E uma vez abalada, toda a estrutura democrática - que está, cada vez mais, por um fio - pode começar a ruir.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Um Desabafo Cívico

Quem (...) matou a pau foi o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE). Em entrevista à revista VEJA desta semana, o senador pernambucano e ex-governador de Pernambuco desceu o malho em seu próprio partido, o PMDB, classificando-o de corrupto. Entre outras verdades, Jarbas afirmou que a eleição de seu colega José Sarney para a presidência do Senado é um retrocesso e que Renan Calheiros, que atualmente preside a legenda, não tem condições éticas de presidir partido nenhum. Ataca duramente o governo Lula e termina denunciando, meio desesperançoso, o clientelismo e a mediocrização geral da política brasielira. Uma verdadeira paulada.

Não tenho o hábito de elogiar políticos. Mas abro aqui uma exceção. A entrevista do senador Jarbas Vasconcelos para a VEJA entrará para a História como um momento de rara honestidade e lucidez na política brasileira. Um verdadeiro desabafo, de um político e parlamentar pertencente à outra época, em que a política era algo mais do que um simples jogo de interesses para conseguir cargos e benesses, não importa de que governo. Minhas passagens favoritas são as seguintes:

A favor do governo Lula há o fato de o país ter voltado a crescer e os indicadores sociais terem melhorado.
O grande mérito de Lula foi não ter mexido na economia. Mas foi só. O país não tem infraestrutura, as estradas são ruins, os aeroportos acanhados, os portos estão estrangulados, o setor elétrico vem se arrastando. A política externa do governo é outra piada de mau gosto. Um governo que deixou a ética de lado, que não fez as reformas nem fez nada pela infraestrutura agora tem como bandeira o PAC, que é um amontoado de projetos velhos reunidos em um pacote eleitoreiro. É um governo medíocre. E o mais grave é que essa mediocridade contamina vários setores do país. Não é à toa que o Senado e a Câmara estão piores. Lula não é o único responsável, mas é óbvio que a mediocridade do governo dele leva a isso.

Mas esse presidente que o senhor aponta como medíocre é recordista de popularidade.
Em seu estado, Pernambuco, o presidente beira os 100% de aprovação. O marketing e o assistencialismo de Lula conseguem mexer com o país inteiro. Imagine isso no Nordeste, que é a região mais pobre. Imagine em Pernambuco, que é a terra dele. Ele fez essa opção clara pelo assistencialismo para milhões de famílias, o que é uma chave para a popularidade em um país pobre. O Bolsa Família é o maior programa oficial de compra de votos do mundo.
O senhor não acha que o Bolsa Família tem virtudes? Há um benefício imediato e uma consequência futura nefasta, pois o programa não tem compromisso com a educação, com a qualificação, com a formação de quadros para o trabalho. Em algumas regiões de Pernambuco, como a Zona da Mata e o agreste, já há uma grande carência de mão-de-obra. Famílias com dois ou três beneficiados pelo programa deixam o trabalho de lado, preferem viver de assistencialismo. Há um restaurante que eu frequento há mais de trinta anos no bairro de Brasília Teimosa, no Recife. Na semana passada cheguei lá e não encontrei o garçom que sempre me atendeu. Perguntei ao gerente e descobri que ele conseguiu uma bolsa para ele e outra para o filho e desistiu de trabalhar. Esse é um retrato do Bolsa Família. A situação imediata do nordestino melhorou, mas a miséria social permanece.

A oposição está acuada pela popularidade de Lula?
Eu fui oposição ao governo militar como deputado e me lembro de que o general Médici também era endeusado no Nordeste. Se Lula criou o Bolsa Família, naquela época havia o Funrural, que tinha o mesmo efeito. Mas ninguém desistiu de combater a ditadura por isso. A popularidade de Lula não deveria ser motivo para a extinção da oposição. Temos aqui trinta senadores contrários ao governo. Sempre defendi que cada um de nós fiscalizasse um setor importante do governo. Olhasse com lupa o Banco do Brasil, o PAC, a Petrobras, as licitações, o Bolsa Família, as pajelanças e bondades do governo. Mas ninguém faz nada. Na única vez em que nos organizamos, derrotamos a CPMF. Não é uma batalha perdida, mas a oposição precisa ser mais efetiva. Há um diagnóstico claro de que o governo é medíocre e está comprometendo nosso futuro. A oposição tem de mostrar isso à população.

