No início a tarde, quando a reportagem do Estado visitou a vila, como havia feito no dia anterior, foi recebida por um representante da Fundação Nacional do Índio (Funai) que avisou logo: os líderes indígenas estavam descontentes com a cobertura dada pela mídia ao julgamento no STF e não pretendiam falar. O repórter insistiu para conversar com o líder do grupo. Minutos depois ele apareceu e disse que ninguém iria falar, porque tudo já havia sido dito e os índios já estavam de partida para outros locais.
Quando o repórter já saía, foi chamado por uma moradora, que é contrária à demarcação, com quem começou a falar. A conversa não durou nem dois minutos: a mando do representante da Funai, um grupo de cinco policiais federais cercou o repórter, dizendo que deveria deixar a área imediatamente.
A reportagem do Estado não foi a única a ter a entrada vetada. Um pouco antes, uma equipe da TV Record também foi impedida de entrar. Para grupos críticos à demarcação, essa atitude é um prenúncio do controle que os índios pretendem estabelecer na área da reserva - o que pode causar transtornos, uma vez que boa parte dos habitantes da região mantém relações com indígenas que vivem na área demarcada.
Apesar da mudança de atitude dos índios, o clima na região era de tranqüilidade. O Estado visitou a Fazenda Depósito, do arrozeiro Paulo César Quartiero, que havia prometido resistir a qualquer tentativa de invasão dos índios. O trabalho prosseguia normalmente, com preparativos para a colheita de arroz, que começa dentro de uma semana.
Do lado de fora, os índios retornavam tranqüilamente para suas aldeias. O esquema montado pela Polícia Federal e pela Força de Segurança Nacional, com quase 300 homens, para conter confrontos entre arrozeiros e índios foi completamente desmobilizado. As ambulâncias que haviam sido levadas até as imediações da Vila Surumu, para atender possíveis feridos, foram recolhidas.
A sensação por toda parte é de que arrozeiros e índios apregoaram a existência de um clima de violência muito maior do que se via na prática. Embora Quartiero tenha dito que um grupo de índios estava acampado ao lado da cerca de sua fazenda, com intenção de invandi-la, e que seus homens tinham ordens para resistir, o tal acampamento não chegou a se formar.
Não foram só os índios da Vila Surumu que demonstraram desinteresse pelo trabalho da imprensa. Na Funai, que só permitia a entrada de jornalistas na terra indígena após obterem autorizações assinadas por seus representantes locais, o descaso era visível. Alguns jornalistas chegaram a esperar dois dias para receber a autorização.
Por Roldão Arruda, no Estadão
Um dia após ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) terem votado a favor da retirada dos produtores de arroz da reserva indígena Raposa/ Serra do Sol, em Roraima, os fazendeiros afirmaram que vão continuar plantando.
A Folha falou ontem com quatro dos sete rizicultores que deverão deixar a terra indígena se a votação for mantida. Todos disseram que continuarão a produzir enquanto puderem. O arroz plantado agora poderá ser colhido a partir de abril.
"Eu vou plantar. Tenho funcionário que trabalha comigo há dez anos. Vou fazer o quê? Mandar todos embora? E a família desse povo faz o quê?", disse o gaúcho Ivo Barili, que está em Roraima há 28 anos.
Ele disse empregar atualmente cerca de 40 pessoas.
Anteontem, 8 dos 11 ministros votaram pela manutenção da demarcação contínua da terra indígena com ressalvas. O julgamento foi suspenso com o pedido de vista do ministro Marco Aurélio Mello e deve ser concluído no início de 2009.
A reação dos produtores à votação no STF é de revolta e de indignação. Alguns têm esperança de que os ministros mudem seus votos quando o julgamento for retomado.
"Vamos pensar no que fazer, mas, a princípio, não vamos sair. Só aqui em Roraima que não se tem direito à propriedade, pois foi o Incra que vendeu esta área. Você viu alguém mencionar isso ontem [anteontem, no julgamento]?", questionou Ivalcir Centenaro, que está em Roraima há 28 anos. "Pagamos impostos todos os anos e agora somos chamados de invasores."
O paranaense Nelson Itikawa, que preside a associação dos arrozeiros e também está há mais de 28 anos no Estado, disse esperar mudança nos votos. "O ministro Marco Aurélio vai aprofundar [o estudo do caso] e deve expor a realidade do Estado. Os ministros que já votaram podem modificar seus votos. Nada é impossível."
O gaúcho Paulo César Quartiero, que está em Roraima há 32 anos, disse que está terminando o plantio na próxima semana. "Estamos plantando e vamos colher. Até maio, temos 500 mil sacos para retirar."
