Depois de reagir, com veemência (apontando nossa pequenez), quando a imprensa se referiu ao óbvio objetivo eleitoral de seu "pacote de bondades" anunciado no grande Encontro Nacional de Prefeitos e Prefeitas que promoveu em Brasília, o presidente reconheceu - e confessou - que estávamos falando a verdade. E nos dias seguintes, nas visitas que fez a cidades de Pernambuco, já nem tentou disfarçar que o que fazia era o que sempre fez e gostou mais de fazer: campanha eleitoral mesmo, desbragada, em favor da ministra que pretende entronizar como sua sucessora, Dilma Rousseff.
Durante a visita ao município de Escada (PE), sob o pretexto de inspecionar as obras de duplicação da BR-101, o presidente voltou a rasgar elogios à "mãe do PAC", a quem atribuiu "a responsabilidade pelo sonho da duplicação tornar-se realidade". (Quer dizer, sem a ministra não duplicaria.) Horas antes, em Salgueiro (PE), no lançamento da obra de extensão da Ferrovia Transnordestina, o presidente fora mais cauteloso e, embora tenha vestido a camisa do time da região, o Carcará do Sertão, deixou para dois ministros - Geddel Vieira Lima, da Integração Nacional, e Alfredo Nascimento, dos Transportes - a incumbência de promover sua candidata. No discurso os ministros destacaram a "ternura" e o "carinho de mãe" da ministra com a obra do PAC cuja pedra fundamental estava inaugurando - o que não se coadunaria bem com seu papel passado de ex-guerrilheira, a não ser que se tome ao pé da letra a frase de Che "hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás".
Mas forçoso é admitir que a ministra Dilma, em que pese sua inexperiência em campanhas eleitorais, vai se mostrando cada vez mais à vontade ao posar para fotos e dar autógrafos, festejar o encontro com crianças - dispensadas das aulas para encontrá-la -, estimular a emoção regional com promessas locais de governo e tudo o mais que compõe a cena tradicional das campanhas políticas caboclas. Sua disposição para isso é tanta que depois dos comícios de Escada e Salgueiro, na quinta-feira, a candidata voou para São Leopoldo no Rio Grande do Sul, onde sexta-feira de manhã acionou uma máquina de perfuração no futuro canteiro de obras da extensão da linha do trem metropolitano, que será prolongada até Novo Hamburgo, onde Dilma também esteve, depois, para visitar o futuro ponto final do trem. Há, porém, um detalhe nessa euforia sucessória precipitada pelo presidente Lula: essa campanha é ilegal, porque ainda estamos bem longe do período eleitoral do ano que vem. O presidente da República está desrespeitando a legislação eleitoral.
Não foi sem razão, pois, que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso abordou essa anomalia, exigindo de seu partido uma reação política - tal como a antecipação da escolha do candidato tucano à Presidência. Por sua vez, o partido Democratas (DEM) se dispõe a atuar, junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), pedindo auditoria nos gastos do governo federal com o encontro, em Brasília, que reuniu 3.500 prefeitos e custou R$ 253 mil à Presidência da República. Na próxima semana DEM e PSDB entrarão com ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com pedido de providências contra o que consideram autopromoção e propaganda ilegal.
Na verdade, o DEM já vinha discutindo a possibilidade de entrar com uma ação por causa das viagens de Lula e Dilma para divulgação do PAC. A realização do encontro em que o presidente anunciou uma série de benefícios para prefeitos de todo o País desencadeou a decisão dos dirigentes partidários. "Entendemos que o abuso desta semana se tornou insuportável. Vamos entrar com ação no TSE para questionar essa conduta. O presidente Lula já mostrou que não tem apreço pelas leis", disse o presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia.
"O governo está promovendo um festival de inaugurações, não de obras feitas, mas de pedras fundamentais. Há um esforço óbvio de divulgação da ministra Dilma não pelo que está sendo feito, mas pelas promessas. Pouco importa se a obra está no início ou no meio, o que importa é a foto. Hoje o PAC é só uma campanha eleitoral feita com dinheiro público", sintetizou o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra.
Restaria, então, a indagação elementar: por onde anda a Justiça Eleitoral?
Opinião d'O Estado de São Paulo
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