quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Terrorismo e Tortura

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, disse ontem que guerrilhas para derrubar ditaduras, como a que ocorreu no regime militar brasileiro (1964-1985), são atos legítimos, chancelados pela legislação internacional e não configuram terrorismo.

"Entendemos que a manifestação contra governo ditatorial é legítima, faz parte da sobrevivência de um povo", afirmou. "A ONU tem admitido que o fato de resistir a uma ditadura não é ato terrorístico."

A declaração, feita após audiência com o ministro da Justiça, Tarso Genro, contraria a tese do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, de que a Lei de Anistia, de 1979, vale para todos os lados - sejam torturadores a serviço do regime ou militantes de esquerda acusados de assalto a banco, seqüestro de diplomatas, assassinatos e outros atos armados. A comparação incomodou o governo, que tem vários membros do primeiro escalão que atuaram na luta armada, alguns deles vítimas de tortura.

A OAB é autora da ação no STF que pede punição para torturadores, como os coronéis reformados Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir dos Santos Maciel (falecido), ex-dirigentes do DOI-Codi, a central da repressão política dos anos de chumbo. Os dois são acusados também pelo assassinato de pelo menos 64 presos políticos nos porões da ditadura entre 1970 e 1976. No encontro, Tarso reafirmou seu apoio à tese da OAB, segundo a qual tortura é crime imprescritível e portanto não perdoado pela anistia. Proibido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva de polemizar sobre o tema, o ministro evitou dar novas declarações ontem.

Na ação, a OAB pede que o STF declare que a anistia, dada a autores de crimes políticos e conexos, não se estenda a crimes comuns cometidos por agentes públicos, como homicídio, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, lesões corporais e estupro.

O tema provocou um racha no governo entre duas alas, uma comandada por Tarso e pelo ministro chefe da Secretaria de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, e outra pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, favorável à anistia geral para os dois lados. A discussão ganhou combustível com o parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), que também considera os crimes de tortura abrangidos pela Lei de Anistia.

Gilmar Mendes, na visão do presidente da OAB, precipita-se ao colocar torturadores e guerrilheiros no mesmo nível, revelando sua opinião sobre um assunto que ainda será julgado pelo tribunal. "Esse é justo o tema que está sendo colocado para o STF decidir", explicou. "O que nós reafirmamos é que aquele cidadão que estava preso à disposição do Estado, que deveria lhe dar segurança, não poderia ser vítima de tortura."

Segundo o presidente da OAB, é esse o princípio que vigora na legislação de todo o mundo, apoiada pelo Brasil. Mas a seu ver, não basta apoiar uma legislação. "É preciso fazer o dever de casa", cobrou.

Britto acha, porém, que o debate é saudável e, ao final, o STF tomará uma "decisão histórica" favorável aos direitos humanos. "O Brasil vai ficar em paz com sua história ao reconhecer que aqui, como nos demais países, torturador não tem vez."

por Vannildo Mendes, em 06/11/2008, no Estado de São Paulo


Esse tal Carlos Britto tem algum "pobrema"? Com certeza deve ser mais um petralhantra, não declaradamente, mas de corpo e alma... E, parece-me, não conhece muito as leis sobre as quais deveria advogar, como presidente da OAB, tampouco a história que geraram tais leis.

Anistia vem do grego "amnistia", que significa esquecimento, mas tende a ser entendida, juridicamente, como mais que perdão e misericórdia. Politicamente, conforme nos diz Anaurelino Leal, em sua Teoria e Prática da Constituição, "é adotada por motivos elevados, que não humilham o cidadão a quem ela aproveita, inspirada por sérias razões de Estado. É medida pacificadora, supremo recurso para a união nacional".

E continua o eminente constitucionalista: "Tomando-a, portanto, em tal sentido, ela só encontra limites no futuro. Não se anistiam atos futuros, mas atos pretéritos, o que faz da instituição jurídica em exame um modo de retroatividade da lei; isto é, o ato que determina a anistia retroage, impedindo que as leis penais vigentes, punitivas das infrações anistiadas, tenham execução a respeito delas."

