terça-feira, 22 de abril de 2008

O Triunfo dos Porcos

George Orwell, escritor, jornalista e militante político, participou da Guerra Civil Espanhola na milícia marxista/trotskista e foi perseguido, junto aos anarquistas e outros comunistas, pelos stalinistas.


Desencantado com o governo de Stálin, escreveu "A Revolução dos Bichos" em 1944. Porém, nenhum editor aceitou publicar a sátira política, pois, na época, Stálin era aliado da Inglaterra e dos Estados Unidos. Só após o término da guerra, em 1945, quando os comunistas começaram com sua dominação aos países europeus, quebrando os acordos feitos, é que o livro foi publicado e se tornou um sucesso editorial.


A história satiriza acontecimentos históricos em poucos capítulos, dando uma lúcida interpretação da sociedade e alardeando as percepções de Orwell sobre os movimentos sociais, o poder e os indivíduos na Revolução Russa e suas conseqüências, onde todos personagens históricos, personificados nos bichos, são escravos da própria revolução, prisioneiros dos sonhos depauperados: Jones (o Czar); Major (Lênin); Napoleão (Stálin); Bola-de-neve (Trotsky); as ovelhas, que repetem sem consciência os lemas; os cavalos com seus tapa-olhos que só conseguem olhar para o trabalho; as galinhas que se perdem na dispersão; o burro empacado em suas verdades, impossibilitado de denunciar aos demais os abusos praticados; os cães fiéis à guarda de seus donos...


Apesar de ter sido feita há muitos anos, podemos fazer paralelo aos métodos de qualquer esquerdista para a tomada do poder (Stálin, Fidel, Pol-Pot, Mao, Chavez, Evo etc.), uns mais, outros menos. A desinformação, conforme determinava Stálin e Gramsci, é a base para a implantação da doutrina e da "sociedade salvadora da humanidade".


Resumo da Obra
O dono da Granja do Solar, Sr. Jones, embriagado com o poder, tranca o galinheiro e vai para a cama cambaleando.


Major, um porco ancião e já premiado, reúne todos os animais e conta seu sonho visionário de como será o mundo depois que o homem desaparecer, declara em tom profético a necessidade dos bichos assumirem suas vidas, acabando com a tirania dos homens, e canta a canção "Bichos da Inglaterra".
Os animais são contagiados pelos versos revolucionários e entoam apaixonadamente a canção recém-aprendida. Sr. Jones acorda, alarmado com a possível presença de uma raposa, e com uma carga de chumbo disparada na escuridão encerra a cantoria.


Major falece três noites após. A morte emoldura o mito e suas palavras ganham destaque nas falas dos animais mais inteligentes da granja. Ninguém sabe quando será a rebelião, mas a necessidade de libertação domina os diálogos. Os bichos mais conservadores insistem no dever de lealdade ou no medo do incerto: "Seu Jones nos alimenta. Se ele for embora, morreríamos de fome".


Os perfis dos animais são traçados: os porcos, as ovelhas, os cavalos, as vacas, as galinhas, o burro... Todos com traços marcantes de manipulação, alienação, rigidez, ignorância, dispersão, teimosia...

A rebelião ocorre mais cedo do que esperavam. Com a expulsão do Sr. Jones da granja, surge o momento de reorganizar o funcionamento da propriedade. Os porcos assumem a liderança, dirigem e supervisionam o trabalho dos outros, e os demais animais dão continuidade à colheita. Alguns bichos se destacam pela obstinação, como o cavalo Sansão, cujo lema é "Trabalharei mais ainda."
Os sete mandamentos, declarados por Major, são escritos na parede:
  • Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo.

  • O que ande sobre quatro pernas, ou tenha asas, é amigo.

  • Nenhum animal usará roupa.

  • Nenhum animal dormirá em cama.

  • Nenhum animal beberá álcool.

  • Nenhum animal matará outro animal.

  • Todos os animais são iguais.
Bola-de-neve e Napoleão se destacam na elaboração das resoluções. Sempre com posições contrárias. Os demais animais aprenderam a votar, mas não conseguem formular propostas. A pluralidade de pensamentos dá margem aos debates e às escolhas.

