quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

É Preciso Saber Viver...

Que Roberto Carlos é um dos maiores gênios do mundo das artes, ninguém ousa duvidar. Bom, na verdade sempre há alguns para pagar de “contestadores” e questionar esse fato universalmente aceito. Gosto, afinal, é igual dedo mindinho: alguns não têm… Mas já divago.

Além de escrever algumas das composições poéticas mais lindas que nos é dado conhecer durante nossa passagem por este vale de lágrimas, o Rei também criou um estilo próprio: você pode até não apreciar a obra dele, mas “imediatamente você vai lembrar” de Roberto Carlos quando vir alguém fazendo aqueles trejeitos.

Missão impossível é apontar aquela que seria a melhor música do Rei. Isso depende do ouvinte, de sua história pessoal, de seus gostos… Pessoalmente, acho “Detalhes” e “Proposta” duas grandiosidades únicas; dois patrimônios da humanidade. Mas não pretendo me atrever a tecer análises acerca da poesia e do lirismo de Roberto Carlos. Pessoas mais gabaritadas que este vosso humilde criado já fizeram isso. Quero aqui propor uma abordagem diversa – que reputo inédita: fazer uma leitura da música “É preciso saber viver” sob o ponto de vista de um liberal.

Sim, vocês leram direito. Serei Virgílio e vocês serão meus Dantes: de braços dados, os conduzirei pelos caminhos do pensamento, revelando o tratado sociológico que o Rei cifrou e cantou naquela música, construindo um verdadeiro libelo sobre as responsabilidades individuais e o sistema de liberdades democráticas. Shall we?

Em “É preciso saber viver”, Roberto Carlos exalta a iniciativa individual, suas conseqüências e as responsabilidades que dela decorrem. O cerne da música, o muro de arrimo da obra como um todo, é o indivíduo em sua particularidade humana. Mas o Rei vai além. Não satisfeito, também refuta com elegante simplicidade – mas com precisão cirúrgica – as diversas distopias coletivistas que tentam, há séculos, subjugar o homem e reduzi-lo a “povo”, “sociedade civil”, “operariado”, e afins.

Ao dizer que “Toda pedra no caminho, você pode retirar”, Roberto lembra a todos que o motor da história humana, longe de ser qualquer espécie de luta de classes, é a ação individual. Em outras palavras, o Rei musicou (e simplificou, é verdade) aquilo que Adam Smith havia dito: é o desejo particular de cada ser humano que conduz à prosperidade coletiva, não a ação de qualquer grupo acéfalo.

Em essência, Roberto nos chama a retirarmos nós mesmos as pedras do nosso caminho, em vez de esperar que algum partido, sindicado, ou governo faça isso por nós. É uma ode ao minimalismo estatal, convocando o ser humano a agir ele mesmo, em primeira pessoa, a fim de solucionar seus problemas. É, enfim, uma releitura do bordão Reaganiano segundo o qual “O governo não é a solução para os nossos problemas. O governo é o problema!”

E se trouxermos a coisa toda prum contexto mais atual? Ora, tudo fica ainda mais claro: numa época de Bolsa-Família, de lei contra o cigarro, lei contra passageiros nas motocicletas, lei determinando o que podemos e o que não podemos comer e beber, lei estabelecendo o que podemos e o que não podermos ver nas televisões, lei determinando como devemos repreender nossos filhos… Enfim, numa época em que o Estado parece intencionado a agir cada vez mais como uma Super Nanny paquidérmica, alimentada por impostos escorchantes, “É preciso saber viver” vem nos lembrar que o caminho correto é justamente aquele que vai de encontro a esse estatismo doentio: você pode resolver seus problemas. Você pode agir. Você sabe o que é melhor para você; para o seu núcleo familiar.

Em outra passagem sobremodo interessante, Roberto nos diz que “se o bem e o mal existem, você pode escolher”. Não se enganem e atentem para o que eu, na condição de portador da única verdade, direi a seguir: trata-se de uma bofetada histórica na sociologia pobrista, que pretende dividir com toda a sociedade o resultado dos males praticados por indivíduos. Explico.

Lembram do sociopata do ônibus 174? Lembram do menor que concorreu para a morte atroz do menino João Hélio? Lembram de Champinha, delinqüente que sequestrou, sodomizou e matou uma jovem, há alguns anos? Lembram, mais recentemente, do maníaco que invadiu uma escola no Rio e atirou contra crianças inocentes? Pois bem, qual o denominador comum entre todos esses casos? Sim, vocês já entenderam onde eu quero chegar: em cada um dos episódios acima ouvimos especialistas os mais diversos nos chamando a “meditar sobre nossa parcela de responsabilidade” naqueles eventos hediondos. Bem, a minha parcela, como indivíduo livre e consciente dos meus atos é exatamente nenhuma.

A teoria de que a sociedade e seu meio são responsáveis pelo surgimento de determinados criminosos, ao lhes negar condições de vida tidas como favoráveis, não apenas é preconceituosa, como empiricamente errada. Trata-se de uma linha de pensamento que não resiste a trinta segundos de embate lógico.

Curioso notar que os advogados da redistribuição social das responsabilidades individuais possuem sempre seus bandidos de estimação. A lógica de que um Champinha não é um psicopata vagabundo merecedor de cadeia, mas “uma vítima das desigualdades e da exclusão, que precisa de apoio”, só vale para infratores pobres. Vai ver o que pensam essas bravos sobre uma Suzane Richtoffen da vida… Duvido que algum deles ache que ela mereça “um abraço, não cadeia” – para usar uma expressão que os estudiosos adoram sacar da algibeira.

Um liberal, por outro lado, não se deixa pautar por semelhantes preconceitos. Ele acha que Suzane e Champinha são iguais perante a lei: dois bandidos frios e perigosos, que precisam ser detidos, punidos e excluídos do convívio social. Um liberal não acha que Suzane é pior porque nasceu rica, nem que Champinha seja uma vítima das desigualdades, que tentava apenas conquistar a parte que lhe cabia neste latifúndio. Um liberal concorda com Roberto Carlos e sabe que bem e mal existem, cabendo a cada um de nós, na condição de indivíduos livres, fazer sua escolha.

“Ah, mas quem vive em situação de risco não tem liberdade de escolha!”, gritariam os progressistas. On the first place, eu queria saber what the fuck quer dizer “situação de risco”, um termo tão usado pela turma do "ê abraço, não dê cadeia" Sério, o que exatamente caracteriza uma “situação de risco”? Em outras palavras, a partir de qual momento um sujeito, por sua condição pessoal, passa a ser considerado – se me permitem a construção – menos imputável do que seus semelhantes? Para mim, que sou branco como um islandês, “situação de risco” é estar sob o sol. Devo concluir que um eventual homicídio cometido no sertão nordestino será, pois, tratado com mais benevolência pela sociologia do pobrismo? Marilena Chaui e Emir Sader vão me oferecer abraços? Francamente…

Não deixa de ser curioso que os entusiastas dessa coletivização das responsabilidades, uma linha de pensamento absurdamente preconceituosa, sejam, justamente, aqueles que se reivindicam progressistas, modernos e tolerantes. Ora, se antes de analisar fatos e condutas individuais é preciso olhar para “contextos sociológicos” e “situações de risco social”, significa que aquelas pessoas inseridas em tais categorias seriam mais propensas a dar um "bypass" nos valores éticos e morais sobre os quais se erigiu a civilização humana, e soltar uns pipocos na cara de todo burguesinho de classe média que se negasse a entregar o iPhone, durante um assalto.

O liberalismo chuta a bunda desse – vá lá… – “pensamento” e prefere dar ouvidos ao Rei Roberto Carlos: as condutas humanas não são nada além do resultado de escolhas individuais: “se o bem e o mal existem, você pode escolher”. Para os liberais, o ser humano não é naturalmente um anjinho de candura, como queria Rousseau, mas alguém dotado de liberdade natural suficiente para decidir ser aquilo que quiser – inclusive um monstro.

Não há, assim, diferença essencial entre uma Suzane e um Champinha: ela escolheu abrir a porta da casa para quem esmagou a cabeça dos seus pais; ele escolheu estuprar e espancar repetidamente uma jovem, para depois matá-la. Repito: eles escolheram! Não há responsabilidade minha, sua, nem de sociedade alguma nessas condutas individuais livres. E as condições sociais discrepantes de cada um? Bem, elas existem e influenciam vários fatores da vida, é inegável. Mas não servem para moldar caráter, ou estabelecer norte moral. Se tivesse nascido em berço de ouro e recebido toda assistência devida, Champinha poderia ter se tornado um médico. Mas continuaria sendo um médico sociopata, à espera do gatilho que acionaria o Mr. Hide escondido dentro dele. Da mesma forma, uma Suzane nascida na favela não seria merecedora de mais ternura ou de menos reprovação: continuaria sendo apenas uma fria e cruel assassina. O bem e o mal existem e eles escolheram.

O que certa sociologia moderna parece não ver, é que negar isso significa admitir, por vias oblíquas, que todo pobre (ou “oprimido”, como eles preferem) seria um bandido em potencial, dada a condição de “exclusão social” – ou “situação de risco” – em que vive. Um liberal não tolera esse preconceito dos “bons moços de esquerda”. Manda Emir Sader e Marilena Chaui aos diabos e fica com Roberto Carlos: as ações que moldam as condutas de vida de cada indivíduo são resultado de escolhas pessoais. E todos podemos, sim, fazê-las. Independentemente da renda per capita, do local de nascimento, ou da qualidade da educação recebida.

Negar isso é fechar os olhos para a realidade e ficar enfurnado numa Matrix sócio-política. Ou, nas palavras do Rei, é viver como “quem espera que a vida seja feita de ilusão”. Roberto Carlos não cometeu esse erro e, assim como os liberais, sabe que “é preciso saber viver”. Como? Bem, não há segredo: o que move a humanidade é a ação humana – não uma sorte de luta de classes destinada a opor coletivismo genéricos. São as escolhas individuais dos homens e mulheres livres, e a certeza de que há sempre que se arcar com as responsabilidades que decorrem delas, que garantem o equilíbrio da vida em sociedade.

Menos Paulo Freire e Leonardo Boff nas escolas e universidades brasileiras. Mais Roberto Carlos!

por Yasha Gallazzi, no Construindo Pensamentos

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