Como não poderia deixar de ser, os caciques do PMDB e o governo Lula, auxiliados por seus porta-vozes na imprensa dita "imparcial", já começaram a campanha de difamação contra Jarbas. Mal saiu a entrevista, e começou-se a cobrar do senador pernambucano provas do que disse. Como assim, "provas"? Leiam de novo o que está aí em cima, principalmente sobre a mediocridade do governo Lula e o enorme embuste eleitoreiro que é o Bolsa-Família. Isso precisa de provas? Trata-se de uma realidade evidente por si mesma, não há necessidade de provas. Ah, querem nomes? Jarbas denuncia práticas, mas se quiserem nomes, basta lembrar o noticiário nos últimos dez ou quinze anos. É curioso como Collor foi derrubado sem que se apresentasse nenhuma prova concreta contra ele. Foi, inclusive, absolvido pelo STF alguns anos depois. Quando se trata do governo Lula e de seus aliados, porém, a escrita é diferente. Por quê?

Na impossibilidade de refutar o que diz Jarbas, a petralhada de todos os partidos agora está dizendo também que ele só resolveu falar porque está armando alguma jogada. Estaria preparando seu caminho para desligar-se do PMDB e "tucanar", de olho na candidatura à vice-presidência numa eventual chapa com o PSDB de José Serra em 2010. É, pode ser. E daí? Isso por acaso diminui o peso de suas declarações? Na verdade, tais ilações não passam de uma manobra para desviar a atenção e evitar o debate, reduzindo tudo à velha política miúda de sempre, a mesma prática denunciada por Jarbas na entrevista. Jarbas é um dissidente. E dissidentes não costumam ser perdoados pelos medíocres e conformistas.

É raríssimo ver um político, ainda mais de um partido governista, abrir o jogo e chamar as coisas pelo nome. Por isso a entrevista de Jarbas Vasconcelos é tão importante. É um marco. Um verdadeiro desabafo cívico.

por Gustavo Bezerra, no Blog do Contra

O Lula da Paz e o PT da Sabotagem

Ontem, numa escola técnica em Planaltina, no Distrito Federal, Lula procurou exercitar aquele sotaque de estadista que costuma atacá-lo quando na presença de algum oposicionista — no caso, o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, do DEM. E então se ouviu a voz do desapego, da tolerância, da convivência dos opostos. Para lembrar um poeta, Aquiles encontrava Heitor, Saul fazia as pazes do Davi...

Leiamos uma vez mais as palavras do Pacificador:
O que eu espero que aconteça no Brasil? Possivelmente, eu não veja isso na minha geração, mas se daqui para a frente, os governantes que vierem a governar o Brasil e as cidades esquecerem que as divergências políticas acontecem até o dia da eleição, terminou a eleição, alguém ganhou e alguém perdeu. Quem perdeu e quem ganhou têm a responsabilidade de trabalhar para que o País dê um salto de qualidade. Hoje, o que acontece? Eu sou de um partido, o Arruda é de outro, o Serra é de outro, o Eduardo Campos, de Pernambuco, é de outro. Se a gente não assumir a responsabilidade de que a gente tem a vida inteira para brigar, que temos apenas quatro anos para governar, e que a gente tem que governar junto, quem perde é a sociedade.

Uma coisa, sobretudo, para formar politicamente a nova juventude, uma coisa importante. O Arruda pertence a um partido e eu pertenço a outro, agora ele é governador e eu sou presidente. Se eu colocar isso na minha cabeça, que o Arruda pertence a um partido que não é o meu e, portanto, eu não vou passar dinheiro para ele, não vou ajudar, quem é que perde? Não é ele que perde. Quem perde são os moradores de Brasília. Da mesma forma que se eu pedir para o Arruda fazer um projeto para fazer um investimento aqui, meio a meio, o que acontece? Se ele tiver má vontade e falar: “Eu não vou fazer, porque eu não vou permitir que esse tal de Lula entre em Brasília”. Quem é que perde? É o Lula? Não. Quem perde é o povo de Brasília.

