Há muitos anos venho escrevendo sobre a derrota do sentido das palavras para a patrulha ideológica e o politicamente correto. O jornalismo — que tem como uma de suas tarefas destrinchar para o homem comum os arcanos da linguagem técnica de qualquer área —, com alguma frequência, tem sido um militante do obscurantismo, tomado que está por uma agenda. Os fatos estão sendo mandados às favas em favor de uma “leitura de mundo” que se entende “moderna” e “progressista”, mesmo quando direitos fundamentais, garantidos pela Constituição, estão sendo aviltados. É asqueroso o que vem acontecendo. Uma liminar concedida ontem pela Justiça versando sobre a atuação da Polícia Militar na antiga Cracolândia, em São Paulo, gerou no jornalismo online — vamos ver o que vem no impresso — um festival de boçalidades, mentiras e interpretações alucinadas. Eram textos escritos sob o efeito da pior de todas as drogas: a ideologia. E vou provar o que digo. Antes, reconstituo fatos e contexto para chegar ao mérito da limitar e AO QUE ESTÁ ESCRITO, QUE É DIFERENTE DO QUE MUITOS LERAM E NOTICIARAM.
A ação da Prefeitura e do governo do Estado para devolver à cidade de São Paulo uma área que tinha sido privatizada pelos traficantes e pelos consumidores de crack — a chamada Cracolândia — gerou uma forte reação contrária de sedizentes defensores dos direitos humanos, de grupo favoráveis à legalização das drogas, de políticos petistas, do Ministério Público Estadual e da Defensoria Pública. Sim, até o governo federal, que não combate uma Cracolândia existente na Esplanada dos Ministérios (viu, Dilma!?), resolveu se meter.
Durante anos, esses grupos não só se quedaram inermes diante do descalabro de uma área do centro da cidade que havia sido sequestrada pelo crime como impediram qualquer ação do Poder Público. Até que Prefeitura e governo do Estado resolveram romper com a inércia e atuar, o que contou com ampla aprovação dos moradores de São Paulo, especialmente das áreas degradadas pelo crime. A dita Cracolândia deixou, então, de ser ocupada pelo crime e foi ocupada pela lei. A Polícia passou a cumprir seus deveres legais e constitucionais, e a Prefeitura instalou na região aquele que é nada menos do que o maior centro dedicado ao tratamento de viciados em crack do país: o Complexo Prates. DESDE O INÍCIO DA OPERAÇÃO, JÁ FORAM PRESOS 489 TRAFICANTES, E 778 PESSOAS FORAM ENCAMINHADAS PARA INTERNAÇÃO. Cadê o programa do governo federal, anunciando por Dilma durante a campanha eleitoral?
Houve crítica de todos os lados. Representantes da Defensoria Pública chegaram a estimular a resistência dos ocupantes da área. Tendas foram armadas na região central para abrigar os viciados, nas quais até alguns defensores resolveram se homiziar para deixar claro de que lado estavam. E não era do lado da esmagadora maioria dos moradores de São Paulo, que trabalham, que lutam para ganhar a vida, que não consomem droga e que têm garantido o direito de ir e vir, o que era impossível na Cracolândia.
O Ministério Público Estadual fez a sua própria “investigação” sobre a operação e concluiu que ela é ineficaz, pespegou-lhe a pecha de “higienista”, o que é só ideologia, não juízo técnico, e inventou a tese de que a ação da PM e da Prefeitura está centrada apenas na valorização imobiliária da região. Ou seja: os senhores promotores acreditam que eles e os que pensam como eles têm o monopólio do bem, da virtude e das boas intenções. Já a Prefeitura e o governo do Estado, obviamente, são naturalmente maus e só por isso decidiram intervir. Uma das principais acusações que fazem é de um ridículo sem-par: afirmam que a retomada da região conhecida como Cracolândia não foi eficaz para quebrar a logística no narcotráfico, como se fosse o objetivo principal. Ora, essa é outra luta, bem mais difícil.
PAUSA PARA UMA DIGRESSÃO – Bom mesmo é governar o Rio de Janeiro, não é? Sérgio Cabral leva a sua UPP para o morro X ou Y, e uma parte da bandidagem se manda de lá. José Mariano Belatrame, secretário de Segurança, diz que o objetivo é recuperar o território, e não acabar com o tráfico ou prender bandidos. A imprensa o aplaude, o homem é tratado quase como poeta, e as reportagens terminam com crianças empinando pipas — enquanto a população de Niterói, por exemplo, se tranca dentro de casa. Em São Paulo, a recuperação do território é tratado como crime de lesa-humanidade, e a dispersão dos consumidores vira evidência de insucesso da operação. Sem essa de criança soltando pipa por aqui. FIM DA PAUSA (mas ainda volto a esse ponto).
