O populismo e seus seguidores foram a desgraça da América Latina. Por causa deles as economias nacionais foram implodidas; as instituições e seus fundamentos, destroçados; o tecido social, esgarçado; e os valores, relativizados. Os regimes populistas foram frequentes durante todo o século 20. Despontaram em quase todas as nações e lograram cimentar de vez o enorme fosso econômico existente entre os países de origem latina e os EUA e o Canadá.
Eis que os populistas voltaram. Já estão no poder em países como Venezuela, Equador, Bolívia, Paraguai e Argentina e ameaçam galgá-lo em outras tantas nações.
No Brasil, a tentação populista se faz presente em setores do governo, da imprensa e até mesmo da Justiça. O argumento central dos populistas é o de que tudo o que fazem é em nome do "povo". Julgam-se fiéis intérpretes das vontades e das opiniões do "povo" e, assim, contam com indulgência plenária e prévia para toda sorte de injustiças e desatinos que venham a cometer. O importante, mesmo, é o que pensa o "povo". Vem daí o designativo populismo.
É o caso de perguntar: quem é o "povo"? O que, afinal, pensa ele? Não dá para saber. O povo, na prática, é uma massa multiforme, passional, mutável, em geral desinformada e que não tem uma opinião consensual sobre praticamente nada. Alguns anos atrás foi feita uma enquete nos EUA para descobrir o que era unanimidade por lá. Conclusão: nada. Nem mesmo Deus conseguiu chegar perto, porque mais de 10% dos americanos eram ateus. O índice mais alto, à época, foi concedido às batatas fritas, que alcançaram 93%. Hoje em dia - como se descobriu que a gordura da fritura faz mal à saúde - nem mesmo elas chegariam lá. Ora, se nada e muito menos ninguém alcançam o consenso geral, existem alguns assuntos que se aproximam disso. E é a eles que os populistas se apegam no seu afã de se identificarem com as vontades populares.
Crianças, idosos, deficientes, progresso, povo, pobres, moral: quem pode ser contra tudo isso? Por outro lado, poluição, devastação da Amazônia, inflação, desemprego, recessão, impunidade, corrupção, miséria: quem, afinal, pode ser a favor?
Esses temas - e muitos outros - são fáceis de ser explorados. E, também, de ser distorcidos. Segundo a Lei de Murphy, "para cada um dos problemas do mundo existe uma solução simples, clara e inquestionável. E essa solução é justamente a errada".
O "povo", na cabeça dos populistas, há de ter uma opinião apaixonada sobre cada um dos temas expostos acima. E sempre que surge algum assunto relacionado a eles, automaticamente busca se posicionar. Mas o "povo" quase nunca possui um grau de informação suficiente para julgar.
Assim sendo, antes de tudo o povo não deveria ser bem informado? Os populistas entendem que não. É mais fácil perfilar-se ao lado do "povo" que procurar esclarecê-lo...
Até mesmo a Justiça, no Brasil, foi maculada pelo viés populista. Recentemente, no Supremo Tribunal Federal, dois circunspectos ministros bateram boca em torno da questão. Em razão do linguajar hermético de que se valeram, poucos foram os leigos que entenderam do que se tratava. Um deles era o presidente da Casa. Defendia a tese de que os magistrados devem ater-se exclusivamente ao que dizem os autos e as leis. O outro tem uma visão diferente. Em sua opinião, os juízes devem ouvir as ruas. E julgar de acordo com os clamores populares.
Ora, cá entre nós, se um ministro de tribunal superior deve reduzir-se a ser um mero auscultador da opinião pública, para que, então, existem tribunais superiores? Por que se exige dos seus ministros que estudem, com afinco, o Direito e os seus princípios fundamentais?
Como bem afirma Reinaldo Azevedo, o papel do juiz é o de ensinar tolerância aos intolerantes, e não o de aprender com eles a intolerância. Indo além, se cabe ao juiz atender à sanha justiceira do povo, para que precisarmos de juízes? Bastariam alguns funcionários burocráticos para assinar embaixo e, assim, legitimar os linchamentos.
Mais ainda que os tribunais, é a imprensa que se tem mostrado bastante contaminada pelo vírus populista. Alguns setores dela, em vez de cumprirem seu papel de informar a opinião pública, preferem distorcer as notícias de modo a atender aos baixos instintos do "povo". Um exemplo entre inúmeros outros: publicou-se, em manchetes, que determinado parlamentar havia construído nada menos que um castelo, aqui, no Brasil. A opinião pública, escandalizada com o que entendeu ser um deboche para com as pessoas que pagam impostos, passou a exigir, de imediato, a sua cabeça. O sujeito foi expulso de seu partido e teve de renunciar a todos os cargos que tinha na Câmara dos Deputados. Só não perdeu, por enquanto, o mandato.
Pois bem, somente agora se esclarece que o tal do castelo foi construído antes que seu proprietário ocupasse qualquer cargo público. Ou seja, a obra foi custeada com dinheiro particular do cidadão. E não era apenas para seu deleite. Ele pretendia instalar ali um cassino de luxo, porque se acreditava, à época, que o jogo estava em via de ser legalizado no País. Como isso não ocorreu, o castelo perdeu a serventia e agora está nas mãos de seus filhos.
Esse, dentre tantos, é mais um caso típico de linchamento moral promovido pela imprensa, recentemente. Lembra os tempos do faroeste: enforca-se antes, julga-se depois.
Populismo já nos basta o de nossos governantes. A imprensa e os tribunais devem ficar fora disso.
Tudo isso lembra as frases atribuídas a Danton, um dos principais artífices da Revolução Francesa:
- O povo saiu às ruas! Vou até ele!
- Para ouvi-lo, monsieur?
- Não! Para liderá-lo!
por João Mellão Neto
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