A Múmia da Praça Vermelha

O general e historiador Dmitri Volkogonov se tornou conhecido no Brasil pela publicação de sua magnífica biografia de Stálin, que pôde redigir devido a seu acesso amplo ao arquivos soviéticos. Volkogonov foi simplesmente chefe de doutrinação, guerra psicológica e história do Exército Vermelho. À exceção de Lênin, conheceu os outros seis chefes de estado da URSS e trabalhou com eles.

Recentemente, a Nova Fronteira lançou mais um grande livro de Volkogonov, "Os sete chefes do Império soviético", que é leitura obrigatória para todos os que se dispõem a combater o marxismo-leninismo ou tão-somente conhecer a verdade histórica. Trata-se de um perfil bio-historiográfico dos sete chefes do estado soviético, de Lênin a Gorbachov.

Limito-me aqui ao primeiro capítulo, já que, dessa canalha soviética, Lênin é o único que ainda guarda uma aura heróica e mítica, capaz de seduzir a gente ingênua e mal informada. O capítulo dispõe de informações preciosas para contestar e questionar o mito do stalinismo (que não passa do leninismo levado às últimas conseqüências) e a própria "Revolução de Outubro", na verdade um golpe de estado perpetrado em meio à revolução de fevereiro (claro, essa é uma informação já sobejamente conhecida, mas - a bem da verdade - é bom insistir em deixar claro que a propalada revolução bolchevique foi um golpe de estado, da mesma maneira que a esquerda brasileira insiste em chamar a revolução de 1964 de golpe).

Enfim, das revelações feitas por Volkogonov sobre Lênin, nas primeiras quarenta páginas do capítulo, vale a pena destacar a covardia do "herói" revolucionário cuja múmia se venera ainda hoje na Praça Vermelha. Além de comandar boa parte da agitação a partir da Suíça ou de locais na Rússia que lher permitiam evadir-se rapidamente para o estrangeiro, "Lênin sempre evitou riscos físicos para si mesmo.

Quando, nas ruas apinhadas de São Petersburgo em 1906, ouviu-se o grito de 'Cossacos!' e as pessoas dispersaram em todas as direções, Lênin fugiu atabalhoadamente, caiu na sarjeta e perdeu seu chapéu-coco. Soube-se depois que o grito foi um alarme falso".

A covardia é um índice seguro de que o fundador da União Soviética era um sociopata, em nada diferente de Adolf Hitler. Vladimir Ulianov foi um homem capaz de matar (centenas de milhares) por suas idéias, mas não morreria por elas: delegava essa difícil tarefa a seus seguidores e dormia com a consciência tranqüila.

À covardia, soma-se a traição da pátria: "Malgrado algumas lacunas que persistem nas provas, não há dúvida de que o golpe de outubro foi financiado com dinheiro alemão". Os alemães financiaram os bolcheviques pois estes lhes garantiram que a Rússia deixaria os aliados na mão, retirando-se da guerra. Mais do que isso, financiaram porque já haviam delineado um acordo que resultaria no tratado de Brest-Litovsky, altamente lesivo à Rússia e favorável aos alemães.

Para conquistar o poder, Lênin "aceitou ser derrotado por um inimigo que já estava de joelhos diante dos aliados. Não só aceitou a derrota como também concordou em ceder aos alemães um milhão de quilômetros quadrados de território russo e 245,5 toneladas de ouro".

Qualquer semelhança entre a diplomacia de Lênin e a de Lula não é certamente mera coincidência: para tornar-se hegemônico no continente e fortalecer outros governos esquerdopatas latinoamericanos, o governo Lula abriu as pernas para Evo Morales e está tentado a fazer o mesmo diante das investidas de Rafael Correa e Fernando Lugo.

De volta à múmia, a obra de Volkogonov ainda mostra como Lênin não hesitava em esbanjar o dinheiro que "expropriou" da e na Rússia para financiar os revolucionários de outros países da Europa e da Ásia, convicto que estava de que uma revolução bolchevista mundial estava prestes a acontecer - o que, como a História demonstrou, não passava de um delírio megalomaníaco de Lênin.

Finalmente, é importante documentar que o ensaio de Volkogonov ainda registra o surgimento e desenvolvimento do estado policialesco, bem como dos privilégios da nomenklatura. Os agentes da Tcheka eram favorecidos no tocante a alimentação, saúde e moradia, em detrimento da população em geral e até dos soldados rasos do Exército Vermelho.

Porém, mais impressionante e instrutivo do que as revelações históricas de Volkogonov é o testemunho que ele dá ao final do Prólogo de seu livro. É impossível deixar de transcrevê-lo, ainda que abreviadamente:

"Durante muitos anos fui um marxista ortodoxo e só muito tarde na vida, após tortuosa batalha interior, fui capaz de livrar-me da quimera da ideologia bolchevique. Tive enorme alívio e, ao mesmo tempo, um sentimento de profundo desgosto por ter passado tantos anos preso ao cativeiro utópico.

Talvez só o que consegui nesta vida foi abandonar a fé a qual me mantive ligado por tanto tempo [grifo meu]. [...] A desilusão me atingiu pela primeira vez como uma idéia, não como a melancolia de uma ressaca espiritual. Instalou-se, então, a confusão intelectual. Finalmente, a determinação de enfrentar a verdade e de entendê-la.

"Também é impossível não reconhecer nessas belas palavras de Volkonogov o eco de outras belíssimas palavras, estas de Nosso Senhor Jesus Cristo, em sua sabedoria inefável, com a qual têm a aprender mesmo aqueles que não o consideram a segunda pessoa da Santíssima Trindade:

"[...] e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará" (Jo 8,32).

por Tibiriça Ramaglio no Observatório de Piratininga