A ação e a liminar
Os promotores de Justiça Arthur Pinto Filho (Direitos Humanos, área de Saúde Pública), Eduardo Ferreira Valério (Direitos Humanos), Luciana Bergamo Tchorbadjian (Infância e Juventude) e Maurício Antonio Ribeiro Lopes (Habitação e Urbanismo) entraram com uma ação civil pública contra a operação na Cracolândia com pedido de liminar. O que eles pediram? Isto:
“abstenha-se a Polícia Militar imediatamente de empregar ações que ensejem situação vexatória, degradante ou desrespeitosa em face do usuário de substância entorpecente, especialmente cessando qualquer ação tendente a impedi-los de permanecer em logradouros públicos ou constrangê-los a se movimentarem, isoladamente ou em grupo, salvo se houver situação de flagrante delito”.
E o juiz Emilio Migliano Neto fez o óbvio: concedeu a liminar. Sabem por quê? Porque os promotores atuaram mais ou menos como quem pede que a Lei da Gravidade seja declarada válida em São Paulo. Pode haver desvio de conduta aqui e ali? Claro que sim! Mas, no geral, os homens da PM já agem dessa maneira. E só constrangem quem circula pela Cracolândia em caso de “flagrante delito”, ora!
A falsa notícia
Imediatamente, portais, sites e blogs passaram a noticiar O QUE NÃO ESTÁ NA LIMINAR, a saber: QUE A PM ESTARIA IMPEDIDA DE ATUAR NA CRACOLÂNDIA, DE ABORDAR CONSUMIDORES DE DROGAS OU MESMO DE DISPERSAR GRUPOS QUANDO ELES IMPEDEM O LIVRE DIREITO DE IR E VIR. Afinal, também aos não viciados esse direito é reservado, não é mesmo? Calma, eu vou publicar o link com a íntegra da liminar e trechos dela. À diferença dos patrulheiros, peço que vocês acreditem nos textos legais, não em mim. Antes, no entanto, uma consideração.
O Brasil tem uma Lei Antidrogas que contribui para estimular o consumo ao mesmo tempo em que pretende reprimir o tráfico. É a quadratura do círculo. Os aloprados que defendem a descriminação das drogas querem radicalizar ainda mais: pretendem substituir a já “liberal” Lei 11.343 por outra, mais radical, que descrimine o consumo de qualquer substância hoje ilegal. Imaginem em que se transformariam nossas cidades.
Atenção! Segundo a lei, quem apenas consome droga não vai em cana. Vejam lá o Artigo 28. Fica sujeito às seguintes penas:
I – advertência sobre os efeitos das drogas;
II – prestação de serviços à comunidade;
III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Mas isso tudo é decidido pelo juiz, que quer dizer que o consumo é, sim, crime, entenderam? Cabe à Polícia Militar reprimi-lo. Pergunto aos digníssimos promotores: entendem eles ou não que consumir droga em público é um “flagrante delito”. Se entenderem que não, então estão sendo regidos por lei que não é a brasileira.
Ocupar o espaço público, impedindo o trânsito de pessoas e de veículos, constitui ou não um agravo ao direito de terceiros? Juntar-se numa área da cidade com o objetivo explícito de consumir drogas, atraindo a pletora de fornecedores — os traficantes —, constitui ou não delito? É nessas circunstâncias que a Polícia Militar tem atuado.
