quarta-feira, 11 de março de 2009

A Nova Inquisição

O texto a seguir contém partes do post "A Nova Inquisição" do Gustavo Bezerra, no Blog do Contra. Ele, apesar de dizer-se ateu, fala com propriedade sobre os recentes ataques esquerdistas à Igreja Católica e seus dogmas.

Muito barulho causou nos últimos dias o caso da menina de nove anos violentada pelo padrasto em Pernambuco, e que, por causa do estupro, teve de abortar de gêmeos. O que causou maior escândalo não foi tanto o estupro da menina por um membro da própria família - uma realidade que, infelizmente, é corrente nesse imenso e semi-bárbaro Brasil -, nem o trauma adicional do aborto, mas a decisão do arcebispo católico de Olinda e Recife de cumprir prontamente o que determina o Direito Canônico em casos como esse. Em outras palavras: a excomunhão dos médicos que realizaram o aborto em Recife e da mãe da menina, que o permitiu.

(...) Não há como não ver no caso uma tentativa orquestrada de difamar uma religião e tentar submetê-la a uma visão ideológica, disfarçada de progressista, mas hipócrita em seus meios e totalitária em seus objetivos.

O caso está sendo apresentado como uma luta contra o reacionarismo e o obscurantismo de uma instituição religiosa, que estaria fechando os olhos para uma questão de saúde pública. Na verdade, não é nada disso. A questão não é sobre a intransigência da Igreja, nem se a excomunhão é correta ou não, não é sequer sobre o aborto. É se os católicos têm ou não o direito a continuar a ser católicos. É se a Igreja tem ou não o direito a ser o que é. É essa a questão.

Os inimigos da Igreja viram no caso um prato cheio para dar vazão a seus ataques antirreligiosos. Atacaram a decisão de excomungar a mãe e os médicos, captando nela um claro odor de Inquisição, e submeteram o arcebispo de Olinda e Recife a um linchamento moral. Logo se ouviu o coro de vozes "progressistas" clamando contra o clérigo tacanho e reacionário, que teria agido como um inquisidor, um moderno Torquemada. Nada mais falso.

A intensa propaganda anticatólica com que fomos bombardeados na TV e a pretensa unanimidade forjada em torno do caso são falsas pelos seguintes motivos: primeiro, não foi o arcebispo fulano de tal que excomungou as pessoas envolvidas no aborto - foi a Igreja católica. Mesmo se o quisesse, o arcebispo não poderia agir de forma independente, nesse ou em qualquer outro caso semelhante. No caso de aborto, a excomunhão é automática. É pecado, e ponto final. Não foi o arcebispo que inventou isso. A imprensa não ter apontado esse fato, atribuindo a decisão da excomunhão à arbitrariedade de um arcebispo em particular, é algo que demonstra ignorância ou má-fé - ou ambas.

Segundo, a excomunhão diz respeito aos membros da Igreja católica, e a eles somente. Ninguém é obrigado a acreditar que o aborto é um pecado mortal, nem a concordar com isso. Acredita e concorda quem quiser. É assim que é num país onde existe - felizmente - uma coisa chamada separação legal entre a religião e o Estado. Do mesmo modo, a democracia assegura a plena liberdade religiosa. Há quinhentos anos, os médicos que realizaram o aborto e a mãe da menina já teriam virado cinzas, após serem queimados num auto-de-fé. Hoje em dia, quando vivemos em uma democracia, onde teoricamente todos são livres para crerem no que quiserem, não resta outra coisa à Igreja católica, como a qualquer outra religião, senão proclamar os seus dogmas para quem neles quiser acreditar. E um desses dogmas é que o aborto é pecado, e quem o pratica deve ser excomungado. Ou seja: será expulso da Igreja, não poderá comungar nem frequentar a missa, pelo menos não até arrepender-se. Será excluído, definitivamente ou não, do convívio com os demais fiéis, e não preso, torturado ou queimado numa fogueira. Para todos os que não acreditam nesse dogma, ou seja, para os não-católicos, isso não faz a menor diferença, e a vida continua. Em suma, a separação entre religião e Estado é de mão dupla: a Igreja não dá palpite nos negócios públicos e o governo não se mete nos assuntos da Igreja. Como diz aquela musiquinha infernal, cada um no seu quadrado.

