A crise econômica foi o tema principal do discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na abertura da 63ª Assembléia Geral das Organizações das Nações Unidas (ONU), em Nova York. Logo no início, o presidente afirmou que "a crise financeira é dura realidade. A euforia dos especuladores transformou-se em angústia dos povos, após a sucessão de naufrágios financeiros que ameaçam a economia mundial." Ele criticou a ajuda aos investidores, destacando uma frase do economista Celso Furtado: "é inadmissível que os lucros dos especuladores sejam sempre privatizados e suas perdas invariavelmente socializadas".
Em clara referência ao pacote de socorro implementado pelo governo norte-americano, o presidente observou que as "indispensáveis intervenções" realizadas pelo Estado mostram que "é chegada hora da política". "Somente ação determinada dos governantes, em especial de países que estão no centro da crise, será capaz de combater a desordem que se instalou nas finanças internacionais, com efeitos perversos na vida cotidiana de milhões de pessoas".
Lula criticou que a ausência de regras "favorece os aventureiros e oportunistas", em prejuízo das verdadeiras empresas e dos trabalhadores. Ele defendeu mecanismos de prevenção, controle e total transparência das atividades financeiras. "Uma crise de tais proporções não será superada com medidas paliativas", acrescentou. "Os organismos supranacionais carecem de autoridade e instrumentos para coibir a anarquia especulativa", disse, destacando a necessidade de "reconstruí-los em bases completamente novas".
Segundo ele, o caráter global da crise demanda que as soluções que venham a ser adotadas deverão ser também globais, "tomadas em espaços multilaterais legítimos e confiáveis, sem imposições". Da ONU, disse ele, deve partir a "convocação para uma resposta vigorosa às ameaças que pesam sobre nós".
Ouça ou leia o discurso na íntegra.
Por Nalu Fernandes, no Estadão
Em seu discurso na ONU, o presidente Lula resolveu culpar o bode expiatório de sempre pela crise financeira atual: os especuladores. O presidente afirmou que “a euforia dos especuladores transformou-se em angústia dos povos”. O que não ficou muito claro é quem o presidente considera especulador. Afinal, a palavra vem do latim, e seu significado é algo como “tentar enxergar o futuro com os dados presentes”. Em outras palavras, todos nós somos especuladores!
Quando uma empresa se recusa a reduzir os preços imediatamente, acumulando estoques, ela está especulando que a demanda irá melhorar no futuro. Quando alguém recusa um novo emprego, está especulando que poderá ganhar mais no atual. Quando alguém sai de casa com um guarda-chuva, pois existem nuvens no céu, está especulando que poderá chover. Enfim, o futuro é incerto, e por isso estamos o tempo todo especulando. Mas parece razoável assumir que a crítica de Lula era voltada aos especuladores de Wall Street apenas. A questão que surge, então, é qual o motivo disso? Afinal, boa parte da crise tem sua origem nos excessos cometidos por muitos compradores de casas. De forma resumida, o Federal Reserve, ao manter as taxas de juros baixas por tempo demais, estimulou o mercado de crédito imobiliário. Novos produtos de securitização foram criados, permitindo que muitos pobres tivessem acesso às hipotecas. Gente que não sonhava ainda com a casa própria passou a comprar casas com preços crescentes, praticamente sem colocar capital próprio no negócio, usando apenas alavancagem. A pergunta que devemos fazer ao presidente é: esses especuladores estão sendo acusados pela crise também? Ou será que apenas especuladores ricos merecem críticas?
Comprar uma casa cujo preço está subindo faz tempo, sem colocar um centavo do próprio bolso, não é uma mega-especulação? O epicentro da crise está justamente nesse setor de hipoteca, estimulado pelos baixos juros do governo, e financiado por empresas que desfrutavam de garantia estatal, usando, como conseqüência, um grau absurdo de alavancagem. Não são esses especuladores todos – os compradores de casas e o próprio governo – que merecem mais críticas? Curiosamente, todos preferem concentrar a munição apenas nos especuladores de Wall Street. É mais fácil ter um bode expiatório, especialmente se ele for rico. No entanto, o fato é que muitos pobres especularam pesado, fazendo com que as hipotecas subprime atingissem um patamar insustentável. O castelo de cartas um dia tinha que desabar.
Até mesmo os especuladores que vendiam ações a descoberto, apostando corretamente no estouro da bolha, foram alvos de duros ataques, inclusive de medidas legais para impedir ou dificultar suas ações. As pessoas sempre mostraram uma tendência irracional de atirar no mensageiro da má notícia. Muitos leigos resolveram comprar ações aproveitando o oba-oba dos preços em alta, ignorando que se tratava de uma aposta arriscada, e quando chega a crise, partem para a busca de um culpado. Claro, são os “especuladores”. Mas por que será que esses que apostavam na eterna alta das ações não se enxergam como especuladores também? Ajudaram a jogar lenha na fogueira, e quando o fogo esquenta, a culpa é dos outros? Muitos compraram ações dedicando menos tempo e estudo do que quem compra um refrigerador. E depois não querem assumir responsabilidade alguma pelos seus atos?
Voltando ao discurso do presidente Lula na ONU, o “fundamentalismo de mercado” foi atacado também, e a solução proposta foi mais política. Por que o presidente ignora que a impressão digital da política está em todas as cenas do crime? Foram justamente nos setores mais regulados que os problemas foram maiores. Os “hedge funds”, com menos regulação, estão sobrevivendo, e alguns inclusive ganhando dinheiro com a venda de ações, que a política pretende vetar agora. As gigantes Fannie Mae e Freddie Mac eram semi-estatais, foram criadas pelo governo, e operavam com a garantia do governo. Os bancos de investimento eram bem mais regulados do que os “hedge funds”, e perderam muito mais. Logo, não faz sentido falar em mais política para resolver o problema e evitar crises futuras. O que precisamos é de menos política e mais livre mercado. E não devemos esquecer que os especuladores, ricos ou pobres, devem ser responsáveis pelos seus atos. Somente assim ficarão mais atentos aos riscos, e pensarão duas vezes antes de “comprar” uma casa usando 100% de crédito, ou especular nas bolsas como quem joga na roleta.
A culpa é dos especuladores? Em parte sim. Mas não apenas daqueles que o presidente Lula e todos os demais populistas usam como bodes expiatórios. E sim vários especuladores, incluindo sonhadores que acham que é fácil ficar rico num piscar de olhos sem ter que correr graves riscos, como até mesmo a bancarrota. Sem falar do principal especulador, o governo, cujos estragos podem ser bem maiores. Como disse Roberto Campos, “o bem que o Estado pode fazer é limitado; o mal, infinito”. Por isso devemos limitar ao máximo o poder de especulação dos agentes do governo. São esses que podem causar uma crise sistêmica.
por Rodrigo Constantino
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