terça-feira, 8 de julho de 2008

A Falácia do Polilogismo

Em 1944, o economista Ludwig von Mises escreveu Omnipotent Government, onde explica o crescimento da idolatria ao Estado que levou ao nazismo na Alemanha, fomentando um ambiente de guerras ininterruptas. Em uma parte do livro, Mises explica uma das coisas que os nazistas pegaram emprestado do marxismo: o polilogismo. Até a metade do século XIX, ninguém contestava o fato de que a estrutura lógica da mente é comum a todos os seres humanos. “Todas as inter-relações humanas são baseadas na premissa de uma estrutura lógica uniforme”, diz Mises. Podemos nos comunicar justamente porque apelamos a algo comum a todos, a estrutura lógica da razão.
Claro que alguns homens podem pensar de forma mais profunda e refinada que outros, assim como algumas pessoas não conseguem compreender um processo de inferência em longas cadeias de pensamento dedutivo. Mas isso não nega a estrutura lógica uniforme. Mises cita como exemplo alguém que pode contar apenas até três, lembrando que mesmo assim sua contagem, até seu limite, não difere daquela feita por Gauss ou Laplace. É justamente porque todos consideram este fato inquestionável que os homens entram em discussões, trocam idéias ou escrevem livros. Seria simplesmente impossível uma cooperação intelectual entre os indivíduos sem isso. Os homens tentam provar ou refutar argumentos porque compreendem que as pessoas utilizam a mesma estrutura lógica. Qualquer povo existente reconhece a diferença entre afirmação e negação, pode entender que A não pode ser, ao mesmo tempo, o contrário de A.
No entanto, apesar desse fato ser bastante evidente, ele foi contestado por Marx e pelos marxistas, entre eles o “filósofo proletário” Dietzgen. Para eles, o pensamento é determinado pela classe social da pessoa, e o pensamento não produz verdades, mas ideologias. Para os marxistas, os pensamentos não passam de um disfarce para os interesses egoístas da classe social a qual esse pensador pertence. Nesse contexto, seria inútil discutir qualquer coisa com pessoas de outra classe social. O que se segue disso é que as “ideologias não precisam ser refutadas por meio do raciocínio discursivo; elas devem ser desmascaradas através da denúncia da posição da classe, a origem social de seus autores”. Se uma teoria científica é revelada por um burguês, o marxista não precisa atacar seus méritos. Basta ele denunciar a origem burguesa do cientista.
O motivo pelo qual os marxistas buscaram refúgio no polilogismo pode ser encontrado na incapacidade de refutação por métodos lógicos das teorias econômicas “burguesas”. Quando o próprio Mises demonstrou que o socialismo seria impraticável pela impossibilidade de cálculo econômico racional, os marxistas não apontaram qualquer erro em sua análise lógica. Preferiram apelar para o estratagema do polilogismo, fugindo do debate com a desculpa de que sua teoria era uma defesa dos interesses de classe. O sucesso dessa tática marxista foi incrível, sem precedentes. Foi usado como “prova” contra qualquer crítica racional feita ao marxismo e sua pseudo-economia. Isso permitiu um crescimento assustador do estatismo moderno.
Conforme Mises lembra, “o polilogismo é tão intrinsecamente sem sentido que ele não pode ser levado consistentemente à suas últimas conseqüências lógicas”. Nenhum marxista foi corajoso o suficiente para tentar fazer isso. Afinal, o princípio do polilogismo levaria à inferência de que os ensinamentos marxistas não são objetivamente verdadeiros, mas apenas afirmações “ideológicas”. Os marxistas negam essa conclusão lógica de sua própria postura epistemológica. Para eles, sua doutrina é a verdade absoluta. São completamente inconsistentes. O próprio Marx não era da classe dos proletários. Mas para os marxistas, alguns intelectuais conseguem se colocar acima desse paradoxo. Os marxistas, claro. Não é possível refutar isso, pois se alguém discorda, apenas prova que não faz parte dessa elite especial, capaz de superar os interesses de classe e enxergar além.
Os nacionalistas alemães tiveram que enfrentar o mesmo tipo de problema dos marxistas. Eles não eram capazes de demonstrar suas declarações ou refutar as teorias econômicas contrárias. “Logo”, explica Mises, “eles buscaram abrigo sob o telhado do polilogismo, preparado para eles pelos marxistas”. Algumas mudanças foram necessárias para a adaptação, mas a essência é a mesma. Basta trocar classe por nação ou raça, e pronto. Cada nação ou raça possui uma estrutura lógica própria e, portanto, sua própria economia, matemática ou física. Pela ótica marxista, pensadores como Ricardo, Freud, Bergson e Einstein estavam errados porque eram burgueses; pela ótica nazista, eles estavam errados porque eram judeus. O coletivismo, seja de classe ou raça, anula o indivíduo e sua lógica universal.
Tanto o polilogismo marxista como o nacional-socialista se limitaram à afirmação de que a estrutura lógica da mente é diferente para as várias classes ou raças. Nenhum deles tentou elaborar melhor isso, tampouco demonstrar como exatamente ocorria tal diferença. Nunca entraram nos detalhes, preferindo, ao contrário, concentrar o foco na conclusão. No fundo, o polilogismo tem todas as características de um dogma. Se há divergência de opinião dentro da própria classe ou raça, ele adota um mecanismo peculiar para resolver a questão: os oponentes são simplesmente tratados como traidores. Para os marxistas e nazistas, existem apenas dois grupos de adversários: aqueles errados porque não pertencem à mesma classe ou raça, e aqueles oponentes da mesma classe ou raça que são traidores. Com isso, eles ignoram o incômodo fato de que há dissensão entre os membros da sua própria classe ou raça.
Deixo os comentários finais com o próprio Mises: “O polilogismo não é uma filosofia ou uma teoria epistemológica. Ele é uma atitude de fanáticos limitados, que não conseguem imaginar que alguém pode ser mais razoável ou inteligente que eles mesmos. O polilogismo também não é científico. Ele é a substituição da razão e da ciência por superstições. Ele é a mentalidade característica de uma era do caos”.


por Rodrigo Constantino

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