segunda-feira, 5 de maio de 2008

Brasil não vai tocar no Tratado de Itaipu, diz Itamaraty

O secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, disse nesta segunda-feira, 5, que o Brasil está disposto a conversar sobre a usina hidrelétrica de Itaipu com o Paraguai, seu sócio na empresa, "sem tocar no Tratado" sobre o assunto. Guimarães destacou a importância da construção de uma linha de transmissão entre Itaipu e a capital paraguaia, Assunção, que permitiria àquele país utilizar mais da energia produzida pela usina.
Atualmente, o Brasil usa 95% da energia produzida pela hidrelétrica binacional e o reajuste do preço da energia vendido por Itaipu ao Brasil foi bandeira da campanha do presidente eleito no Paraguai, Fernando Lugo.
Guimarães deu as declarações em curso para diplomatas de todos os países da América do Sul, promovido pela Fundação Alexandre Gusmão, vinculada ao Itamaraty. Durante a apresentação, ele enfatizou a necessidade de integração da América do Sul e, para isso, do reconhecimento de assimetrias entre países, como tamanho de território, população e economia.


por ADRIANA CHIARINI - Agencia Estado, em 05/05/2008

Comento:
Como eu sempre digo, e repito, há uma frase importantíssima dita por Platão: "A punição que os bons sofrem, quando se recusam a tomar parte no governo, é viver sob o governo dos maus. "
Embora todos estejam comentando que o governo não vai abrir mão do contrato de Itaipu, a história recente do país mostra exatamente o contrário: Evo Morales surrupiou nossos (sim, NOSSOS porque nós pagamos pela Petrobrás também) investimentos e o presidente nada fez! Aliás, pelo contrário, elogiou e defendeu a atitude do colega participante do Foro de São Paulo. Em seu notório discurso, no encerramento do Encontro de Governadores da Frente Norte do MercosulBelém-PA, 06 de dezembro de 2007, Lula já dizia: "É por isso que eu nunca vacilei, e estava em época de eleição quando o Evo Morales quis nacionalizar o gás dele e eu disse: 'O gás é do Evo, ele está correto de nacionalizar. O gás é um instrumento, é uma matéria-prima, e é a única coisa que a Bolívia tem'."
E ainda disse mais, logo após: "Quando o presidente Nicanor reclama da relação Brasil-Paraguai, com relação a Itaipu, nós temos que compreender que embora o contrato seja justo e legal, não pode ter uma relação igualitária entre Brasil e Paraguai. O Brasil tem que fazer concessões, porque a economia do Paraguai é muito pequena diante da economia do Brasil. O que vale para eles com importância, para nós muitas vezes não vale nada. O que são 100 milhões para o Brasil? Nada. Para o Paraguai é uma importância extraordinária. E o Brasil precisa ter isso em conta. Os deputados, Rosinha, têm que ter isso em conta, os senadores têm que ter isso em conta."
Viram? O ex-presidente, Nicanor Duarte ainda nem tinha saído do governo - a esta altura, os números do amigo de Foro de São Paulo, Fernando Lugo, já eram imensos - e Lula já falava em "relação igualitária" e que 100 milhões para o Brasil nada são.
Infelizmente, muitas pessoas não conhecem a história de Itaipu - e, com certeza, as esquerdas produzirão algo diferente dos fatos, como sempre -, por isso segue, abaixo, a entrevista com a historiadora Ivone Carletto Lima, professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná e autora de Itaipu, as Faces de um Mega Projeto de Desenvolvimento.

O Verdadeiro Preço de Itaipu
A eleição do bispo licenciado Fernando Lugo, no Paraguai, trouxe à pauta a questão do preço que o Brasil paga pela energia elétrica gerada em Itaipu. É pouco, distante do valor de mercado - e o assunto, no país vizinho, é polêmico. Mas nem sempre foi assim. Há algumas décadas, a polêmica se dava no Brasil. Para os técnicos encarregados de idealizar uma usina hidrelétrica na região de Guaíra, no Paraná, a idéia de incluir o Paraguai no projeto causava horror. O Paraguai não tinha nem tecnologia nem dinheiro. Nada a contribuir. A usina que imaginavam era do Brasil e apenas dele. Aqueles técnicos não se conformavam com aquilo que, lhes parecia, era o hábito do governo brasileiro de ceder a tudo que o Paraguai pedia.
Quem conta é a historiadora Ivone Carletto Lima, professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná e autora de Itaipu, as Faces de um Mega Projeto de Desenvolvimento. Desde que a idéia de erguer a maior hidrelétrica do mundo aproveitando os declives do Rio Paraná começou a ser estudada, o projeto sempre foi brasileiro. Mas o Paraguai pressionou - e muito - diplomaticamente. O ditador Augusto Stroessner chegou a ameaçar guerra. Por fim, arrancou de outro ditador, o general brasileiro Emílio Garrastazu Médici, um acordo que cedia a seu país metade da posse da gigantesca usina.
No tratado, assinado pelos dois presidentes em 1973, o Brasil se comprometia a arcar com os custos. Em troca, sem mais condições, o Paraguai seria sócio. Sua dívida, amortizada num período de 50 anos, não seria paga em dinheiro. A moeda corrente é energia. E esse é o motivo que faz o preço da energia que o Paraguai repassa ao Brasil tão baixo. Está pagando sua dívida nos termos acordados. Hoje, o Paraguai considera que saiu perdendo. À época, a impressão era o contrário. Enquanto paraguaios celebravam o acordo, os brasileiros envolvidos lamentavam.
"Hoje, uma obra como Itaipu não seria construída do jeito que foi", diz a professora. Acordos fechados dentro de gabinetes, a expulsão de 8 mil famílias de suas terras e, talvez, um dos maiores desastres ambientais do século 20 marcam sua história. É a destruição do Salto de Sete Quedas. Apesar do nome, o conjunto de cinco quilômetros era composto por 21 cachoeiras.

Como o Brasil deve reagir ao desejo paraguaio de renegociar o preço da energia vinda de Itaipu?
Certamente os dois países vão criar uma comissão binacional para estudar o caso. Mas devemos ter em mente que, se o governo brasileiro ceder, não é porque o preço é injusto. Baseado no Tratado de Itaipu, assinado por ambos, nada deveria acontecer. Há uma revisão de preço prevista para ocorrer em 2023. Até lá, o Paraguai está pagando sua dívida com o Brasil. Se nos pautarmos pelo contrato que existe, não faz sentido aceitar qualquer mudança. Agora, sabemos que os partidos dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Lugo dividem uma mesma visão ideológica. Talvez por algum laço formal ou informal, o presidente julgue que, politicamente, é interessante rever o contrato.
Que dívida é essa?
Na época da construção da usina, o Paraguai não tinha dinheiro para entrar num condomínio com o Brasil. Foi o Banco do Brasil que emprestou a parte paraguaia da composição do capital inicial de US$ 100 milhões. Ao todo, a obra custou quase US$ 30 bilhões, uma dívida que o Brasil assumiu no exterior e que pagou sozinho. O acordo do Tratado de Itaipu, firmado em 1973, tem uma duração de 50 anos, ao longo dos quais o Paraguai paga sua parte do custo, não em dinheiro, mas por meio da eletricidade excedente que ele remete de volta ao Brasil. O preço que pagamos por essa energia, que de fato é baixo, foi decidido naquela época.
Como foi a negociação?
Itaipu foi um projeto que nasceu técnico, desenvolvido por um grupo de engenheiros brasileiros. Eles não aceitavam a idéia de que a usina fosse dividida com os paraguaios, muito menos que essa propriedade fosse estabelecida na proporção de 50% para cada uma das partes. Houve um esforço muito grande, dos técnicos paraguaios, para convencer o Brasil. Quando contam sua história, os paraguaios ressaltam até hoje essa luta árdua para conseguir tudo o que queriam. Quando se definiu o local da usina ali na região onde ficava o Salto de Sete Quedas, em Guaíra (PR), a opinião dos técnicos brasileiros era de que deveríamos construir a usina sozinhos e pagar royalties pelo uso parcial de águas paraguaias. Pagaríamos em dinheiro ou em energia, mas a usina seria totalmente brasileira. Durante todo o processo de negociação, esses técnicos brasileiros jamais compreenderam a posição do Planalto. E, realmente, quem estuda a história de Itaipu fica com a impressão de que o governo do Brasil cedeu em tudo. O Paraguai não tinha dinheiro para participar da sociedade.
Então o que houve?
A decisão foi política. Precisamos compreender o contexto da época. Só aconteceu porque ambos os países viviam um momento muito especial, que era o auge de suas ditaduras militares, com o general Stroessner lá e Médici aqui. Em Brasília, principalmente após o Ato Institucional nº 5, o poder estava concentrado nas mãos do presidente da República. Nada era debatido no Congresso. As discussões políticas não se davam em público e as decisões não podiam ser questionadas. O Brasil acabou cedendo às reivindicações dos paraguaios. A contrapartida que impôs foi de que essa dívida paraguaia seria amortizada ao longo de 50 anos e seria paga não em dinheiro, mas em energia. Foi o fim de um longo processo histórico de tensão entre os dois países. A idéia de que o Brasil arcaria com o custo total e o Paraguai pagaria em energia elétrica já estava prevista na primeira ata de negociação, assinada pelos dois em 1966.
A decisão final foi bom negócio para o Brasil?
Quando estudei a história desse processo tive uma longa conversa com um dos engenheiros brasileiros responsáveis pela obra, que era, na época, ligado à Escola Superior de Guerra (ESG). Na ESG eles consideravam que a jogada era inteligente. Foi uma maneira de apaziguar o Paraguai, garantir a energia e, ao mesmo tempo, ele disse isso literalmente, "pagar uma dívida histórica com o país vizinho". É uma referência à Guerra do Paraguai. Os militares brasileiros, na época, consideravam que isso também tinha que ser levado em conta.
Quando começaram as tensões?
