Quando se afirma que a legislação cada vez mais pesada sobre o cigarro e a concomitante flexibilização no tocante a entorpecentes parece ter como uma das principais motivações a legalização ou descriminação do uso destes últimos e o banimento do primeiro, vêem aí uma teoria conspiratória, uma relação muito óbvia, artificial, diferente da costumeira nebulosidade da política.
O PSDB deu o pontapé inicial com projeto de Arnaldo Madeira tornado lei, nos anos 1990, dividindo os estabelecimentos entre fumantes e não-fumantes. O mesmo partido votou favoravelmente ao recente projeto de lei antifumo que, se aprovado, terá poder de retirar o fumante à força policial do ambiente em que estiver. Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, defende a descriminação do uso da maconha, pois os ideólogos social-democratas (socialistas fabianos), aceitam a premissa de que a repressão não dá frutos, só dor e tristeza. José Serra, também do PSDB, tem até o final do mês de abril para sancionar o projeto já aprovado na Assembléia. Se seguir a linha do partido, certamente o aprovará.
Segundo a política de drogas defendida pelos social-democratas:“O documento sugere uma revisão das políticas de repressão às drogas na América Latina, com foco em saúde pública, tratando os dependentes como pacientes e não criminosos, e investindo na prevenção voltada aos jovens, faixa etária onde há o maior número de consumidores. De acordo com a [Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia] ONG, apesar dos grandes investimentos, a estratégia de ‘guerra às drogas’, que tem ênfase na repressão à produção e na criminalização dos usuários, não tem obtido sucesso.”
Ora, essa revisão, como muitos temas polêmicos, não foi e parece que não será discutida em âmbito democrático, mas sim nos círculos dos policymakers, os fazedores de política como FHC, César Gaviria, Ernesto Zedillo, George Soros, fundações patrocinadoras e seus agentes executores, as ONGs, entidades e pessoas não eleitas pela urnas. A repressão ao fumante de cigarro está aí antes de qualquer debate e da aprovação da lei paulista; o cigarro parece ter seus dias contados e a maconha já está tomando o seu lugar. Como afirma o trecho do documento logo acima, “repressão à produção e a criminalização dos usuários (...) não tem obtido sucesso”. Mas a repressão e criminalização de fabricantes e fumantes de cigarro já são levadas a efeito, como se o cigarro e seus produtores estivessem entre os agentes destruidores do tecido social, como o são os relativos a entorpecentes. Ou seja, no caso do cigarro querem nos convencer de que a proibição e repressão deverão funcionar; no caso das drogas, por algum motivo que nos escapa, é a legalização e um tratamento especial que deverão funcionar. Mas quando é para atacar o cigarro, tratam-no como “droga”.
Reprimir quem possui milícias, políticos, legisladores, defensores nos meios culturais, acadêmicos e jornalísticos e, ainda por cima, independência econômica como o narcotráfico possui, não deve ser nada fácil mesmo. Reprimir algumas empresas legais e cidadãos, ambos pagadores de impostos, e colocar cidadão contra cidadão: nada mais fácil. O fumante é o leproso da vez. É essa uma política do mais fácil, da legalização da hegemonia, do fortalecimento do mais forte e da repressão ao mais fraco? Me parece que sim.
Pausa.
No dia 3 de abril, o SESC Pompéia promoveu show da banda Los Sebosos Postizos, na Choperia. Um colega estava lá e relata:“Fui com a minha namorada ao show, ela fuma maconha e é radicalmente antitabagista. Eu, fumo cigarro. Quando acendi um, o segurança do local dirigiu-se a mim e obrigou-me a apagá-lo (tendo eu engolido metade do trago). Após o incidente, minha namorada acendeu seu baseado, fumou-o inteiro, tranquilamente, sem sofrer constrangimento algum...”.
O SESC é bem conhecido por seu caráter politicamente correto, propagador da tal sustentabilidade, espaço da digamos, contracultura estatizada. É esteticamente anticapitalista e serve de braço das políticas culturais coletivistas de esquerda. Isso tudo pago pelo associado mediante participação automática na classe trabalhista em que se encontra e também por repasses do Governo do Estado.
Se observarmos a programação, o show da banda é recomendado a maiores de 18 anos (na verdade, proibido a menores) pois talvez saibam que o fumo de maconha em shows desse tipo costuma ser generalizado. De dia, o SESC promove simulacros de dança de roda, contadores de histórias, teatrinho de bonecos, oficina de papel machê. À noite, a outra face se revela: shows de conteúdo explícito e contravenção, não dedicados aos filhos menores de idade dos associados, ainda que gostem do som dos Sebosos.
Isso quer dizer: os comerciários que não proibirem o fumo de cigarro em seus estabelecimentos, se pegos ou denunciados poderão ser multados pesadamente (a não ser, é claro, a hipótese de suborno à fiscalização, que não se descarta facilmente e que poderá auxiliar na política de repressão, dada sua imensa rentabilidade). Ao mesmo tempo, o Serviço Social do Comércio promove shows onde o uso da maconha é consentido.
O uso de entorpecentes tornou-se, a partir dos anos 1960, uma das maiores bandeiras de liberdade difundidas pelas esquerdas. “Turn on, tune in, drop out” foi o grande lema da contracultura hippie. A revolução comunista pela política fracassou, agora virá pela política das drogas, quebremos todas as barreiras, é proibido proibir, eram os slogans das classes falantes que hoje fazem as políticas ou as inspiram.
Para destruir um lado, lista-se tudo o que este possui de ruim, real ou imaginariamente. Para enaltecer o outro lado, lista-se tudo o que este possui de maravilhoso, real ou imaginariamente. Por exemplo: o cigarro só causa males terríveis – Oscar Niemeyer deve fumar há mais de 80 anos e poderia atestar isso hoje, fumante com mais de 100 anos de idade. Niemeyer é sempre lembrado para falar bem de Fidel Castro e do MST, assuntos sobre os quais pouco ou nada acrescenta. Quando o assunto é fumantes longevos, sua opinião não vale nada; o pobre arquiteto é esquecido. Seus usuários ou quem se oponha à lei são todos uns anencéfalos, dizem os críticos:
“Nenhum ser provido de massa encefálica pode ser contrário a uma lei que visa proteger os fumantes passivos, evita doenças graves e promove uma melhora generalizada na saúde da população.”
Já a maconha só falta curar câncer e, se não o faz, é porque “os governos ainda reprimem pesquisa com ela”, cogitam. E há “empresários da bilionária indústria do cigarro, seres abjetos que vivem do lucro em cima da desgraça alheia”. E há “pobres camponeses que vivem do plantio da maconha e da coca, que sofrem com a ‘guerra às drogas’”. E o falso debate se estende nessa linha por décadas, como se os entorpecentes possuíssem males intrínsecos muito inferiores aos problemas advindos da repressão à sua produção e distribuição. Quanto ao cigarro, este possui todos e somente males, sejam intrínsecos ou não.
Passaram-se os anos, os entorpecentes agora precisam ser “enfocados como problema de saúde pública”. A AIDS precisa ser “enfocada como problema de saúde pública”. A gravidez na adolescência precisa ser “enfocada como problema de saúde pública”. O aborto precisa ser “enfocado como problema de saúde pública”. Já o cigarro não, segundo a saúde pública, este precisa ser criminalizado mesmo e ponto.
por Gerson Faria
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