No entanto...
Esse é o Lula da situação. Mas ele também já foi oposição — aliás, a sua experiência nesse terreno é muito maior. E não houve, naqueles tempos, uma só proposta de sucessivos governos que o PT não tenha sabotado de maneira determinada, deliberada, sistemática, organizada. FHC, mais do que qualquer outro político, sabe bem o que é isso. Por incrível que pareça, no seu caso, a sabotagem sobreviveu ao fim do seu mandato. Lula foi relativamente bem-sucedido na estratégia de apagamento das virtudes daquela gestão, extremando as suas falhas. Na propaganda que o governo fez, em inglês, numa revista estrangeira — a Foreign Affairs —, reconhece-se a “Mr. Cardoso” o mérito da estabilidade da economia. Em solo pátrio, até hoje, Lula fala na “herança maldita”. Recente documento do PT faz o PSDB e o DEM co-responsáveis pela crise mundial porque seriam, pasmem!, “neoliberais”, a exemplo daqueles que teriam provocado o desastre.

“Ah, Reinaldo, por que lembrar essas coisas se, agora, Lula faz a política da mão estendida?” Porque essa conversa é mera parolagem de palanque. No próximo evento, financiado com dinheiro público, para alavancar Dilma Rousseff, ouviremos, de novo, a mesma ladainha do “nunca antes nestepaiz”. Mais uma vez, vai demonizar os adversários, traidores contumazes do povo... Chefe inconteste do PT, vai liberar essa verdadeira máquina de manchar e lavar reputações para, se possível, eliminar os adversários.

No dia 10 deste mês, o diretório nacional do PT divulgou uma resolução sobre a crise mundial, exaltando, claro, as medidas do governo federal. Num determinado trecho, lê-se: “Onde somos oposição, é preciso enfrentar as medidas conservadoras adotadas por governos como os de Yeda Crusius, José Serra e Aécio Neves. Neste sentido, o PT deve estar na linha de frente de toda a mobilização social contra as tentativas de governos e empresários que busquem fazer os trabalhadores pagar a conta da crise.” SIM, O PT SEMPRE ESTÁ NA LINHA DE FRENTE. Como esquecer, por exemplo, que o partido apoiou, em São Paulo, uma greve armada de policiais civis, comandada por uma miríade de sindicatos, alguns deles ligados ao partido?

Serra lançou um pacote de medidas de combate à crise. As oposições, até agora, não têm uma comissão ou coisa que o valha para avaliar as obra do tal PAC — sem dúvida, a maior de todas as mistificações do lulismo. Pois bem: em São Paulo, viu-se algo diferente. Nem bem o governador havia anunciado as medidas, os petistas começaram a desqualificá-las. E encontraram eco na imprensa. Quem dá pinta em jornal elogiando o Babalorixá ou livrando a sua cara de responsabilidades — como fizeram Aécio e Serra — é tucano. Lula, a exemplo do que fez no Distrito Federal, gosta é de elogiar a si mesmo.

Servidores e Yeda
Leiam o que vai no site do PT:
Servidores fazem manifestação contra o governo Serra na quarta (18)
Os servidores públicos de São Paulo realizam manifestação na próxima quarta-feira (18), às 14 horas, em frente à Secretaria Estadual de Gestão Pública, às 14h, na rua Bela Cintra, 847, em defesa da abertura de negociação e respeito à data-base da categoria. Em entrevista ao Portal do Mundo do Trabalho, o secretário geral da CUT-SP, Adi dos Santos Lima, destaca a importância da unidade e da mobilização dos trabalhadores do setor público e privado, do campo e da cidade, para a derrota da política de Estado mínimo aplicada pelo governador José Serra.

