O primeiro foi o senador José Sarney, num artigo na Folha. “Ultimamente, os escândalos de corrupção têm marcado a vida pública brasileira. São episódios vergonhosos que denigrem cada vez mais os políticos”. O segundo foi o senador Aloyzio Mercadante, na festa de aniversário do PT: “A oposição deve estar engasgada com o panetone”. O terceiro foi o presidente Lula, depois de mais um almoço: “Tenho nojo de ver tanta corrupção”.
Em menos de 10 dias, três figuras enfiadas até o pescoço em patifarias ainda por explicar pegaram carona na roubalheira em Brasília, comandada pelo governador José Roberto Arruda e sua Turma do Panetone, para o esperto hasteamento da bandeira da moralidade. Pelo andar da carruagem, espantaram-se milhões de brasileiros perplexos com o espetáculo do cinismo, o PCC já prepara um manifesto exigindo o endurecimento do combate ao crime.
Só pode indignar-se com escândalos quem não protagonizou nenhum. Só pode condenar corruptos quem não os condena seletivamente. Só pode estarrecer-se com bandidagens que não tem prontuário. Só pode exigir punições quem não protege delinquentes. A trinca segue fingindo que o mensalão nem existiu. Não atende a tais requisitos. Deve calar-se o mais silenciosamente possível.
Se a Polícia Federal tivesse filmado a Famiglia Sarney fazendo negócios por telefone, teria produzido vídeos tão escabrosos quanto os que documentam os pecados da quadrilha de Arruda. A diferença é que as gravações censuradas com o consentimento do Supremo Tribunal Federal se restringem ao áudio.
Os maços de dólares enfiados em meias, cuecas e malas pelos amadores brasilienses decerto caberiam nas sacolas de dinheiro carregadas pelos aloprados de Mercadante. As cenas que documentam a Operação Panetone para Todos são tão sórdidas quanto o conteúdo dos dossiês fraudulentos. E não são mais desoladoras que os recuos, rendições e retiradas do companheiro que revogou a renúncia irrevogável.
Se resolvessem contar tudo, Sarney e Mercadante produziriam depoimentos medidos em horas. Se Lula contar metade do que sabe, falaria durante semanas. A sorte do presidente é o sumiço da oposição inclemente e, sobretudo, do tribuno sem medo.
O país vem suportando há anos juras de inocência declamadas por pecadores juramentados. Não conseguirá engolir sem engasgos sermões moralistas recitados por cardeais que comandam, apadrinham ou abençoam a corrupção federal, nem por seus coroinhas.
por Augusto Nunes
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