A incapacidade de o PSDB se articular minimamente para exercer o papel que lhe cabe como maior partido oposicionista brasileiro resulta em uma apatia política perigosa, que não faz nada bem à democracia. A mais recente demonstração disso é o convite despropositado feito pelas regionais do Rio e do Distrito Federal para que o senador Álvaro Dias seja candidato a governador. O governo Dilma Rousseff, mesmo sem grandes realizações em seu primeiro ano e cheio de problemas para resolver na sua base aliada, continua popularíssimo graças à sensação de bem-estar que a economia brasileira ainda é capaz de proporcionar, mesmo que os sinais de desgaste do modelo estejam evidentes, até mesmo pelo reflexo da crise internacional.
O aumento do salário mínimo em torno de 14% é um forte alavancador do consumo interno e impulsiona a popularidade do governo, mesmo que tenha chegado em uma hora em que as contas públicas andam precisando de uma forte contenção. A oposição, minguada em números — representa cerca de 18% do Congresso, o menor índice desde a redemocratização —, não tem uma atuação qualitativa que compense a fraqueza numérica. Tudo indica que o principal partido, o PSDB, está preso em uma armadilha que já o apanhou uma vez, na disputa contra a presidente Dilma Rousseff em 2010. Ali se avaliou erroneamente que a candidata de Lula não teria condições de disputar a campanha presidencial com o grão-tucano José Serra, e este optou por não atacar o ex-presidente (ao contrário, chegou a elogiá-lo), na vã esperança de que os eleitores lulistas veriam nele uma alternativa melhor do que Dilma. Como se a disputa política-ideológica não fizesse parte do pensamento estratégico de uma parte do eleitorado, e a outra não estivesse ligada à continuidade das benesses oficiais.
O ex-governador paulista mudou radicalmente sua postura depois da derrota, e anda muito mais ativo na crítica ao governo do que seu próprio partido, ou mesmo que seu adversário interno, o senador Aécio Neves, que ainda não disse a que veio. O problema de Serra é que essa atitude que vem assumindo agora chega quando já não tem as condições políticas necessárias para se colocar como candidato a presidente pelo PSDB, uma obsessão que não corresponde à realidade do momento. Está tudo preparado — e de modo truculento, no ponto de vista dos serristas, cada vez em menor número — para que Aécio Neves seja o candidato da vez dos tucanos. Aliás, essa “truculência” apontada por seus seguidores pode dar a Serra a explicação para deixar o partido e tentar se candidatar à Presidência pelo PPS ou pelo PSD, caso não se acerte no PSDB.
A única maneira de clarear a situação interna dos tucanos seria Serra aceitar se candidatar à prefeitura paulistana e deixar o caminho aberto para Aécio Neves, o que significaria que desistiu de chegar à Presidência da República, o que parece improvável neste momento. O problema de Aécio parece ser uma maneira antiquada de fazer política, que não o coloca perante a opinião pública como um líder oposicionista.
Ele tem se movimentado bastante pelos bastidores, tentando acertar acordos que podem levá-lo a quebrar a ampla coalizão partidária que dá apoio à presidente Dilma. A questão é que esses acordos dependem do fracasso do governo, mais especificamente no enfraquecimento econômico do nosso crescimento. A perspectiva para os próximos anos não é nada boa, e é possível que o governo Dilma mantenha-se em um patamar medíocre justamente nos anos eleitorais. O crescimento do ano passado já deve ser abaixo de 3%, em parte porque o governo quis frear o crescimento para controlar a inflação, em parte porque a crise internacional não permitiu crescimento maior.
Segundo relatório da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) divulgado ontem, a economia mundial beira uma nova recessão, e espera-se crescimento “anêmico” nos anos de 2012 e 2013. O crescimento da América Latina e do Caribe será de 3,3% este ano, e o Brasil se manterá abaixo da média, como vem ocorrendo nos últimos anos: a previsão de crescimento do PIB brasileiro é de 2,7%. São dados preocupantes, que sinalizam menos arrecadação de impostos e exigirão do governo um corte nos gastos públicos que ele não tem conseguido concretizar a não ser cortando investimentos, o que leva a menos crescimento ainda. Dois anos seguidos de crescimento abaixo de 3% configurariam uma situação econômica difícil, mesmo que nosso PIB cresça mais que o dos países desenvolvidos. Nesse ritmo, continuaremos nos aproximando das chamadas “economias maduras” do mundo, mas perdendo terreno para os emergentes como nós, que crescem a uma taxa mais acelerada, apesar da crise.E, sobretudo, perdendo as condições de manter a política social que garante a popularidade do governo, mesmo em um ano medíocre em realizações.
Pois o PSDB parece estar jogando na crise econômica como única arma de argumentação para o eleitorado mudar de governo em 2014, sobretudo porque, nesse caso, a desintegração da coalizão governamental poderia oferecer um caminho para a campanha de Aécio Neves à Presidência, com a adesão de alguns partidos, descontentes ou mais pragmáticos. Há potenciais crises para todos os lados. O PSB do governador Eduardo Campos disputa a primazia de ser o segundo partido da aliança, com direito a indicar o vice, com o PMDB, que disputa com o PT espaços no governo e nas alianças estaduais. Qualquer dos dois partidos aderiria com prazer a uma candidatura tucana com Aécio Neves à frente, desde que a situação do governo comece a ficar difícil por causa da economia. Se tudo continuar como está, com a presidente Dilma transformando-se em solução natural para o PT depois que Lula parece estar disposto a continuar sendo o grande eleitor, sem disputar novamente a Presidência como planejara antes de sua doença, os partidos aliados se conformarão dentro da coalizão, mesmo que insatisfeitos. E o PSDB não parece ter uma proposta alternativa para oferecer ao eleitorado. O PT na oposição apresentava uma alternativa concreta ao governo de FHC, mesmo que fosse equivocada e tivesse que ser abandonada, por inviável. Mas durante algum tempo convenceu o eleitorado de que tinha a saída.
por Merval Pereira
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