Os bichos trabalham como escravos na construção do moinho de vento e gradativamente vão perdendo a memória de como era a vida na época do Sr. Jones. Animais trabalhadores, como "Sansão", acordam mais cedo, trabalham nas horas de folga e assumem as máximas elaboradas pelos donos do poder: "trabalharei mais ainda" e "Napoleão tem sempre razão". Bola-de-neve e Napoleão sobem ao palanque e montam suas campanhas políticas. A eloqüência de Bola-de-neve conquista os animais, mas a força dos cães de Napoleão expulsa Bola-de-neve da granja e "legitima" Napoleão no cargo de líder diante dos atemorizados bichos, numa alusão típica ao conflito entre os bolcheviques e os mencheviques. Sr. Jones tenta recuperar a propriedade, mas é vencido pelos bichos na "Batalha do Estábulo". O porco Bola-de-neve e o cavalo Sansão são condecorados pela bravura demonstrada no conflito. A égua Mimosa foge para uma propriedade vizinha seduzida pelos mimos oferecidos por um humano. Surge a idéia de construção de um moinho de vento... Os animais ficam divididos com a perspectiva do novo.Os sete mandamentos, elaborados na revolução, são condensados no lema "Quatro pernas bom, duas pernas ruim". A síntese do "animalismo" é repetida pelas ovelhas no pasto por horas a fio.
Como a maioria dos animais não aprendeu a ler, os mandamentos vão sendo alterados na medida em que Napoleão e seus assessores vãos assumindo posições contrárias aos princípios que nortearam a revolução: os porcos começam a comerciar a produção da granja, passam a residir na casa do Sr. Jones, dormem em camas, usam roupas, bebem uísque, se relacionam com homens... A maioria dos animais é facilmente convencida dos seus "equívocos de interpretação" e os poucos que conseguem ler e interpretar as adulterações do poder se omitem...


Os animais passam privações, suas rações são diminuídas em prol do bem comum. Os porcos são agraciados com os privilégios do poder. Uma segunda batalha com os humanos surpreende os animais enfraquecidos, mas, apesar das muitas perdas, eles vencem e permanecem sob a ditadura imposta por Napoleão. Infelizmente perderam os parâmetros para avaliação, perderam a memória da história antes do governo de Napoleão.

Os homens destroem o moinho de vento e os animais trabalham mais para reconstruí-lo. A dedicação do cavalo Sansão é assustadora, abdica da própria saúde em prol do ideal. Depois de alguns dias é vencido pela fragilidade da avançada idade e do pulmão debilitado... Os porcos simulam uma internação num grande hospital, mas entregam o velho cavalo ao matadouro – fabricante de cola. Os direitos do trabalhador e do aposentado se encerram na indiferença dos poderosos.

O burro Benjamim, que aprendeu a ler apesar de ter preferido o silêncio durante todo o período, tenta alertar os demais animais, mas é tarde... O porco Garganta convence os bichos de que a carroça que levou o cavalo foi comprada pelo grande veterinário, mas continuou com os letreiros do velho dono... Poucos dias depois, o anúncio da morte de Sansão chega à granja e os porcos recebem um caixa de uísque...

Os animais escravizados ganham alento nas palavras do corvo Moisés que garante que, finda esta vida de sofrimentos, haverá a "Montanha de Açúcar–Cande", "o lugar feliz onde nós, pobres animais, descansaremos para sempre desta nossa vida de trabalho". As atitudes dos porcos com Moisés são ambíguas: afirmam, aos bichos, que a história de Moisés é uma grande mentira, porém deixam-no permanecer na granja sem trabalhar e ainda com direito a um copo de cerveja por dia. A religião arrebanha algumas "ovelhas".
"Passaram-se anos. As estações vinham, passavam, e a curta vida dos bichos se consumia." A nova geração só conhecia esta realidade, exceto Quitéria, Benjamim, o corvo Moisés e alguns porcos... A vida era muito difícil, mas existia a certeza de que todos os animais eram iguais... Não tardou para os bichos espantados presenciarem os porcos andando sobre duas patas com chicotes nas mãos.

Só restava um único mandamento e mesmo assim adulterado: "Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais que outros". Depois disto nada mais se estranhava, os porcos fumavam, bebiam e andavam vestidos – haviam se assenhorado dos hábitos do Sr. Jones. Uma noite, os porcos receberam os vizinhos humanos para uma reunião na casa. Os demais animais ficaram à espreita na janela da sala de estar.
Seguiram-se pronunciamentos, declarações de mútuo afeto e admiração por parte dos porcos e dos homens. Os vizinhos humanos parabenizaram os porcos pelos métodos modernos de ordem e disciplina impostos: "... os animais inferiores da Granja dos Bichos trabalhavam mais e recebiam menos comida do que quaisquer outros animais do condado."

Todos os alicerces da revolução estavam corrompidos nas palavras de Napoleão, até mesmo a granja voltaria a ter o mesmo nome da época do Sr. Jones: "Granja do Solar".