A idéia de erguer uma grande hidrelétrica na região de Sete Quedas nasceu nos anos 50 dentro da Comissão Econômica para América Latina, a Cepal, que pensava projetos desenvolvimentistas para todo o continente. Getúlio Vargas era presidente. O objetivo era produzir eletricidade o bastante para alimentar o projeto de industrialização do Brasil. Naquela região, além de haver um volume de água muito grande, o Rio Paraná enfrentava um declive de 120 metros que impunha uma alta velocidade à correnteza. O problema é que não havia, no mundo, tecnologia para represar uma água daquelas. Os russos, que nesse tempo tinham a melhor engenharia hidrelétrica do mundo, chegaram a enviar técnicos para o Brasil. Ninguém soube como executar o projeto. Outra dificuldade inicial era que as Sete Quedas ficavam distantes do centro econômico brasileiro, no Sudeste. Não havia como transmitir tanta eletricidade na distância entre o Paraná e São Paulo e Rio. Um dos resultados de Itaipu foi a superação desses desafios que a engenharia brasileira enfrentou. Desenvolveu-se muita tecnologia nova, de ponta. Enquanto o Brasil encontrava tantas dificuldades de ordem prática para o projeto, o Paraguai ficou quieto.
Quando isso mudou?
Por conta de Juscelino Kubitschek ter construído Brasília, logo que assumiu a presidência, Jânio Quadros começou a procurar uma grande obra para marcar seu governo. Foi aí que um engenheiro brasileiro chamado Octavio Marcondes Ferraz apareceu com o primeiro projeto viável para o uso da força de Sete Quedas. Ele desviaria parte das águas do Rio Paraná para um canal à esquerda, em território brasileiro, até uma região chamada Porto Mendes. Essa Usina de Sete Quedas seria a maior hidrelétrica do mundo, totalmente brasileira com, provavelmente, uma capacidade maior de geração de energia do que Itaipu. Um dos objetivos do projeto de Marcondes Ferraz era preservar Sete Quedas, que era de uma beleza fantástica, muito maior do que as Cataratas do Iguaçu. Aí, quando apareceu esse projeto viável, o Paraguai acordou.
Mas Jânio renunciou logo.
Mesmo após a renúncia de Jânio, no governo João Goulart, os estudos continuaram. E foi aumentando a pressão paraguaia, principalmente após o Golpe de 1964. Os militares brasileiros vieram com um discurso muito contundente de defesa das fronteiras. Um dos postos para o qual eles enviaram soldados, em 1965, é a região imediatamente ao norte de Sete Quedas, na divisa seca com o Paraguai. Os protestos do vizinho foram veementes, disseram que houve invasão do território. A discussão diplomática mudou de tom. Diziam que Sete Quedas, na verdade, pertencia ao Paraguai. Stroessner chegou a dizer que seu país derramaria até a última gota de sangue para defender seu território, que ele não permitiria que acontecesse o mesmo que no passado, referindo-se à Guerra do Paraguai. Qual o resultado? Os projetos do Brasil empacaram.
Foi essa pressão que terminou por levar ao acordo da usina binacional de Itaipu?
Exatamente. Chegou-se a criar uma comissão neutra, internacional, para estudar a questão da fronteira entre os dois países. Mas o problema não era esse. Em 1966, os chanceleres de Brasil e Paraguai se reuniram. Os paraguaios exigiam que o Brasil reconhecesse que a região seca, acima de Sete Quedas, estava sob disputa. Isso não foi feito. Mas o Brasil assinou um documento de compromisso garantindo que, se fosse construída uma usina, ela seria em condomínio com o Paraguai. Eles imediatamente pararam de reclamar. Quando se definiu a localização da barragem e seu tamanho, boa parte da área de litígio foi coberta com água. Hoje, é uma região considerada binacional.
O Paraguai poderia invadir Itaipu como a Bolívia invadiu refinarias da Petrobrás?
Impossível. Itaipu é binacional, não fica em território paraguaio. Seria um ato de guerra. Não vai acontecer. E o Paraguai depende da eletricidade produzida pela usina.
A usina seria construída da mesma forma e com o mesmo acordo hoje?
Não. Passamos a levar muito a sério a questão ambiental. O Salto de Sete Quedas seria preservado. Nós sentimos muito sua falta na região. Era uma beleza, cinco quilômetros de extensão e, apesar do nome, 21 quedas diferentes. Também há a questão política. Vivemos numa democracia, nenhum presidente poderia impor seu desejo como ocorreu. Não só houve um acordo internacional que é controverso como o impacto humano foi muito grande. São mais de oito mil processos só do lado brasileiro de desapropriação. As pessoas foram tiradas de terras férteis e, em muitos casos, não conseguiram comprar equivalentes com a indenização. Imagino que, hoje, seriam construídas mais usinas só que de porte menor.


por Pedro Doria, de O Estado de S.Paulo, em 27 de abril de 2008.

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