segunda-feira, 26 de maio de 2008

FARC Não São o Que Vendem

A Juventude Comunista foi a ponte para a entrada nas Farc. Mas a mesma formação política que lhe garantiu ser líder na guerrilha foi determinante para a desilusão ideológica. Demonizado por questionar o financiamento do narcotráfico e a ação contra civis, Alvaro Agudelo, de 34 anos, conta ao JB que chegou perto do fuzilamento e que recebeu representantes do movimento brasileiro dos Sem Terra. Desmobilizado, o militante criou o grupo Mãos pela Paz e frente às constantes ameaças das Farc, é vigiado 24 horas por dois seguranças do Estado.

Como você entrou para as Farc?
– Estava no ensino médio quando entrei para a Juventude Comunista, caldo de cultivo de guerrilheiros para as Farc. Aos 17 anos, estava na Frente Bolivariana 21, uma milícia urbana, que ainda permite uma vida pública. Assim, antes mesmo de poder entrar na faculdade, tive aula de eletrônica, inteligência, logística, comunicação, e aprendi a manejar material bélico e explosivos. No mesmo ano fui capturado. Meses depois, saí e me incorporei às Farc.

E quando se desiludiu?
– Depois de cinco anos na guerrilha, fui tachado de radical porque questionava o narcotráfico como forma de financiamento e a ação bélica contra civis. As Farc não representam o que vendem. Criticam os paramilitares, mas geram milhões de refugiados. As Farc expulsaram muitas pessoas da guerrilha sem razão. Outros foram mortos sem julgamento por serem considerados amorais ou infiltrados. Depois de uma série de discussões, fui demonizado pela intransigência.

Qual era seu cargo?
– Eu e meu irmão éramos líderes da nossa unidade. Um dia, ele foi preso e optou por se desmobilizar. Então, o governo começou a mandar enviados para nos convencer do mesmo. Neste meio tempo, fui julgado por um tribunal revolucionário que queria me condenar a fuzilamento pela deserção do meu irmão. Diante disto e dos benefícios oferecidos pelo governo, optei pela desmobilização. Combinei um ponto de resgate com os enviados e levei mais de 20 subordinados comigo.

Você sofreu represálias?
– Muitas. Tive de ficar um tempo isolado porque tinha gente me vigiando. Minha família vinha me visitar. Depois, enviaram pessoas para vigiá-los. Com o apoio da polícia e do Exército, foram capturados.

Você tinha filho antes de entrar para a guerrilha?
– Deixei um filho de 1 ano e quando voltei encontrei um de 14. No início, o via muito esporadicamente, depois não mais. Como se criou sem a minha presença, hoje não tenho autoridade, é estranho. Mas estamos nos reaproximando.

Algum agente do Estado zela pela sua proteção?
– Ando com dois homens 24 horas por dia. Mas nem todos têm essa possibilidade. Antes tinha medo de cair nas mãos do Estado. Agora, das Farc. Há infiltrados de ONGs, organizações agrárias e comunistas que trabalham para a guerrilha.

Seus crimes foram anulados pelo programa de deserção?
– Eu tinha duas ordens de captura. Uma por rebelião, a qual já fui condenado a 7 anos, e outra por fabricação de explosivo, que estava em curso e foi anulada.

Que trabalhos vocês realizavam na sua unidade?
– Fazíamos de tudo. Recrutamento, tratamento médico, inteligência, extorsão, vigilância da zona de cultivo de papoula e cobrança de impostos de seus cultivadores.

Como é feita a comunicação com os altos mandos?
– Por meio de rádios de muita potência e freqüências clandestinas. Tudo é dito em código.

Há brasileiros entre os seqüestrados?
– Isso não tenho como saber. Mas posso dizer que recebi representantes do movimento brasileiro dos Sem Terra. E gostaria de dizer ao povo brasileiro que não caia na lábia de ditaduras de esquerda apáticas aos problemas sociais.

Como surgiu a idéia de criar o grupo Mãos pela Paz?
– Todos nós sabemos que as Farc não estão interessadas nos prisioneiros da troca humanitária. Se estivessem, libertariam todos os seqüestrados e se lançariam na política. Junto aos detidos, enviamos uma mensagem às Farc dizendo que, se nós éramos o pretexto para travar a troca humanitária, abdicávamos da posição em troca da libertação unilateral dos reféns. Não queremos voltar às filas guerrilheiras. Eu, meu irmão e outros companheiros presos buscamos Liduine para ter respaldo na negociação com o governo.

O programa de reinserção social do governo é eficaz?

– Não o suficiente para evitar que os desmobilizados voltem às armas. Há cada vez mais deles e o governo é incompetente para encontrar soluções. Muitos não sabem ler, nunca tiveram conta bancária e nem conhecem a cidade. O programa foi indolente. E hoje vemos reincidentes criando gangues emergentes.

E a ofensiva militar do governo de Álvaro Uribe?
– Eles realmente conseguiram deslocar as Farc para as montanhas. Muitos territórios foram abandonados. Isto cortou a comunicação interna. Muitos líderes começam a girar como peças soltas, atuam individualmente e desrespeitando as regras de uma hierarquia extremamente verticalizada. Foi meu caso.


No JB Online

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