De todas as mentiras, falácias, engodos e falsificações que nos são diuturnamente, há décadas, empurrados goela abaixo pela formidável máquina de propaganda esquerdista ou filo-esquerdista incrustrada em todos os setores da sociedade, uma das mais sórdidas e mais persistentes é, certamente, a de que é o apaziguamento o melhor caminho para lidar com ditaduras. Se a ditadura em questão for a cubana ou a norte-coreana, então essa política assume ares de verdadeiro imperativo moral. Tão entranhada está essa visão míope e distorcida da realidade que a mesma já adquiriu o status de verdadeiro dogma das relações internacionais, a tal ponto que quem tiver a ousadia de contestá-la será imediatamente rotulado de insensato e direitista fanático, entre outros adjetivos do mesmo teor.
Essa mentira grotesca, que nos leva a ignorar exemplos históricos como o da Alemanha hitlerista e o da África do Sul dos tempos do apartheid - exemplos, respectivamente, de tirania totalitária que se consolidou e levou o mundo a uma catástrofe sem precedentes graças à leniência covarde das democracias ocidentais e de regime racista e segregacionista que só caiu devido à política oposta, de firmes pressões e sanções internacionais -, deriva de outra visão igualmente cínica e falaciosa, que melhor pertenceria aos anais da psiquiatria clínica do que da política, e que pode ser classificada como inversão psicótica. Tal patologia mental consiste, como o nome indica, em inverter a realidade, de modo a enxergar conspirações onde estas não existem, e desprezá-las onde elas existem de fato; em transformar inimigos da democracia em defensores da democracia; defensores da liberdade em golpistas; criminosos e assassinos em benfeitores da humanidade; corruptos em vestais da "ética" - e assim por diante, como numa imagem reflexa num espelho. Até que a linha tênue entre realidade e ficção se esfume totalmente, levando todos a esquecerem a noção de verdade e mentira, ignorando fatos elementares da vida como se fossem fantasiosos e vivendo na mentira como se fosse verdade.
O caso de Honduras reflete à perfeição essa patologia política. Lembremos, mais uma vez, o que ocorreu naquele país da América Central. Um presidente, Manuel Zelaya, foi destituído porque queria impor um plebiscito julgado ilegal e inconstitucional pelo Legislativo e pela mais alta Corte do país, violando abertamente o estabelecido no Artigo 239 da Constituição nacional. Foi deposto porque queria, em resumo, rasgar a Carta Magna e destruir a democracia, num rompante de inspiração chavista e bolivariana. É, portanto, um inimigo da democracia, a qual tenciona destruir usando seus próprios mecanismos, tal como fazem sistematicamente, e de maneira coordenada, outros caudilhos e demagogos latino-americanos, como Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa. Pois bem. Como foi chamado pela imprensa o movimento cívico-militar que expulsou Zelaya do poder, em nome da Constituição e da alternância democrática? De "golpe de Estado". E qual a reação da ONU, da OEA, de Barack Hussein Obama e de Lula da Silva? Resposta: condenaram imediatamente o "golpe", não reconheceram o governo provisório, e exigiram o retorno imediato de Zelaya ao poder. Agora, esses santos homens clamam, cheios de indignação, contra o toque de recolher e a censura provisória aos meios de comunicação decretados pelo governo provisório de Honduras - talvez se a censura fosse permanente, como é em Cuba, ou se os "golpistas" de Tegucigalpa resolvessem fechar emissoras de TV oposicionistas, como fez Hugo Chávez na Venezuela, essas medidas mereceriam não reprovação, mas aplauso. E o que a ONU, a OEA, Obama e Lula disseram quando Zelaya tratava de minar a frágil democracia hondurenha e afrontava acintosamente os demais Poderes? Nada. Absolutamente nada.
Vou repetir, para que fique bem claro: o "golpe" que expulsou Zelaya foi desfechado pelo Judiciário e pelo Legislativo, que empossou o novo presidente, Roberto Micheletti, para salvaguardar a Constituição que estava sendo violada pelo chefe do Executivo e preservar as eleições presidenciais de novembro. Zelaya caiu porque queria mudar as regras do jogo e reeleger-se, o que é proibido pela Constituição. ISSO, SIM, É GOLPISMO! Afastar do governo quem tenta rasgar a Lei para perpetuar-se no poder não é golpismo. Mas não foi assim que interpretaram os fatos grande parte da imprensa e Barack Obama. Este, aliás, declarou que o "golpe" em Honduras abria um "perigoso precedente" na América Latina, esquecendo-se de mencionar o não menos perigoso precedente da violação da Constituição pelos bolivarianos. No mesmo (des)caminho seguiu a OEA.