No Rio Grande do Sul, a governadora Yeda Crusius, também tucana, foi vítima de uma boçalidade inédita. Sindicatos de servidores espalharam 300 outdoors estado afora em que a sua imagem aparece ao lado de frases como “Essa é a face da destruição do RS”. A Justiça determinou que a foto fosse coberta, mas as peças publicitárias continuam. Quem lidera a estupidez é o Cpers (sindicato dos professores), ligado à CUT. Sua presidente, Rejane de Oliveira, é filiada ao PT. Nota: Yeda pegou o estado quebrado e conseguiu colocá-lo no azul em dois anos.

De novo, a fala
Por que Lula não diz a seus tontos-maCUTs o que segue?
Quem perdeu e quem ganhou têm a responsabilidade de trabalhar para que o País dê um salto de qualidade. Hoje, o que acontece? Eu sou de um partido, o Arruda é de outro, o Serra é de outro, o Eduardo Campos, de Pernambuco, é de outro. Se a gente não assumir a responsabilidade de que a gente tem a vida inteira para brigar, que temos apenas quatro anos para governar, e que a gente tem que governar junto, quem perde é a sociedade.

Não! Isso não vale para eles. Lula quer — e, em muitos casos, consegue — é a leniência da oposição com os desmandos do petismo. Os petistas, por sua vez, não hesitam um segundo em levar para a lama a reputação dos adversários. E que se dane a população. Se preciso, promovem e apóiam greve armada de policiais; se preciso, sabotam o programa de qualificação de professores em São Paulo; se preciso, tentam destruir a reputação da governadora que salvou as finanças do Rio Grande do Sul. Governos não-petistas têm de ser destruídos.

Sabem o que vale aquela fala de palanque de Lula? Nada! Na relação com as oposições, o verdadeiro PT é aquele que tentará promover arruaça hoje em São Paulo. Afinal, Serra conseguiu umas parcas notícias positivas com o pacote anticrise e a elevação do piso salarial no estado. E isso é certamente inaceitável. É preciso combatê-lo. Nem que seja com a sabotagem.

por Reinaldo Azevedo

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Onde Está a Justiça Eleitoral?

Depois de reagir, com veemência (apontando nossa pequenez), quando a imprensa se referiu ao óbvio objetivo eleitoral de seu "pacote de bondades" anunciado no grande Encontro Nacional de Prefeitos e Prefeitas que promoveu em Brasília, o presidente reconheceu - e confessou - que estávamos falando a verdade. E nos dias seguintes, nas visitas que fez a cidades de Pernambuco, já nem tentou disfarçar que o que fazia era o que sempre fez e gostou mais de fazer: campanha eleitoral mesmo, desbragada, em favor da ministra que pretende entronizar como sua sucessora, Dilma Rousseff.

Durante a visita ao município de Escada (PE), sob o pretexto de inspecionar as obras de duplicação da BR-101, o presidente voltou a rasgar elogios à "mãe do PAC", a quem atribuiu "a responsabilidade pelo sonho da duplicação tornar-se realidade". (Quer dizer, sem a ministra não duplicaria.) Horas antes, em Salgueiro (PE), no lançamento da obra de extensão da Ferrovia Transnordestina, o presidente fora mais cauteloso e, embora tenha vestido a camisa do time da região, o Carcará do Sertão, deixou para dois ministros - Geddel Vieira Lima, da Integração Nacional, e Alfredo Nascimento, dos Transportes - a incumbência de promover sua candidata. No discurso os ministros destacaram a "ternura" e o "carinho de mãe" da ministra com a obra do PAC cuja pedra fundamental estava inaugurando - o que não se coadunaria bem com seu papel passado de ex-guerrilheira, a não ser que se tome ao pé da letra a frase de Che "hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás".

