Não será fácil para a presidente Dilma Rousseff cumprir o compromisso, assumido no seu discurso de posse, de melhorar a qualidade do gasto público. A enorme conta que seu antecessor e padrinho político-eleitoral Luiz Inácio Lula da Silva deixou para ser paga em sua gestão lhe trará grandes dificuldades para administrar com um mínimo de racionalidade e planejamento os recursos de que disporá ao longo de seu primeiro ano de governo e limitará drasticamente a execução do Orçamento da União de 2011.
Os compromissos financeiros assumidos pelo governo Lula, mas não pagos e por isso transferidos para a gestão Dilma, somam R$ 137 bilhões, dos quais R$ 57,1 bilhões se referem a investimentos. São os restos a pagar - como essas despesas que passam de um ano fiscal para outro são designadas na administração financeira do setor público. São várias as situações em que uma despesa do governo precisa ser postergada para o exercício financeiro seguinte. Isso ocorre, por exemplo, com despesas autorizadas (empenhadas) nos últimos dias de um ano cujo pagamento não foi efetivado. Também obras executadas ao longo de mais de um exercício financeiro podem gerar restos a pagar.
No governo Lula, porém, o valor dos restos a pagar cresceu de maneira ininterrupta e muito depressa, numa clara indicação de que foram crescentes suas dificuldades para aplicar as verbas inscritas no Orçamento com eficácia e no período previsto. Não se trata de uma ilegalidade, mas de uma demonstração de incompetência administrativa e de má qualidade da gestão financeira.
Já em 2007 o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Ubiratan Aguiar, relator das contas do governo do ano anterior, criticara o alto volume de restos a pagar. O mesmo ministro foi relator das contas do governo de 2008 e pode, então, constatar que o volume crescera, porque o governo não estava conseguindo aplicar a tempo os recursos previstos na lei orçamentária anual. Depois, o TCU verificou que, entre 2005 e 2009, o volume de contas a pagar aumentou 195%, ou seja, praticamente triplicou em cinco anos. Caso os valores empenhados e não pagos em 2010 não sejam cancelados, o total dos restos a pagar em 2011 será 252% maior (em valores nominais) do que o de 2005.
Pelas regras em vigor, uma verba do orçamento que não tenha sido empenhada no mesmo ano terá que ser cancelada. Para não perder a verba, os gestores costumam empenhar o máximo possível dos recursos orçamentários, mesmo que não possam liquidar (autorizar o pagamento) ou efetuar o pagamento no mesmo ano. É essa prática que provoca o aumento do volume de restos a pagar.
A notória lentidão do governo Lula para tirar do papel planos e projetos de ampliação de serviços, de renovação de equipamentos e de melhoria de serviços públicos foi parcialmente disfarçada pelo uso intensivo dessa prática. Em termos de qualidade da administração pública, os resultados têm sido desastrosos.
No ano passado, incluídos os restos a pagar de exercícios anteriores, o governo conseguiu investir 58,6% do total previsto no Orçamento anual. Computados só os valores referentes a 2010, os resultados são muito piores. Levantamento da organização Contas Abertas - responsável pelo cálculo dos restos a pagar transferidos para 2011 - mostrou que, até 25 de dezembro, só 31% do total tinham sido pagos. Dos R$ 69 bilhões de investimentos autorizados para 2010, o governo pagou R$ 21,5 bilhões, mas empenhou R$ 53 bilhões, deixando uma conta de R$ 31,5 bilhões (só do Orçamento do ano passado) para o governo Dilma pagar.
Esses números mostram que, por causa do aumento excepcional dos restos a pagar, a cada ano o governo gasta mais com despesas vindas de exercícios anteriores e cada vez menos com os programas e projetos incluídos no Orçamento do respectivo exercício.
Trata-se de um grave desvirtuamento do Orçamento, que gera uma administração financeira e orçamentária obscura e torna ainda menos confiável o Orçamento Anual aprovado pelo Congresso. O novo governo terá muito trabalho para corrigir as distorções deixadas pelo anterior.
Comentário
A dificuldade que o editorial do Estadão caracteriza é real. E o jornal tem razão quando aponta o aspecto vicioso de tal prática. É como jogar no lixo o Orçamento votado e governar com um outro, que ninguém conhece.
Só que há um probleminha aí: Dilma está recebendo uma “herança maldita” de si mesma. Ou não cansamos de ouvir que ela era o braço direito (e o esquerdo também) do chefe; que as conquistas tinham a sua marca; que ela era “a” escolhida para continuar a obra? Uma das idéias-força da campanha de Dilma na TV era a de que o país estava pronto para dar o grande salto para a frente, sem entraves. Bastava seguir a política do presidente Lula, que teria dado aos governantes futuros régua e compasso.
A realidade chegou depois da eleição, como costuma acontecer por estas plagas.
Por Reinaldo Azevedo
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