Na semana de 30 de agosto a 5 de setembro, o presidente da República foi chefe de governo durante 6 horas e chefe de campanha eleitoral nas 162 restantes. No primeiro dia do mês, uma quarta-feira, Lula surpreendeu os porteiros, ascensoristas e secretárias do Palácio do Planalto ao aparecer por lá perto das 10 da manhã. Despachou até as 11 com a chefe da Casa Civil, Erenice Guerra, almoçou com o presidente colombiano Juan Manuel Santos até as 3 da tarde, conversou por 30 minutos com o presidente da Telefonica e, às 4, deu por encerrado o expediente. Livrou-se do terno e da gravata, vestiu o uniforme de animador de comício, seguiu para o aeroporto e voou para longe de Brasília.
Como fizera nos três dias anteriores, manteve-se distante da capital nos três seguintes. No domingo, o balanço da semana avisou que o Primeiro Passageiro havia ficado mais seis dias a muitas milhas do local de trabalho. Nunca antes na história desta República um presidente frequentou tão pouco o gabinete e suou tanto a camisa no palanque. E nunca antes neste país um governante viajou com tamanha animação quanto Lula, comprovou o levantamento divulgado nesta sexta-feira pela Folha de S. Paulo.
Entre janeiro de 2003 e agosto de 2010, Lula ficou fora de Brasília 1.103 dias. São três anos. Os passeios internacionais engoliram 1 ano e 3 meses. Fernando Henrique Cardoso provocava chiliques no chefe da oposição a cada decolagem. Perto do sucessor, as horas de voo FHC lembram um piloto de monomotor diante de um comandante de Boeing. Só os giros pelo país consumiram mais 1 ano e 9 meses.
A milhagem doméstica tem crescido extraordinariamente depois que o dono do Aerolula descobriu que “a maior obra de um presidente é eleger o sucessor”. Desde o começo da campanha eleitoral, aparece no serviço de vez em quando. Para fazer um comício por dia, inaugura obras concluídas há muitos governos, esqueletos de prédios, até pedras fundamentais. A sede do Poder Executivo é um palanque em trânsito. Não existem mais assuntos de Estado nem pendências administrativas. Todas as questões se tornaram políticas.
Os números do PNAD aconselharam o chefe de governo a investir em saneamento básico e intensificar o combate ao analfabetismo. O chefe de campanha continua fingindo que o Brasil está pronto e logo vai virar superpotência. O escândalo da Receita Federal aconselhou o chefe de governo a exonerar o ministro da Fazenda e seus subordinados que colocaram o Fisco a serviço de quadrilheiros. O chefe de campanha, em cada parada da interminável excursão financiada por quem paga imposto, discursou para socorrer os bandidos e acusar as vítimas. Vale tudo para eleger Dilma Rousseff.
Escolher a sucessora não é uma das 29 atribuições do ocupante do cargo, fixadas pelo artigo 84 da Constituição. Governar o Brasil é: de acordo com o capítulo II, compete privativamente ao presidente “exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal”. Os registros na agenda atestam que Lula (sempre sem abrir mão dos incontáveis privilégios que escoltam o salário, como casa, comida e avião de graça) delegou a Erenice Guerra a tarefa que já dividiu com José Dirceu e Dilma Rousseff.
Lula e Dilma acham Erenice uma executiva e tanto. Os brasileiros ajuizados acham que Erenice é a prova de que o país sobrevive a tudo. Até a uma presidente interina comprovadamente especializada em fabricar dossiês malandros, acobertar passos em falso da comandante Dilma e facilitar parcerias que enriquecem o filho espertalhão, como revela a edição de VEJA desta semana.
Se a República fosse uma empresa moderna e o presidente estivesse submetido a mecanismos de controle, Lula seria afastado já no primeiro mandato por absenteísmo contagioso e incitação à vadiagem. Só vai chegar ao fim do segundo porque foi promovido a inimputável pelo Poder Judiciário. Depois de desafiar a legislação eleitoral, desdenhar do Código Penal e revogar todos os códigos morais, Lula está provando que a Constituição não vale para todos.
Se valesse, o presidente que deixou de presidir o Brasil para presidir um conglomerado político de alta periculosidade já teria sido enquadrado por desrespeito à nação e demitido por abandono de emprego.
por Augusto Nunes
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