Mas forçoso é admitir que a ministra Dilma, em que pese sua inexperiência em campanhas eleitorais, vai se mostrando cada vez mais à vontade ao posar para fotos e dar autógrafos, festejar o encontro com crianças - dispensadas das aulas para encontrá-la -, estimular a emoção regional com promessas locais de governo e tudo o mais que compõe a cena tradicional das campanhas políticas caboclas. Sua disposição para isso é tanta que depois dos comícios de Escada e Salgueiro, na quinta-feira, a candidata voou para São Leopoldo no Rio Grande do Sul, onde sexta-feira de manhã acionou uma máquina de perfuração no futuro canteiro de obras da extensão da linha do trem metropolitano, que será prolongada até Novo Hamburgo, onde Dilma também esteve, depois, para visitar o futuro ponto final do trem. Há, porém, um detalhe nessa euforia sucessória precipitada pelo presidente Lula: essa campanha é ilegal, porque ainda estamos bem longe do período eleitoral do ano que vem. O presidente da República está desrespeitando a legislação eleitoral.

Não foi sem razão, pois, que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso abordou essa anomalia, exigindo de seu partido uma reação política - tal como a antecipação da escolha do candidato tucano à Presidência. Por sua vez, o partido Democratas (DEM) se dispõe a atuar, junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), pedindo auditoria nos gastos do governo federal com o encontro, em Brasília, que reuniu 3.500 prefeitos e custou R$ 253 mil à Presidência da República. Na próxima semana DEM e PSDB entrarão com ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com pedido de providências contra o que consideram autopromoção e propaganda ilegal.

Na verdade, o DEM já vinha discutindo a possibilidade de entrar com uma ação por causa das viagens de Lula e Dilma para divulgação do PAC. A realização do encontro em que o presidente anunciou uma série de benefícios para prefeitos de todo o País desencadeou a decisão dos dirigentes partidários. "Entendemos que o abuso desta semana se tornou insuportável. Vamos entrar com ação no TSE para questionar essa conduta. O presidente Lula já mostrou que não tem apreço pelas leis", disse o presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia.

"O governo está promovendo um festival de inaugurações, não de obras feitas, mas de pedras fundamentais. Há um esforço óbvio de divulgação da ministra Dilma não pelo que está sendo feito, mas pelas promessas. Pouco importa se a obra está no início ou no meio, o que importa é a foto. Hoje o PAC é só uma campanha eleitoral feita com dinheiro público", sintetizou o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra.

Restaria, então, a indagação elementar: por onde anda a Justiça Eleitoral?

Opinião d'O Estado de São Paulo

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009


Coisa de Preto

O Senado logo retomará o debate do projeto de lei de cotas raciais nas universidades e escolas técnicas federais, que pode tornar-se a primeira lei racial da nossa história. Diferentes pesquisas evidenciam que ampla maioria dos brasileiros, de todas as cores, rejeita a introdução da raça na lei. Mas o projeto, que passou na Câmara dos Deputados sem voto em plenário, por acordo de lideranças, tem grandes possibilidades de ser aprovado no Senado. Como explicar o paradoxo que faz a maioria parlamentar deliberar contra a vontade da maioria dos eleitores?

Há, antes de tudo, um desvio que não é exclusivo de nosso sistema político. Os parlamentares temem contrariar os grupos de pressão organizados mais do que temem frustrar as expectativas da maioria desorganizada. Corporações, movimentos sociais e ONGs atuam como máquinas eleitorais, impulsionando ou destruindo candidaturas. Os interesses da maioria, por sua natureza difusa, podem ser contrariados com menor risco. Se o Estado brasileiro criar, oficialmente, castas de cidadãos separadas pela cor da pele, isso será um triunfo das ONGs racialistas e uma derrota da vontade popular.

Não existe no Brasil um "movimento negro" em nenhum sentido legítimo da palavra. As ONGs racialistas quase nada representam, além dos interesses e ideologias de seus próprios ativistas. Mas elas recebem, todos os anos, milhões de dólares da Fundação Ford e se incrustaram no interior do Estado, dispondo do aparelho de uma secretaria especial da Presidência e do controle de postos-chave nos Ministérios da Educação e da Saúde. Os dirigentes de tais grupos formam uma elite adventícia, estruturada em redes nas universidades e instituições internacionais, que se reclamam porta-vozes de uma "raça". Eles usarão o termo "racista" como insulto destinado a marcar a ferro todos os que insistem em defender o princípio da igualdade perante a lei. Eis o que temem deputados e senadores.

