TIVE UM choque ao ouvir de ex-colega da ONU que o Brasil começa a parecer arrogante no exterior. “Vocês não eram assim; agora se comportam às vezes com a petulância de novos-ricos!” Minha primeira reação foi descartar a observação como fruto de algum episódio isolado. E se for verdade, pensei depois? Meu amigo é dos mais argutos analistas internacionais e seus exemplos me abalaram a tranquilidade.
Na raiz dessa percepção, está a irritação crescente com o protagonismo excessivo do nosso presidente, a frenética e incessante busca dos holofotes, a tendência de meter-se em tudo, com boas razões ou sem nenhuma. Acaba por irritar outros presidentes, que se cansam de servir de figurantes ao brilho de nossa liderança. Chega a hora em que os demais não aparecem para a festa, como sucedeu na recente reunião de presidentes amazônicos em Manaus. Veja-se o contraste com a sobriedade e o realismo da China. Na recente visita de Barack Obama, o primeiro-ministro Wen Jiabao lhe disse, segundo a agência oficial, que “a China discorda da ideia de um G2, pois ainda é um país em desenvolvimento e precisa manter a mente sóbria”. Lamenta, mas não pode ajudar a resolver os problemas do Oriente Médio, do Afeganistão ou de outros lugares porque está muito ocupada em solucionar os próprios.
Imagine como teríamos reagido se a oferta do G2 tivesse sido feita a nós? O pragmatismo dos chineses significa que eles reservam os meios que possuem (bem superiores aos nossos) para o essencial: o comércio, a tecnologia, as ameaças do entorno asiático onde podem ser decisivos. A diferença em relação à política externa do Brasil revela muito sobre eles e sobre nós.
Queremos ser mediadores no Oriente Médio e em Honduras, onde nossa influência é quase zero, enquanto a Unasul, que fundamos, completa um ano sem conseguir eleger o secretário-geral (Néstor Kirchner é vetado pelo Uruguai) nem encaminhar os conflitos que se multiplicam entre os membros. O erro não é querer ter um papel útil, mas fazê-lo de modo desastrado, sem medida nem coerência. A mesma diplomacia que não suja as mãos em contatos com o governo de fato hondurenho abraça o sinistro presidente iraniano, indiferente à negação do Holocausto, à fraude eleitoral, às torturas e condenações à morte de opositores.
Nosso “timing” não é melhor do que nossa consistência. Recebemos Mahmoud Ahmadinejad na véspera de sua condenação pela Agência Internacional de Energia Atômica com os votos da China e da Rússia. Provavelmente amaciado pelos bons conselhos do Brasil, ele anunciou que vai construir mais dez usinas de urânio. Somos candidatos a posto permanente no Conselho de Segurança, mas assinamos oito acordos com país que está sob sanções do Conselho!
Não nos faria mal escolher com mais cuidado os amigos e as causas que patrocinamos. Tampouco perderíamos se deixássemos algum espaço para os que já nos olham com receio devido a nosso tamanho incômodo e potencial futuro. Ao conseguir convencer o secretário de Estado dos Estados Unidos a vir ao Rio de Janeiro para a conferência interamericana de 1906, Rio Branco insistiu para que visitasse também Montevidéu, Buenos Aires e Santiago, “a fim de dissipar ciúmes e prevenções, afagando o amor próprio” dos hispano-americanos. Ele sabia que “a inveja é a sombra da glória”, verdade que parece termos esquecido.
por Rubens Ricupero, 72, diretor da Faculdade de Economia da FAAP e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, ex-secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ex-ministro da Fazenda no governo Itamar Franco.
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