Outra mentira que foi sistematicamente repetida nesses dias é que o tal arcebispo, transformado em símbolo de obscurantismo pela propaganda abortista, teria justificado o estupro de que a menina de nove anos foi vítima, pois excomungou (mais uma vez: não foi ele, o arcebispo, mas a Igreja...) a mãe e os médicos, mas não o padrastro estuprador. "Estupra mas não mata", pareceram querer dizer, ressuscitando a frase antológica daquele político picareta. Mais uma vez, uma tentativa tosca e descarada de manipulação. É claro que o estupro é um crime terrível, e o arcebispo deixou isso bem claro em suas declarações. Mas onde está escrito, na lei da Igreja, que é um pecado contra a vida? O padrasto estuprador será punido, pois para isso existe a Lei dos homens, e espera-se que seja punido com todo rigor e severidade. Já os que praticam aborto, e sendo católicos, o mínimo que devem esperar é o anátema da Igreja, a excomunhão. O estupro é uma questão legal, ou melhor, criminal. O aborto, pelo menos nesse caso, é uma questão teológica.

(...) Não me considero católico, logo não me importo se um dia eu vier a ser excomungado. Para mim, que não partilho dos dogmas da Igreja, isso não faria a menor diferença, não perderia meu sono por causa disso. Exatamente por esse motivo, ou seja, por não estar sujeito às leis da Igreja, não consigo entender como alguém que se diz católico, mesmo num país de catolicismo extremamente frouxo como o Brasil, ao mesmo tempo se escandaliza diante da aplicação do que está na lei canônica. Afinal, não sabem que o aborto é um pecado mortal para a Igreja? Imaginem um judeu ou um muçulmano se sentindo confortável num banquete em que seja servido, por exemplo, carne de porco... Os cristãos de todas as denominações acreditam que há 2 mil anos Deus enviou à Terra seu filho, que nasceu de uma virgem, morreu na cruz, ressuscitou depois de três dias e prometeu voltar no dia do Juízo Final. Por que não acreditam que o aborto é um pecado que merece excomunhão?

Pode-se discordar dos dogmas cristãos, assim como das ideias católicas sobre homossexualismo e contracepção (...), mas pode-se, em nome do que quer que seja, tentar proibir as pessoas de professarem essas ideias? Pode-se, sem o risco de cairmos numa forma de ditadura mental, querer proibir um bispo de cumprir sua função eclesiástica? Pode-se querer proibir a Igreja de ser Igreja? Tão inaceitável quanto querer obrigar, pela força da lei, uma criança de nove anos a parir gêmeos - o que a Igreja, mesmo se quisesse, não pode fazer -, é querer impedir que a Igreja proclame sua opinião sobre o assunto. O Estado deve ser laico, não ateu.

Daí minha estranheza ao ver a maré de indignação contra o arcebispo. Assim como acho estranho como, nessas horas, pipocam doutores em teologia em cada esquina, dando palpite sobre a decisão da Igreja como quem opina sobre o resultado de um jogo de futebol. Outro dia vi na televisão o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, e o ministro do Meio Ambiente (?), o midiático Carlos Minc, defendendo o aborto e condenando o arcebispo com furor jesuíta. Fico imaginando o que suas excelências diriam se um bispo viesse tentar ensinar-lhes medicina ou ecologia... Lula também não perdeu a chance de tirar uma lasca do arcebispo - com toda a autoridade moral que bem sabemos que tem, ele condenou a "hipocrisia" da Igreja no caso... Pois é. Se deixassem, os "cumpanhêro progreçista" dariam aula de teologia até mesmo ao Papa. Literalmente, querem ensinar padre a rezar missa.
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Ninguém é obrigado a ser católico, assim como ninguém é forçado, em um país democrático, a seguir os preceitos dessa ou daquela religião, ou a acreditar em Deus e nos santos. E a condenação do aborto, com a excomunhão automática de quem o pratica, é, queiramos ou não, um dogma do catolicismo. Se todos fossem obrigados a seguir, por Lei, os dogmas cristãos - ou de qualquer outra religião -, seria o caso de rebelar-se, pois viveríamos em um Estado teocrático, inimigo da liberdade humana (e do livre-arbítrio). Mas, bem ou mal, vivemos em uma democracia, com separação legal entre religião e Estado, onde todos são livres para escolher seguir, ou não, a crença que quiserem. Logo, não há como interpretar os ataques à Igreja senão como uma onda de propaganda antirreligiosa, disfarçada de defesa da liberdade individual e até mesmo da vida. A defesa não do Estado laico, mas do Estado ateísta, como era a ex-URSS.