A ciência a serviço da expansão imperial europeia inventou a raça no século 19. A ciência do pós-Guerra a desinventou, provando que a cor da pele é uma adaptação evolutiva superficial a níveis diferentes de exposição à luz solar. Mas a questão de saber se a raça existe não pode ser solucionada em definitivo pelos cientistas, pois o Estado tem o poder de fabricar raças na esfera política. Nos EUA e na África do Sul, leis raciais incutiram na sociedade a noção de que uma fronteira natural divide as pessoas em grupos fechados.

Leis raciais supostamente voltadas para o "bem" não são, sob esse aspecto crucial, diferentes de leis raciais voltadas para o "mal". Umas e outras ensinam às pessoas que seus direitos estão ligados à sua cor da pele - e que seus interesses objetivos solicitam a "solidariedade de raça". A lei que tramita no Senado pouco afetará os mais ricos, mas dividirá os alunos de escolas públicas em dois conjuntos "raciais" com interesses opostos. Na hora em que os filhos dos trabalhadores não puderem mais olhar uns aos outros como irmãos e colegas, terá emergido um Brasil diferente daquele que conhecemos. Mas a nossa elite política não vislumbra esse risco, pois interpreta a Nação pelas lentes do preconceito de classe.

A maioria dos parlamentares não nutre entusiasmo pelo projeto de cotas raciais, mas está disposta a contribuir com a indiferença para sua aprovação. Eles enxergam as leis raciais como esmolas concedidas aos pedintes, moedinhas inúteis entregues a meninos na rua, um preço quase simbólico que se paga para comprar gratidão. "Coisa de preto" - é assim que, silenciosamente, avaliam os projetos apresentados sob a cínica justificativa de fazer justiça social por intermédio da oficialização da raça. Mas não se trata, a rigor, de preconceito racial: o "preto", no caso, funciona como sinônimo de pobre, na mais pura tradição senhorial brasileira. Juntamente com o temor dos grupos de interesse, as leis de raça beneficiam-se dessa aversão benevolente ao princípio da igualdade.

Há mais de um ano foi aprovado em comissão um projeto de lei, de autoria do senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que determina a implantação de tempo integral nas escolas públicas de ensino fundamental. Mas a maioria governista não permite que o projeto siga para votação, alegando que custaria cerca de R$ 20 bilhões anuais, pouco menos que o dobro do Bolsa-Família. Parece muito, mas representaria apenas 1,6% do Orçamento da União - algo como um aumento inferior a 15% nos repasses federais para Estados e municípios. É um valor relevante, porém perfeitamente viável se a deflagração de uma revolução qualitativa no ensino público figurasse, de fato, como prioridade nacional. Entretanto, nossa elite política parece preferir enfeitar com cotas raciais a ordem iníqua que relega a maioria dos jovens, de todas as cores, a escolas arruinadas.

O antropólogo Kabengele Munanga, um arauto das políticas de raça, justificou do seguinte modo a necessidade das cotas raciais: "Muitos acham que o caminho para corrigir as desigualdades sociais seria uma política universalista, baseada na melhoria da escola pública, o que tornaria todos os cidadãos brasileiros capazes de competir. Mas isso é um discurso para manter o status quo, porque enquanto se diz isso nada é feito." A afirmação é uma esfinge que pede para ser decifrada. Munanga sugere ser favorável à política universalista de "melhoria da escola pública", mas, simultaneamente, qualifica tal demanda como "um discurso para manter o status quo", pois na prática "nada é feito". Então, utilizando-se de uma perversão lógica, não reivindica que se faça a "política universalista", mas a sua substituição por uma política diferencialista destinada a distribuir direitos segundo a cor da pele. É que no Congresso, enquanto ele diz isso, os parlamentares que compartilham sua ideologia racialista ajudam a bloquear o projeto universalista do tempo integral.

por Demétrio Magnoli

Lula e a Internacional Socialista

Lula prepara sua candidatura a presidente da Internacional Socialista, meca dos movimentos socialistas. Ao sair do Planalto, essa presidência conferirá a Lula o status de papa socialista, colocando-o em evidência e, de certa forma, ao reparo de ataques rasteiros que enfrenta um ex-presidente qualquer. O PT, que vive diuturnamente imerso em assuntos de poder e política, passaria a ter (com ele no vértice da Internacional) uma consagração sem fronteiras e um eficaz remédio para tratar das sequelas do mensalão e outros escândalos ainda não resolvidos.