Conteúdo da liminar
A íntegra da liminar está aqui. Eu não escondo documentos, mas os exibo. Se tiverem tempo, leiam. Sim, sim, a PM não deve submeter ninguém ao vexame e tal (já não podia; é da lei), mas será que, como noticiaram bucefalamente (se me permitem) algumas páginas na Internet (e mal posso esperar pelo que vem escrito…), o juiz proibiu mesmo a polícia de atuar na região? Leiam o que diz o juiz:
Como se vê, o juiz lembra que cabe à PM, por dever legal, preservar a ordem pública. Atenção, caras leitoras e caros leitores, para o que vem agora:Leram? Aqui me arrisco a uma quase ironia. O juiz fez de conta que não entendeu o que realmente queriam os procuradores. Lembra que, sim, senhores!, o consumo de drogas é crime, vamos dizer, reprimível (a pena é com a Justiça) e que a polícia tem de cumprir a sua função. E faz uma pergunta meramente retórica: “Sob que fundamento juridicamente válido determinar a omissão policial diante de uma flagrante prática delitiva?”. Eis aí, leitores, uma boa pergunta para fazer a certos setores da imprensa e ao Ministério Público Estadual. Mas o juiz foi ainda mais preciso, O QUE DESAUTORIZA INTERPRETAÇÕES ALOPRADAS, SEGUNDO AS QUAIS A POLÍCIA NÃO PODE AGIR! Leiam outra vez o trecho acima!
Ou por outra: o juiz está dizendo que a Polícia Militar pode, sim, continuar as suas ações na Cracolândia — as transgressões já eram proibidas antes, ora — porque é seu dever constitucional. E lembra que o Ministério Público não pode pedir à Justiça que impeça o Executivo de fazer o seu trabalho. Este texto já vai longe, mas cumpre ainda destacar outro.
O juiz concede, sim, que o problema das drogas é de saúde pública (parte da argumentação do MP) — e lembra, por isso, que o SUS deveria estar aparelhado para tratar do assunto. Mas está? Atenção, hein? Eu não concordo com isso necessariamente. Estou apenas demonstrando a leitura que o juiz faz da lei. Sendo um problema do SUS, é, pois, questão federal. Pergunto: o SUS está preparado para atender os drogados do crack? O Complexo Prates está sendo gerido pela Prefeitura!
Mas vejam ali: “é dever do Estado promover a segurança pública, restabelecendo o império da ordem nessa região (…)”. Ora, é evidente que não deve haver abuso policial; é evidente que as pessoas não podem ser humilhadas, mas também é evidente que cabe à PM — ao estado — impedir que a região volte a ser privatizada pelos consumidores e traficantes de crack.
A liminar da Justiça deixa claro, isto sim, é que a PM tem de continuar a fazer o que vem fazendo. Nada precisa mudar. Os abusos já são punidos pela lei. Os setores da imprensa que noticiaram que a PM está impedida de combater o consumo e tráfico de crack na região — ou mesmo de dispersar consumidores quando eles ameaçam a ordem pública — estão simplesmente mentindo.
Um convite
As pessoas estão obrigadas a viver segundo o seu credo nas questões que dizem respeito a políticas públicas, não? Como impor aos outros o que não quer para si? Quem acredita que lugar de viciado é ocupando o espaço público, num espetáculo horripilante de degradação humana e de clara violação do direito de ir e vir de terceiros, deve oferecer a calçada da própria casa. Os promotores, cujas moradias estão bem longe da Cracolândia, deveriam explicar por que os moradores da região devem ser sitiados pelo consumo e pelo tráfico, tendo seus direitos sequestrados.
Eu acho, sim, que o vício é também um problema de saúde. Isso não impede que seja um problema de polícia.
À diferença do que se noticiou, a liminar da Justiça diz o óbvio: as leis continuam a valer em São Paulo. Policiais não podem cometer abusos. É o que diz a lei. Policiais têm de reprimir o crime. É o que diz a lei. A turma do miolo mole perdeu. O lobby em favor da descriminação das drogas saiu derrotado desta vez.
NÃO SOU EU QUE QUERO ASSIM. É O QUE ESTÁ ESCRITO!
FIQUEM ATENTOS À CAMPANHA DE DIFAMAÇÃO DA POLÍCIA E DA SEGURANÇA PÚBLICA DE SÃO PAULO. Enquanto, nesta cidade e neste estado, não se matar ao menos o que se mata na média nacional, eles não vão sossegar. Porque são maus? Não necessariamente! Porque têm uma pauta política e ideológica, de que setores da imprensa se tornaram procuradores. Falo em setores da imprensa, de maneira genérica, porque, nesta fase, identifico o fenômeno. Mas é claro que sempre chega a hora de chamar as coisas e as responsabilidades por seus devidos nomes.
Não se deixe sequestrar pelo lobby pró-drogas nem pelo mau jornalismo, capaz de inverter de maneira miserável o conteúdo de uma liminar.
por Reinaldo Azevedo
Nenhum comentário:
Postar um comentário