Certa vez, rebatendo meus argumentos, um esquerdista da ala social-democrata, muito bem articulado, disse que a “solidariedade pode ser, ao mesmo tempo, um sentimento individual e um valor coletivo, socialmente regulado, como o dever de socorrer um acidentado”. Como se pode ver, é nítida, aqui, a confusão que impera na cabeça dessa gente. Sua aversão à liberdade individual os torna incapazes de enxergar que onde entra a obrigação acaba a solidariedade, pois a virtude é um valor de natureza moral, não legal. Se o impulso que me leva a socorrer um acidentado é o temor à lei, não há neste ato qualquer solidariedade. No máximo, civilidade.
Os valores morais não nascem com a pessoa. Eles são o resultado de inúmeros fatores, mas principalmente da relação do indivíduo com o meio em que vive, sua família, a escola, seus amigos, a religião, etc. Essa influência dos fatores externos na formação do nosso caráter, bem como na incorporação dos valores morais que irão determinar a personalidade de cada um, não invalida o argumento central aqui defendido: uma ação para ser virtuosa precisa ser espontânea e voluntária. O seu impulso deve vir de dentro e, necessariamente, ser livre de pressões exteriores ou interesses pessoais.
Um político, um artista, um empresário ou um jogador de futebol que faz doações à instituições de caridade, por exemplo, sempre procurando dar a maior publicidade possível ao seu ato, não faz isso por fraternidade ou solidariedade, mas provavelmente por interesses comerciais ou mera demagogia. Uma ação, vista isoladamente, não significa nada em termos morais, pois a virtude não está no ato em si, mas na real intenção do agente. Agir corretamente quando se está sendo observado é fácil e, muitas vezes, conveniente. A verdadeira virtude, porém, está em fazer o que é certo quando ninguém está nos observando e, principalmente, quando não se espera nada em troca.
Outro ponto muito importante é a questão da escolha. Não há como julgar, ética ou moralmente, a conduta humana quando o livre-arbítrio não estiver presente. Como se pode falar em solidariedade, quando não há alternativa possível? Quando não há liberdade? Quando a coação do Estado impede qualquer outra opção? Será que existe alguma fraternidade quando descontam o imposto de renda em nossos contra-cheques para financiar o esmoleiro público? Há nisso algum sacrifício voluntário?
Não. Isto é, pura e simplesmente, re-distribuição forçada de renda ou, em outras palavras, apropriação dos frutos do trabalho alheio. Tirar de Pedro, pelo uso da força, para dar a Paulo, e ainda cobrar comissão pela intermediação do “negócio” seria, em qualquer outra circunstância, uma das atitudes mais imorais – obscena até - que se poderia imaginar. No entanto, reféns da velha retórica dos socialistas, boa parte dos brasileiros não só aceita, como faz questão de aplaudir esse esbulho oficial.
Há ainda outro aspecto sobre esse tema que, a meu ver, merece meditação mais profunda. Trata-se do que o Reverendo Robert A. Sirico chama de “risco da caridade", cuja origem está no que os cristãos conhecem como “Dilema do Samaritano”, que poderia ser, grosso modo, assim resumido: a expectativa da caridade pode levar determinadas pessoas a um tipo de comportamento que as fará prisioneiras da pobreza, transformando-as em seres indolentes e preguiçosos, vícios que, pelo menos do ponto de vista das tradições judaico-cristãs, são considerados ofensas morais graves. Por isso, algumas vezes o doador precisa suspender a caridade, a fim de fazer ver ao donatário que nada pode substituir o trabalho árduo e cotidiano, recomendado pelo Criador, quando disse: “Comerás o pão com o suor do nosso rosto” (Gn 3,19). Para que possamos diferenciar os reais necessitados dos preguiçosos, no entanto, é preciso que estejamos perto daqueles a quem direcionamos a nossa caridade.
Pela sua própria natureza, burocrática e impessoal, agências e órgãos públicos tendem a distanciar-se de seus “clientes”, reduzindo os indivíduos a meros objetos. A falta do engajamento pessoal e direto torna impossível uma avaliação racional dos resultados (materiais e espirituais) dos programas de assistencialismo público. Por esta razão, eles tendem a perpetuar a dependência e podem levar ao que o Papa João Paulo II, falando do famigerado “estado de bem-estar social”, chamou de “perda de energias humanas”. Por isso, aquele papa sempre direcionou sua pregação no sentido da verdadeira caridade (privada), que fornece, além de amparo material, conforto espiritual e suporte fraternal.
Para finalizar, aqui vai um conselho aos jovens e idealistas de todas as idades: se servir ao próximo é o que você realmente deseja, não venda sua alma aos programas governamentais ou às ideologias que pretendem transferir a caridade do indivíduo para o Estado. Tente algo voluntário, que seja um desafio pessoal, socialmente benéfico e que não custe aos demais um só centavo. Lembre-se que solidariedade com o bolso alheio não é virtude, mas espoliação.
por João Luiz Mauad, em 30/09/2006
Um comentário:
Conheci seu blog agora, fazendo um trabalho da faculdade, e fiquei impressionado com a qualidade e organização dos fatos expostos por você. Como mais um analista de sistemas neste mundo, dou-lhe meus parabéns.
Leandro.
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