quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Crianças Mimadas

Em “A rebelião das massas”, o filósofo Ortega y Gasset descreveu o homem-massa como alguém que “só tem apetites, pensa que só tem direitos e não acha que tem obrigações”. O perfil psicológico que ele faz deste típico homem moderno é o de alguém com livre expansão de desejos e a radical ingratidão para com tudo que tornou possível a facilidade de sua existência. Em suma, a psicologia da criança mimada.

Qualquer um que assume a segurança econômica como um “direito”, age exatamente como uma criança mimada. Ignora como a natureza é hostil, e que todo o avanço material da modernidade era inexistente no passado. Um operário hoje tem mais conforto que muito nobre medieval. Basta pensar nas dificuldades de sobrevivência de Robinson Crusoé sozinho numa ilha – ou dos cubanos na ilha-presídio caribenha –, para se ter idéia do valor do progresso capitalista.

Sem a compreensão adequada desta realidade, muitos encaram o Estado como uma espécie de Deus, e exigem os bens modernos como “direitos naturais”. A mentalidade econômica predominante assume que a riqueza não precisa ser criada, devendo apenas ser dividida. Basta o governo tirar de José e dar para João, e todos terão uma qualidade de vida confortável. Esta postura leva à hipertrofia da social-democracia ou, no limite, ao socialismo.

A contrapartida da liberdade é sempre a responsabilidade. Os jovens vão conquistando mais liberdade à medida que passam a assumir as rédeas de suas vidas. Já as crianças mimadas nunca aceitam crescer, e preferem viver sempre à custa do pai, eximindo-se das escolhas essenciais. Para muitos, o Estado se tornou esta figura paterna que vai cuidar de tudo. Tal como as crianças que não são realmente livres, pois a liberdade concedida pode sempre ser retirada, os cidadãos sob o paternalismo estatal se tornam dependentes do governo para tudo.

Liberdade não é o mesmo que poder. Um cego não deixa de ser livre por não poder enxergar, assim como ninguém é escravo por não poder voar. A natureza nos impõe limites. Quando falamos em liberdade, estamos pensando basicamente na ausência de obstáculos criados pelos próprios homens, ou seja, da coerção humana. Este conceito de liberdade não tem ligação alguma com aquele comumente usado pelas crianças mimadas. Para estas, liberdade é ter todos os seus desejos satisfeitos por terceiros, ter um escravo onipotente, um gênio da garrafa pronto para realizar sonhos num estalar de dedos.

O homem moderno deseja ficar “livre” de todo sofrimento, da angústia, da falta, do risco. Ele vive no vale das quimeras, onde basta demandar algo, que o Estado atende. Todos devem ter “direito” à moradia decente, emprego com bons salários, fartas aposentadorias, remédios grátis, em resumo, a uma “vida digna” mesmo que sem esforços. Ninguém liga para como tais anseios serão atendidos. A resposta é automática: o Estado! Bastiat resumiu bem a questão: “O Estado é a grande ficção através da qual todo mundo se esforça para viver à custa de todo mundo”.

Onde há demanda, haverá oferta. Com tantas pessoas agindo feito uma criança mimada, parece natural que os candidatos a “paizão” ou “supermãe” logo apareçam. São aqueles que Thomas Sowell chamou de “ungidos”, pessoas que se consideram clarividentes, detentoras de uma incrível benevolência, e de um conhecimento quase onisciente. Eles sabem o que é melhor para cada um, e sua meta é proteger o indivíduo de si próprio, cuidar do povo como um pai cuida de seu filho.

A simbiose entre crianças mimadas e governantes paternalistas produz um círculo vicioso, alimentando o infantilismo na sociedade e concentrando mais poder no Estado. O fascismo de Mussolini representa o ápice deste modelo. Tudo no Estado, nada fora do Estado. O cidadão é tratado como um mentecapto, incapaz de tomar decisões acerca de seu destino. Cabe ao Estado escolher por todos: que leitura é adequada para nossos filhos; quais remédios nós podemos comprar; quanto de endividamento cada família pode ter; e até qual tipo de tomada devemos usar em casa!

Enquanto esta simbiose não for quebrada, jamais haverá liberdade individual de fato. Responsabilidade quer dizer “habilidade de resposta”, e esta deve ser do indivíduo. Nunca teremos satisfação plena de nossos desejos, pois somos seres imperfeitos. Mas temos que assumir nossa responsabilidade, sabendo que as coisas não caem do céu – ou do governo. Reconhecer isso é o primeiro passo para o amadurecimento. A alternativa é ser uma criança mimada para sempre, dependente do “papai” governo para tudo.

por Rodrigo Constantino

Nenhum comentário: