sexta-feira, 9 de maio de 2008

CLT 2.0

Hoje, 1º de maio, os neopelegos da CUT e da Força Sindical celebram a sua incorporação política e financeira ao aparato estatal. A nova lei sindical (Lei 11.648), sancionada pelo presidente da República, uma maquiagem da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), oferece à casta de sindicalistas das centrais nacionais um oligopólio estável de representação dos trabalhadores. Agora, por força de lei, os trabalhadores sustentarão, além dos dirigentes de sindicatos cartoriais, uma elite adventícia, inamovível, de usurpadores do direito de organização dos assalariados.
Modernidade e arcaísmo se imbricam na história dos sindicatos. Sob o influxo da imigração, o sindicalismo livre emergiu nas cidades do Brasil agroexportador do início do século 20. A integração dos sindicatos ao Estado, uma obra de Getúlio Vargas, funcionou como instrumento de controle social para a arrancada industrial do País. A Lei de Sindicalização, de 1931, criou os sindicatos oficiais, subordinados ao Ministério do Trabalho. A Constituição de 1937, do Estado Novo, proibiu os sindicatos livres. A CLT, parcialmente inspirada pelo corporativismo fascista, foi estabelecida há exatos 65 anos, no 1º de maio de 1943. Nas palavras do ex-metalúrgico Vito Giannotti, estudioso do movimento operário, “o sindicato corporativista foi imposto pela força: o esmagamento prévio da liderança operária combativa. Mas, também, pela cooptação, pela chantagem (...)” (A Liberdade Sindical no Brasil, Brasiliense, 1986, pág. 23).
Na CLT original, o imposto sindical prendia os sindicatos ao Estado, a unicidade sindical assegurava uma “reserva de mercado” aos pelegos e o poder normativo da Justiça do Trabalho sustentava a “paz social”. A CLT 2.0, sancionada por Lula, não toca nesses fundamentos da ordem varguista, mas redistribui os recursos financeiros no interior da casta sindical, premiando as cúpulas das centrais oficializadas. Numa festa de arromba, o presidente-sindicalista entrega um farto butim à horda de antigos colegas que, com ele, iludiram a Nação com a promessa da liberdade sindical. A CUT receberá a maior parte de um tesouro anual de mais de R$ 100 milhões. A parte menor, consagrada à conciliação geral dos neopelegos, será repartida entre a Força Sindical, aparelho a serviço do deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), e duas centrais que operam apenas como balcões de negócios.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é um dos raros remanescentes da ordem do entre-guerras. Criada pela Conferência de Paz de Paris de 1919, sob o pano de fundo das mobilizações operárias que, na Europa e nas Américas, acompanharam a Revolução Russa, ela traduziu no direito internacional as conquistas de meio século de lutas sociais. A Convenção 87 da OIT, adotada em 1948, fixa o princípio da liberdade sindical - isto é, da livre associação sindical e da completa separação entre os sindicatos e o Estado. O Brasil não a ratificou para preservar a CLT. A CUT nasceu em 1983, em ruptura com o sindicalismo oficial, erguendo a bandeira da liberdade dos sindicatos. Agora, seus dirigentes fecham um ciclo histórico, convertendo-a no vértice da pirâmide de sindicatos integrados ao Estado. Mas, como farsantes profissionais, continuam a assinar documentos em defesa da Convenção 87.
A CLT 2.0, assinada pelo ministro Carlos Lupi, um herdeiro direto do varguismo, confere ao Ministério do Trabalho o poder de oficializar centrais sindicais, a partir de critérios legais de “representatividade”. O ato estatal de oficialização propicia às centrais a participação em colegiados tripartites de órgãos públicos, no estilo do corporativismo, e sobretudo transfere a elas 10% de tudo o que é pilhado dos trabalhadores. Mas não permite que as centrais negociem acordos coletivos ou representem os trabalhadores em juízo, prerrogativas que continuam exclusivas dos sindicatos. De acordo com a lei lulista, “representação” significa, essencialmente, o privilégio de rapinar os “representados”. Na CLT lulista persiste o ferrolho da CLT varguista, que é o princípio da unicidade sindical. Contrariando a Convenção 87, esse princípio só admite um sindicato por unidade territorial. O segredo do negócio está na articulação da unicidade com o conceito mágico de “base”, que faz do sindicato único o “representante” do conjunto da categoria e impõe à maioria não-sindicalizada o pagamento de contribuições sindicais. A operação conceitual é uma violação direta da Constituição, na qual está escrito que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”.
Não foi por vergonha ou pudor que Lula e seus neopelegos inscreveram no remendo da CLT a substituição do imposto sindical por uma contribuição negocial, igualmente cobrada na folha de salários de toda a “base” do sindicato. O velho imposto varguista estabelecia uma rapina anual limitada a 3,3% de um salário mensal. O novo imposto lulista, vestido num eufemismo, tem seu valor fixado em assembléia e pode até ultrapassar 13% de um salário mensal. A pilhagem “democrática” transfere um tesouro maior do bolso dos trabalhadores para os cofres de seus saqueadores. Invocando cinicamente a liberdade sindical, e atendendo a um acordo de cavalheiros dos neopelegos com os empresários, um veto presidencial proíbe que o Tribunal de Contas da União fiscalize as contas das centrais e das federações patronais.
Os neopelegos das centrais oficiais, encastelados no vértice da pirâmide sindical, formam uma casta muito mais poderosa que os pelegos originais. Como altos burocratas de Estado, eles participam da gestão dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Como administradores de capital anônimo, gerem os investimentos dos fundos de pensão no mercado financeiro e em empresas privatizadas. Como quadros petistas, o núcleo dessa casta forma uma espinha dorsal da elite dirigente.
Liberdade sindical? Isso é coisa de pobre.

Fonte: www.estadao.com.br - Opinião - Demétrio Magnoli, 01/05/2008

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