Os animais, estupefatos, se afastaram, mas não alcançaram vinte metros quando iniciou uma violenta discussão entre Napoleão e o vizinho humano, motivada por uma jogada no carteado...

"As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já era impossível distinguir quem era homem, quem era porco."

A metáfora da janela é fundamental para a abertura da percepção da realidade. Os ditadores podem estar revestidos em qualquer corpo se mantiverem as máscaras capazes de adulterar a memória histórica dos governados, tornando-os marionetes manipuladas com o medo e a omissão.



A mensagem do livro é claríssima: os "donos do poder", quer fossem homens ou porcos - e, aí, já não se podia distinguir uns dos outros (ou a ditadura do Czar daquela de Lênin e Stálin, baseados em Marx). Um aspecto da teoria marxista revolucionária é o que se refere ao Estado da sociedade capitalista, que Marx definiu como "um aparato de dominação a serviço da burguesia, que não pode ser reformado, transformado ou utilizado pelo proletariado. Tem que ser destruído pela revolução proletária, que construirá outros organismos – administração pública, órgãos policiais, Forças Armadas e aparelhos ideológicos do Estado – que permitirão o exercício do poder pelos trabalhadores e conduzirão à passagem do capitalismo ao socialismo. Esse novo Estado foi definido por Marx como “ditadura revolucionária do proletariado".

A cantilena da luta de classes e de que "todos serão iguais na nova ordem das coisas", de forma que o Estado socialista aja em nome de todos, controlando tudo, é falacioso. Cria-se o mito do Estado benevolente, caridoso, magnânimo, em oposição às "elites", que é a raiz de todo o mal.

Ora, o Estado atua através de seus agentes, que são originários de vários segmentos da sociedade, o que significa que, na média, o Estado é tão (i)moral quanto a sociedade a partir da qual o mesmo é formado. É utópico dizer que os agentes do poder estatal, pura e simplesmente por assim sê-lo, sejam moralmente superiores ao conjunto da sociedade. Não existe justificativa moral para que o Estado tenha poderes arbitrários para resolver conflitos entre segmentos da sociedade. Relembrando Lord Acton: “o maior engano que uma sociedade pode cometer é considerar que um cargo público santifica seu ocupante”.

Isso não quer dizer que o Estado não têm o dever de prover ferramentas de resolução de conflitos na sociedade. Essa talvez seja a sua atribuição mais essencial; mas ele deve fazê-lo não de forma ativa, mas por meio de uma infra-estrutura institucional e legal que garanta regras claras, previsíveis e constantes sobre como o Estado atuará em cada tipo de situação.
O grande erro de Marx é que, historicamente, a luta de classes mais importante sempre foi entre cobradores (governo) e pagadores de impostos (cidadãos). No Brasil, por exemplo, principalmente após o domínio da esquerda, surrupia-se quase metade do que produzem os cidadãos e o fruto desta roubalheira é principalmente distribuída entre as "elites" do governo, antes oposição, sob a forma de altos proventos, sem falar na corrupção que atinge proporções estratosféricas.

Quando Marx diz que os burgueses se apropriam da "mais valia" dos proletários (ou seja, os empresários se apropriam da lucratividade do que produzem os empregados), ele nada mais está fazendo do que expondo suas frustrações, uma vez que ele próprio era da falida aristocracia russa à época, pois chamar os empresários de exploradores é o próprio atestado de ignorância: são eles que criam riqueza, que é distribuída por toda a sociedade, por meio de salários pagos aos empregados, além de pagarem a maior parte dos impostos que sustentam o governo; além disso, os empregados se beneficiam da criatividade e da coragem de assumir riscos dos empresários. Tanto assim, que países, como a URSS, que tentaram acabar com os empresários, só conseguiram fazer com que os operários trabalhassem instituindo regimes de terror e campos de trabalhos forçados (gulags). No capitalismo, ao contrário, vigora o regime de recompensa e do respeito ao Direito de Propriedade, com melhores resultados e sem necessidade de exterminar milhões de cidadãos, como ocorreu nos países comunistas.

Alguns animais são executados sob a alegação de alta traição. Tudo o que ocorre de errado na granja é de "responsabilidade" de Bola-de-neve. Sua história é enterrada na lama de mentiras e manipulação imposta pelo novo regime. As reuniões de domingo são proibidas e a canção "Bichos da Inglaterra" é censurada. Os bichos trabalham mais e não são reconhecidos por seus esforços. Todas as condecorações são dadas ao líder.

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