Por falar na OEA, esta tem dado mostras bastante didáticas da inversão psicótica de que falei no começo deste texto. A mesma organização criada em 1948 sob a égide da defesa da democracia representativa como um princípio básico a todos os seus membros ameaça Honduras de expulsão enquanto o golpista Zelaya não for restituído ao poder, onde certamente, caso retorne, tentará violar de novo a Constituição e seguir o roteiro bolivariano. Mas não diz uma palavra sobre a ditadura totalitária comunista dos irmãos Castro em Cuba, onde a última eleição livre ocorreu há mais de meio século. Ou melhor: diz sim, mas a favor, recebendo de volta a tirania castrista de braços abertos (a propósito: a reunião da OEA que decidiu pela suspensão da exclusão de Cuba da organização ocorreu, coincidentemente, em Honduras, e um dos que mais exultaram com a decisão foi - advinhem quem - Manuel Zelaya). E é essa organização que agora fala em "golpe" e pede o restabelecimento do "estado de direito" em Honduras...
Como não poderia deixar de ser, o Apedeuta tratou de dar sua contribuição à inversão psicótica. Dessa vez ele não comparou o sucedido em Honduras a um jogo de futebol, como fez no caso do Irã, mas fez questão de condenar o afastamento do companheiro Zelaya, enxergando "golpismo" numa reação legal e constitucional a um aprendiz de déspota bananeiro e coonestando o golpismo bolivariano. Da Líbia, onde apropriadamente derreteu-se em rapapés a luminares da democracia e da liberdade como Muamar Kadafi e Omar Al-Bashir, nosso Guia Genial e Farol da Sabedoria reforçou o coro dos que condenaram o "golpe". Chegou a defender, inclusive, o isolamento de Honduras, até que Zelaya fosse restituído ao poder. O que levanta uma questão interessante. Lula e seus companheiros bolivarianos saem a público para defender o isolamento de um país supostamente como uma forma de pressionar pela democracia. No entanto, sempre se opuseram a isolar diplomaticamente Cuba em nome do mesmo objetivo. Alegam que isolar a ilha-cárcere em nada contribuiria para sua redemocratização. A questão que daí se depreende é a seguinte: como explicar que a mesma política que foi tida, durante décadas, como ineficaz e contraproducente no caso do totalitarismo cubano seja preconizada, agora, no caso do governo provisório de Honduras? É claro que a resposta está na cara, mas não convém à grande imprensa fazer esta pergunta.
Vale a pena olhar mais de perto essa questão. Em um nível um pouco mais sofisticado, um dos argumentos utilizados pelo Itamaraty lulista é que isolar Cuba - somente Cuba - seria uma forma de violação do princípio sacrossanto da "autodeterminação" da ilha-presídio. Sem mencionar o fato de que a autodeterminação do povo cubano já foi pro brejo há muito tempo (desde que Fidel Castro tomou o poder e instalou uma ditadura comunista, para ser mais exato), o argumento poderia perfeitamente aplicar-se ao caso hondurenho. A maioria da população de Honduras quer ver o golpista Zelaya, cujo índice de apoio não ultrapassa cerca de 30%, pelas costas. O "golpe", portanto, conta com respaldo popular. E, mesmo que não tivesse, trata-se de um assunto interno do povo hondurenho (ao contrário da tirania comunista de Cuba, que constituiu uma ameaça séria aos países vizinhos e quase levou ao fim do mundo num holocausto nuclear em 1962 - quem estuda História sabe do que estou falando). Em Honduras, sim, pode-se falar em autodeterminação e em soberania. Então, por que isolar Honduras seria uma forma de garantir a democracia, e fazer o mesmo com Cuba é um atentado à sua autodeterminação? Gostaria que algum sábio do governo Lula me explicasse essa lógica tão peculiar...
É claro que nada disso importa para a ONU, a OEA, a União Européia, Lula e Barack Obama. Estes reservam sua indignação para o fato de a sociedade hondurenha ter reagido às intenções autoritárias e personalistas de Zelaya, e não ao plano deste de transformar Honduras, com a ajuda de Hugo Chávez, numa nova Venezuela ou numa nova Bolívia.
Quando golpistas de verdade são tidos na conta de democratas respeitáveis e os que tentam opor-se a eles são execrados como gorilas nefastos e militaristas, a ponto de serem unanimemente condenados como tal pela ONU, OEA, União Europeia e pela quase totalidade dos governos latino-americanos, é porque a inversão psicótica atingiu níveis de verdadeira pandemia. Trata-se de um caso em que, infelizmente, o simples debate de ideias e a contra-propaganda não são suficientes para consertar o dano provocado e restaurar a razão, sendo necessário, em casos como esse, uma verdadeira reprogramação neurolinguística. Goebbels ficaria com inveja: nunca, em toda a história da humanidade, a mentira sistemática atingiu, pela simples repetição, tamanhas proporções e apoderou-se de tantos cérebros incautos.
por Gustavo Bezerra, do Blog do Contra
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