Lula concedeu ontem uma entrevista de rádio em que afirmou esperar que seu sucessor faça bem mais do que ele. Como se vê, já está preparando a herança maldita do passado bendito. Explico-me. Ele sabe que isso não vai acontecer, pouco importa quem seja "o" ou "a" presidente, porque o mundo não repetirá tão cedo o ciclo de prosperidade do decênio que antecedeu a crise global. Talvez não volte nunca mais a crescer naquele ritmo. Com a regulação maior que vem por aí, que vai durar alguns muitos anos, as ambições serão bem mais modestas. A prosperidade tinha um tanto de irracionalidade — alguns anos antes, o próprio Alan Greenspan cravara a expressão “exuberância irracional” para se referir à bolha de tecnologia. O diabo é que ele flertou com ela... De todo modo, parte da tal exuberância era determinada pela sede de consumo dos americanos. Barack Obama já avisou que o mundo deve se preparar para viver sem ela. Assim, o sucessor de Lula encontrará muito mais dificuldades externas do que ele encontrou. Fatalmente.
Poucos estão se dando conta de que Lula prepara uma espécie de conspiração de nuvens negras para o seu sucessor. Que a equação vai estourar, disso não há dúvida. Mas há dois cenários para o estouro: a) com o PT no poder; b) sem o PT no poder. No primeiro caso, o partido e os sindicatos contêm as tropas; no segundo, eles as botam na rua.
Superávit e salário mínimo
Lula está preparando bombas fiscais que vão cobrar o seu preço. A diminuição do superávit, sob o pretexto de incentivar o crescimento, é uma delas — a conseqüência pode ser o aumento da relação dívida/PIB, o que, dizem, será compensado por uma economia mais robusta e pela possível redução dos juros. O governo federal precisa de mais dinheiro para enfrentar o custeio da máquina, não para investir. Lula está “dando” R$ 1 bilhão para os prefeitos, mas decide um reajuste de 9% do salário mínimo para 2010, mesmo com uma inflação de estimados 4% e um crescimento que pode ficar perto de zero — nas contas do governo, será de 2%. O salário mínimo não tem grande impacto nas empresas privadas. As maiores vítimas de sua elevação muito acima da inflação — e do crescimento da economia — são justamente as Prefeituras, que estão de pires na mão.
Casa própria e calote
O tal programa de construção de um milhão de casas próprias — que, evidentemente, não serão construídas até o fim do mandato — já trazem no bojo do próprio programa o estímulo ao calote. Nunca antes "nestepaiz" se viu coisa parecida. Não! Quem faz isso não ajuda os pobres. Antes, cria dificuldades óbvias para as contas públicas. As bombas-relógio estão sendo ligadas. Os petistas — e, justiça se faça, boa parte das oposições caiu no truque — defendem agora o fim da DRU (Desvinculação de Receitas da União), que dá ao Executivo a liberdade de dispor de 20% do que arrecada com os principais tributos. Em recente artigo na Folha, Fernando Haddad, ministro da Educação, dividiu o mundo entre os “conservadores”, que querem manter a DRU, e os "progressistas", que querem o seu fim — o que liberaria mais verbas para a Educação. Pois bem: tudo iria muito bem se os petistas não estivessem empenhados em acabar com a DRU A PARTIR DE 2011. Lula terá tido, então, oito anos — cinco deles de elevada prosperidade — para pôr fim ao dispositivo. Mas vai jogar a conta no colo do sucessor.
Correção da poupança
As malandragens começam a descer aos detalhes. Chegou ao Supremo a ação que pede o ressarcimento de supostos expurgos aplicados à poupança em razão de planos econômicos adotados no país entre 1986 e 1991. Valor do espeto? Quase R$ 300 bilhões. O ministro Ricardo Lewandowski, ao negar uma liminar da Confederação Nacional do Sistema Financeiro, argumentou que "os elevados rendimentos proporcionaram a constituição de patrimônio suficientemente sólido para garantir o adimplemento de suas obrigações com os correntistas e poupadores". Imaginem só... Economia é fluxo, né?, não a caixa forte do Tio Patinhas, onde se vão depositando moedas de ouro. Ora, qual é a instituição que concentra a maior parte da poupança? Sim, a Caixa Econômica Federal. Se esse troço prospera, a conta acabará caindo no... colo do sucessor de Lula. Pois este blog informa: o governo parou de se mexer. Não está movendo uma palha contra a possibilidade de um rombo gigantesco nas contas.
Fator previdenciário
Não fica por aí. O governo passou agora a defender o fim do fator previdenciário, o que elevará brutalmente os gastos com aposentadoria. Quanto? Os petistas não sabem. Henrique Fontana (PT-RS), líder do governo na Câmara, tem uma idéia de onde sairão os recursos: de “novos métodos de arrecadação”. Quais? Isso ele não sabe. O sucessor de Lula que se vire. O Apedeuta preferiu não mover uma palha para extinguir o tal fator, criado no governo FHC para impedir as aposentadorias precoces, nos seus dois mandatos. O PT está doidinho para, digamos, esquentar esse debate agora, em ano pré-eleitoral. E é provável que parlamentares da própria oposição não queriam “queimar o filme” com os aposentados.
Lula está preparando rigorosa e meticulosamente a sua herança maldita num cenário externo que, obviamente, será bem mais hostil. E então os brasileiros se lembrarão daqueles tempos benditos... Sua sucessora pode ser a “companheira” Dilma Rousseff? Pode, sim. Estou entre aqueles que acham que as chances de isso acontecer não são pequenas. Ora, o PT tem larga experiência em soltar seus tontos-maCUTs contra adversários e em recolhê-los quando um aliado está no poder. FHC sabe disso. O próprio Lula sabe disso.
É bom que as oposições fiquem atentas. Lula e os petistas começam a montar um cenário que interessa pouco ao país e muito a Lula e aos petistas.
por Reinaldo Azevedo
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