Por Silvia Freire e João Carlos Magalhães, na Folha de São Paulo
A nossa Corte Suprema se reuniu anteontem não para responder às demandas reais de homens e mulheres reais, mas para mandar um recado amistoso a “tribunais” estrangeiros que ignoram a realidade brasileira e ainda imaginam o país como o rincão perdido, onde povos primitivos teriam direito a seu éden. É isto: os nossos ministros, com mais (Menezes Direito) ou menos (Joaquim Barbosa) exigências, cederam à pressão desses organismos e de uma miríade de ONGs que atuam no país. Só na Amazônia, acreditem, há 100 mil delas. Não errei, não: 100 mil mesmo! Padre Vieira puxaria a orelha de cada um daqueles senhores togados: eles decidiram, mas os riscos são das almas alheias. Em vez do mundo edênico, a ameaça da miséria e da fome.
Como se lê na reportagem acima, os índios — que, até o dia da votação, dançavam e cantavam em trajes típicos (sim, tiraram suas calças jeans e seus shorts Adidas para vestir uns badulaques muito vendidos pelo comércio popular no Carnaval) — agora hostilizam jornalistas. Tudo, é evidente, sob a gerência da pressurosa Funai. Algumas décadas de militância mais um tal laudo antropológico assinado por uma única “especialista” conseguiram levar o confronto onde havia, vejam vocês, entendimento. E a ordem jurídica brasileira se verga ao peso dessa militância. A conseqüência: homem e mulheres serão jogados no desemprego.
Como podemos ver acima, na reportagem do Jornal Nacional de ontem, 11/12/2008, a repórter Cristina Serra falou com Audet, descendente de índios e brancos. Ela é mãe de cinco filhos. O marido, o pai e o irmão trabalham nas fazendas do líder dos arrozeiros, Paulo Cesar Quartieiro. Apreensiva, diz: “Vai ficar todo mundo desempregado. É o que vai acontecer”.
Cristina falou também com uma índia macuxi. Leiam trecho da reportagem: “A índia macuxi Eunice, que tem sete filhos e o oitavo a caminho, acha que todos os que já vivem na reserva deveriam permanecer. ‘Branco, índio, negro, todo mundo. Melhor assim, do que o jeito que está. Sem brigas, sem nada’, revela a índia.”
Audet, mestiça, e Eunice, índia, são evidências de que está em curso na região o que acontece em todo o Brasil: somos um país mestiço. Mas não para as ONGs estrangeiras que financiam o CIR (Conselho Indígena de Roraima); não para os padres do CIMI (Conselho Indigenista Missionário); não para o ministro Ayres Britto, que relatou um voto da mais pura e delirante poesia indianista; não para os sete ministros que o seguiram (apesar das restrições de Menezes Direito).
Os índios daquela região de Roraima, vejam que coisa!, à diferença de muitos outros espalhados pelo Brasil, não conhecem a miséria, a pobreza extrema. E isso foi garantido pela chegada do trabalho assalariado — e não é de hoje. A presença do “branco” ali data do século 19. Os arrozeiros estão há mais de 30, em terras compradas do Incra. Recolhem religiosamente seus impostos a um estado que, agora, os trata como invasores e usurpadores.
Expulsos os fazendeiros, no dia seguinte, haverá muitas centenas de homens desempregados: índios, mestiços, não-índios. Como não são mais “índios” na sua acepção plena — isto é: não vivem da caça, da pesca, da coleta e de uma pequena lavoura de mandioca —, terão de buscar o seu sustento de algum modo. O estado brasileiro, por meio do Executivo, da Funai e, agora, do STF, os está empurrando para a marginalidade. Reitero: Raposa Serra do Sol corresponde a 11 cidades de São Paulo para estimados 19 mil índios — há quem diga que o número é muito inferior.
Era e é perfeitamente possível conciliar as chamadas terras contínuas com a presença dos fazendeiros, que ocupam uma das margens da reserva: apenas 0,7% da área total. Mas isso não atenderia aos anseios das ONGs e de entidades internacionais que gostam de pensar na idéia de um paraíso perdido, onde vive aquela gente pura... O ministro Menezes Direito pode ficar tranqüilo: nenhuma de suas 18 exigências será cumprida. E a razão é simples: a maioria delas já está em algum código legal. E não tem serventia nenhuma.
Sábias são Audet e Eunice. Talvez as ministras Ellen Gracie e Carmen Lúcia devessem arrastar por aí de cinco a sete bacuris para entender por que aquelas mães estão tão preocupadas. Talvez os seis vetustos senhores que, quem sabe?, estejam se imaginando como verdadeiros Tarzans salvando os homens primitivos devessem se perguntar do que vai viver aquela gente — índios, mestiços e não-índios —, já incorporada à economia capitalista e ao trabalho remunerado, com o qual alimentam bocas.
E que se note: um dia depois da decisão, a Funai já se colocava como guarda pretoriana da Raposa Serra do Sol. Entendo. Os índios dali cometem um grave pecado. Eles estão longe daquela vida miserável que leva a maioria de todos os outros índios tutelados pelo órgão.
por Reinaldo Azevedo, adaptado por Weiss
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