Bem por isso, as relações, cada vez mais intensas, apesar de aparentemente estéreis, com os presidentes bolivarianos e socialistas da América Latina aproximam Lula da presidência da prestigiosa entidade. Quem cuida da empreitada "socialista" é Felipe Belisário Wermus, codinome Luis Favre, marido franco-argentino de Marta Suplicy, antigo assessor do ex-primeiro-ministro francês Leonel Jospin, e, ainda amigo do atual presidente dos PSF, François Hollande.


Chegar à presidência da Internacional passa pelos socialistas franceses, talvez os mais ortodoxos e radicais, apesar de artificiais e pouco pragmáticos, da Europa. Favre conhece de perto o ambiente parisiense e a nata socialista desde a década de 90 quando se casou com a fervorosa petista Marília Andrade (herdeira da Andrade Gutierrez). O casal instalado num fabuloso apartamento em Paris era anfitrião de intelectuais, artistas, escritores e figuras socialistas do mundo inteiro. Hospedaram sob seu teto a própria Lurian, filha mais velha de Lula, que trataram com grande atenção, proporcionando-lhe estudos, amparo e cirurgias plásticas.


Precisa lembrar dessa época para entender o caso Cesare Battisti. O affair que abala as relações diplomáticas com a Itália tem tudo a ver com Felipe Belisário, mais que com a primeira dama francesa Carla Bruni Sarkozy, como divulgam desinformados colunistas brasileiros. As filigranas dos episódios atestam a ação de Favre desde o dia da prisão do terrorista italiano, interceptado pela PF no calçadão de Copacabana ao término de uma ação conduzida pelos Serviços de Inteligência da França (sob influência de Sarkozy).


Naquele dia, quem conduziu a PF até Battisti foi uma mulher de 55 anos, francesa, que desembarcou poucas horas antes no Rio proveniente de Paris, trazendo consigo 9.400 euros. Ela tentou esconder sua identidade se registrando com o nome de solteira, Lucie Genevieve Oldés. Detida em Copacabana, em pleno calçadão, foi interrogada e liberada de imediato pela PF quando o normal teria sido ficar presa dias, inocente ou culpada que fosse. Na liberação a jato, pesou algo poderoso: a interferência de Favre junto ao Ministério da Justiça. Assim, Lucie Oldés se refugiou na residência carioca da escritora francesa Fred Vargas, hoje líder do Comitê de apoio a Battisti, e ainda a escritora que assina o prefácio do último romance policial do italiano ("Ma Cavale"). Oldés, na realidade, é conhecida como Lucie Abadia, que, botando de novo os pés na França, declarou ao "Le Figaró" não conhecer Battisti e nunca ter falado com ele.


O jornal nota que Abadia mente. Mostra os laços estreitos entre ela, presidente de uma Associação de escritores Noires de Pau (estilo policial praticado por Battisti e Fred Vargas) e o terrorista italiano. No site Noires de Pau, mantido pela Abadia, o italiano é tratado com veneração entre devaneios radicais que chegam a lamentar até a queda do Muro de Berlim (!).


Precisa lembrar que Favre, em Paris, foi dirigente da Quarta Internacional (fundada por Leon Trotsky em 1938) cuja missão era editar livros e opúsculos de inspiração socialista e subversiva.


Agora, dar refúgio e passaporte brasileiro a Cesare Battisti, para o presidente Lula (que ambiciona a presidência da Internacional Socialista) é uma decisão obrigatória e inevitável. Sem esse gesto, perderia a possibilidade de chegar a presidir a Internacional Socialista; com ele, na prática, garantiu o cargo. Favre reafirma sua fama de bem-sucedido condutor de estratégias. Mais uma vez a dele prevaleceu sobre qualquer outra.


por Vittorio Medioli