Outra característica da anistia é ser ela tão irrecusável quanto irrevogável. Não cabe à classe beneficiada com a lei que a anistiou falar em não aceitação. Não lhe cabe buscar a absolvição em qualquer juízo ou instancia. Especialmente se ela é ampla e total, como a última a vigorar no país. Por isso, por ser ampla e irrestrita, também, é irrevogável.

E como a nossa Lei da Anistia foi criada?

Alguns fatos ocorridos no governo Geisel -como a morte de Vladimir Herzog - levaram a Ordem dos Advogados do Brasil, a Associação Brasileira de Imprensa e a Igreja Católica a se posicionarem em favor da democratização ampla e total. O movimento estudantil e operário saiu às ruas. Surgiram, em 1978, os primeiros Comitês Brasileiros de Anistia, congregando os opositores da ditadura, com apoio decisivo de diversos parlamentares.

Foi realizado em São Paulo o 1º Congresso Nacional da Anistia, com a presença e participação de milhares de pessoas, lutando pela "Anistia, ampla, geral e irrestrita". Ampla, porque deveria alcançar os atos de todos os punidos com base nos Atos Institucionais, geral e irrestrita porque não deveriam impor qualquer condição aos seus beneficiários, inclusive com a ausência de exame de mérito dos atos por eles praticados.

Em agosto de 1979, o então presidente da República, João Batista de Oliveira Figueiredo ("Plante que o João garante") encaminha ao Congresso Nacional, um novo projeto de anistia composto de 15 artigos, que diz em seu artigo nº 1:

"É concedida anistia a todos quanto, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, crimes eleitorais aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da administração direta e indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário. Aos militares e representantes sindicais punidos com fundamento em atos institucionais e complementares e outros diplomas legais".

O artigo era composto de três parágrafos. Um deles dizia:

"Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal".

Este foi o arrombamento das portas para que houvesse a tão sonhada anistia ampla, geral e irrestrita, uma vez que o projeto foi aprovado e promulgado no dia 28 de agosto de 1979. São soltos, então, os presos políticos e retornam ao país os exilados.

Em 1985, depois de duas décadas, tem início o ciclo dos governos civis. É eleito Tancredo Neves que, morrendo antes mesmo de sua posse, dá lugar a seu vice-presidente, José Sarney.

Em novembro do mesmo ano, através da Emenda Constitucional de nº 26, é concedida a anistia que, pelo seu art. 4º, demonstrava que o destino era a "todos os servidores públicos da Administração Direta e Indireta e Militares, punidos por atos de exceção, institucionais ou complementares.”

Seu parágrafo 1º acrescentava: "É concedida, igualmente, anistia aos autores de crimes políticos ou conexos, e aos dirigentes e representantes de organizações sindicais e estudantis, bem como aos servidores civis ou empregados que hajam sido demitidos ou dispensados por motivação exclusivamente política, com base em outros diplomas legais".

Veio a Constituição de 1988 que, nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, determinava, pelo seu artigo 8º:

"É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18 de 15/12/1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº 864 de 12/09/1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividades previstas nas leis, regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos".

Foram essas leis, que ampliaram a anistia concedida em 1979, ensejando diversas ações indenizatórias, algumas delas milionárias até.

Somente em 1996 é que foi aprovada a Lei 9.140/96 que concedia indenizações às famílias dos desaparecidos políticos, parcela esquecida na legislação anterior. No entanto, ficara restrita aos Estados de São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

Treze anos depois da promulgação da Constituição é que, através da Medida Provisória nº 2.151/01, foi regulamentado o artigo 8º, das Disposições Constitucionais Transitórias.

Constituía-se de cinco capítulos e de vinte e dois artigos.

O período abrangido pelos efeitos da anistia é mais amplo, pois que, de 18 de setembro de 1946 a 05 de outubro de 1988. Dava poderes ao Ministro da Justiça a formar uma Comissão Especial para examinar os direitos civis e indenização aos anistiados.

Como "nunca antes neste país", a legislação do esquecimento foi tão generosa e altruísta. E sendo a anistia uma via de mão dupla, o ato de anistia, faz esquecer, obrigatoriamente, os atos que geraram as razões da existência de anistiados.

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