O fim do homem como instrumento da construção da história e do seu próprio legado acontece quando ele perde três capacidades: a de sonhar, a de amar e a de se indignar. Nesse tripé de sentimentos se sustenta o verdadeiro sentido da vida. Fora disso, tudo é ilusão de percurso, acúmulo de bens fúteis.
Fica cada vez mais óbvio que o brasileiro vem perdendo - numa velocidade preocupante - todas essas capacidades que ainda se mantêm pilares essenciais de outros povos. É incrível como a vida e os conceitos morais se banalizaram no Brasil. Tudo virou apenas subproduto de retórica politiqueira, tanto de autoridades quanto de cidadãos comuns.
Honra, ética e moralidade se tornaram discurso de marketing pessoal, verborragia de amorais.A consciência brasileira se sustenta em atos isolados daqueles poucos que ainda conseguem navegar se esquivando da lama que nos inunda a alma. Nada mais nos indigna. Contemplamos a violência e a corrupção impassíveis como um gato defecando no passeio público. É a vida e a dignidade se esvaindo na TV, sem choro nem vela; só a fita amarela do patriotismo esportivo piegas.
O pobre motorista executado com direito a replay. A menina abatida na frieza do monstro. A criança esquartejada enquanto cada um se vira em busca do nada. Atingimos aquele estágio do velho samba de Max Bulhões e Milton de Oliveira: "quero chorar, não tenho lágrimas, que me rolem na face, pra me socorrer". Os governantes agem com a "filosofiadaputa" do "não adianta chorar o leite derramado". Acham que podemos relaxar e gozar diante de tudo.
A esperança de que ainda podemos repor o Brasil no caminho de uma civilização está em gotas das lágrimas do nadador potiguar Adriano Lima, chorando a alegria de futuro com os olhos na tristeza de um passado de operário acidentado. As lágrimas sinceras do brigadeiro Jorge Kersul Filho derramadas diante das famílias dos mortos no avião da Gol, aquelas mesmas lágrimas que quase verteram dos seus olhos na sessão da CPI do Caos Aéreo, quando revelaram o conteúdo da caixa-preta do vôo da TAM.
No Brasil, a morte tem seu cine clube. Nesse país de choros contidos e ausência de indignação, de desesperança coletiva, a saída pode estar nos olhos de quem ainda expressa um sentimento de angústia, de revolta e de reação ao fosso de incertezas que se abre sob os alicerces morais da pátria. Florbela Espanca cantava em sua poesia, "e o Sol altivo e forte, ao fim de um dia, tem lágrimas de sangue na agonia". E essa agonia não pode virar imparcialidade, fuga individual, há de se transformar em indignação coletiva, num grito sentido - mesmo quase surdo - de que ainda podemos reagir.
Vendo na TV o choro do militar e do atleta, resta a esperança de que a construção de uma vergonha nacional seja composta por água, cloreto de sódio e albumina. Mais do que nunca, o samba antigo retumba em nosso peito, "a lágrima sentida é o retrato de uma dor".
por Alex Medeiros
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