Por falar nessa última, é curioso como os ataques à Igreja tenham partido de um governo de esquerda, ideologicamente ligado a regimes como o de Cuba, onde há cinquenta anos impera a religião oficial do castrismo e onde até dez anos atrás até a festa de Natal estava proibida por lei. Sabemos que em todas as ditaduras totalitárias, sobretudo as comunistas, a religião constituiu um rival poderoso do Estado, a ser domado e, se possível, colocado a seu serviço (vejam como os ditadores comunistas da China tratam os budistas tibetanos seguidores do Dalai lama, por exemplo). Sabemos também que um dos pilares em que se assentou a fundação do PT foi a chamada teologia da libertação (que melhor seria chamada de "escatologia da escravidão"), que nada mais era do que uma forma mal-disfarçada de infiltração comunista na Igreja (alguém classificou os padres adeptos dessa aberração ideológica, muito apropriadamente, de "irmãos em Castro"). Hoje, com a auto-proclamada teologia da libertação desmoralizada e em baixa, tentam submeter a Igreja por outros meios, forçando-a a ceder à maré abortista, inclusive pela força coercitiva do Estado. Os que resistirem a essa onda "progressista", mantendo-se fiéis a seus princípios religiosos, são estigmatizados como carolas e reacionários. De certa forma, os católicos são os judeus de hoje.

Que essa propaganda antirreligiosa seja orquestrada e dirigida para atingir um objetivo político-ideológico determinado, é algo que fica claro quando se contrastam os ataques à Igreja com a forma como são tratadas outras religiões. Os mesmos que se enchem de fúria santa contra as ideias católicas sobre aborto e camisinhas costumam ser bem mais condescendentes em relação ao Islã, por exemplo. Outro dia eu citei aqui uma fatwa, ou decreto religioso, de uma autoridade muçulmana do Marrocos defendendo o casamento com meninas de nove anos de idade, mesma idade da menina pernambucana, pois, "elas dão um resultado melhor na cama do que mulheres de 20". Não me lembro de ter vistio nenhuma onda de protesto e indignação semelhante.

Os críticos da Igreja afirmaram que o aborto era necessário, usando argumentos médicos, pois a vida da menina estuprada corria risco caso viesse a ter os gêmeos. É, pode ser que tenham razão nesse ponto. Mas não há como negar que a gritaria geral não foi tanto por isso, mas porque a Igreja considera o aborto um pecado, e agiu conforme dita a doutrina católica. Na verdade, não era a vida da menina que estava em jogo, mas um dogma da Igreja que muitos querem ver revogado, substituído por sua própria visão "progressista". Em outras palavras: para os companheiros lulistas no poder, a Igreja só é boa, só defende uma boa causa, quando fica de seu lado. Quando deixa de ser Igreja para virar também um aparelho partidário ou governamental, portanto. Se depender de Lula e companhia, não duvidem: os padres deveriam pregar em seus sermões as virtudes do aborto e distribuir camisinhas, como um dia muitos deles distribuíam - alguns ainda o fazem, embora menos - cartilhas marxistas defendendo o socialismo.

Por trás de todo o barulho e de todo o escarcéu sobre o caso da excomunhão dos médicos e da mãe da menina de nove anos em Pernambuco, o que os inimigos da Igreja católica querem mesmo é destruí-la, e fundar uma nova Igreja. Uma Igreja sem Deus, cujos principais sacerdotes seriam Lula, Carlos Minc e José Gomes Temporão. Dessa Igreja, podem me considerar excomungado.

Não há dúvida de que, a pretexto de combater uma visão obscurantista e inquisitorial, o que os abortistas desejam é impor uma nova Inquisição. Uma Inquisição feita de patrulhas ideológicas e de pensamento politicamente correto. Sob o pretexto de defenderem nossos corpos, o que querem mesmo é controlar nossas mentes. Na minha, pelo menos, eles não mandam.

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