quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Grampeando um Coelho

O articulista da Folha de São Paulo, Marcelo Coelho, escreveu, em 10/09/2008, um artigo que poderia-se dizer como sendo o texto de sua vida, ao falar das escutas telefônicas, chamado "Pânico de Gabinetes". Vamos a ele. Comento depois.


ASSUNTO DELICADO, esse dos grampos. Prometo ser cuidadoso no que vou falar aqui, mas eu tendo a discordar do espírito geral dos comentários feitos sobre o tema.

Estado policial, retorno aos tempos da ditadura, da Gestapo, da KGB? Comparações desse gênero viraram moda.

Preocupa bastante, é claro, a disseminação das escutas ilegais. Mas acho que estamos diante de um fenômeno novo, que não se confunde com a antiga realidade dos regimes totalitários.

Tome-se o exemplo da Alemanha Oriental, pátria da famosa Stasi; quem viu o filme "A Vida dos Outros" sabe o pesadelo que era aquilo.

Qualquer suspeito de ser opositor do regime tinha as suas conversas monitoradas.

Numa cena impressionante, uma velhota, vizinha de um cidadão suspeito, abre por acaso a porta do seu apartamento e percebe que um grupo de agentes policiais está no corredor, pronto para instalar os aparelhos de escuta.

O chefe dos arapongas se aproxima da velhota e avisa: se ela contar a alguém o que acabou de ver, sua neta perderá a vaga na faculdade. A velhota fica evidentemente quieta, não revela ao vizinho que ele está sob vigilância e se torna, na prática, cúmplice do regime.

Não é preciso dizer que toda conversa vagamente incriminadora, captada pelos agentes secretos, significa a prisão imediata do suspeito, que, com tortura ou sem tortura, assina uma confissão, é condenado ou provavelmente termina fazendo parte dos informantes do regime.

Para que esse modelo de Estado policial funcione, alguns pressupostos são necessários. O primeiro é que só a polícia detenha os equipamentos de espionagem. O segundo é que a informação passe a ser imediatamente utilizada pelo sistema repressivo. O terceiro é que esse sistema repressivo seja mais ou menos clandestino, ocorrendo à margem da Justiça oficial: cada prisão se assemelha a um seqüestro. O quarto é que, para ter qualquer coisa, emprego, moradia, estudo, o cidadão dependa do Estado.

O funcionamento da "grampolândia" hoje em dia é bastante diferente, e desconhece esses pressupostos.

Se as famosas maletas da Abin podem ser compradas com facilidade por qualquer pessoa, a conseqüência prática não há de ser uma hipertrofia do poder do Estado. A chantagem e a intimidação se tornam via de mão dupla. Os ocupantes do poder têm sido, aliás, mais vítimas do que algozes no processo.

Além disso, as práticas da "grampolândia" costumam ter como destino mais provável não o encarceramento do escutado, mas sim, por meio de vazamentos, as páginas dos jornais.

Tudo, nos tempos da Stasi e da KGB, terminava num porão. Agora, tudo se divulga à luz do dia. Crescem imensamente as ameaças à privacidade, mas a novidade está em que não parecem crescer, ao mesmo tempo, as condições para o surgimento de um Estado totalitário.

Na verdade, com todos os abusos que possam ser cometidos, uma autoridade grampeada é uma autoridade mais transparente, mais submetida ao controle da sociedade.

A escuta telefônica pode ser manipulada para destruir reputações; mas o perigo, aqui, vem antes das possíveis irresponsabilidades da imprensa do que de qualquer tentação totalitária do Estado.

Não é por acaso que tantos protestos contra o "terror policialesco" dos dias atuais provenham das altas esferas do poder. Se escândalos sexuais tomassem o centro das atenções -como acontece no caso dos tablóides britânicos-, a revolta teria razão de ser. Mas o que se noticia são, acima de tudo, negociatas suspeitíssimas com o dinheiro dos contribuintes.

O poder descontrolado da polícia, levando para trás das grades pessoas somente pela suspeita de irregularidades, deve ser coibido, é claro. Atentados aos direitos individuais não têm desculpa. Em que medida, entretanto, o respeito à esfera privada está ligado ao respeito à liberdade individual?

Câmeras de monitoramento se espalham por toda parte. Aumentar seu número é até promessa de campanha dos candidatos a prefeito.

E como esperar que forças policiais, diante de ameaças como o terrorismo ou o narcotráfico, deixem de usar a parafernália técnica que criminosos organizados podem comprar com facilidade?

Não gostaria de saber, é claro, que minhas conversas telefônicas são grampeadas. Costuma ser terrorismo a idéia do "quem não deve não teme". Tenho meus temores, como todo mundo. Mas acho que muita gente está atemorizada demais.


Voltei. Realmente, assunto delicado, esse dos grampos, mas dizer que as comparações viraram moda, é demais. Escuta telefônica ilegal é um problema político, nestes casos - com a ABIN e a PF servindo de KGB para os projetos totalitários do PT e seus aliados comunistas.

Piora, ainda, a próxima argumentação do Coelho, que tenta defender o indefensável quando diz ao leitor que "preocupa bastante, é claro, a disseminação das escutas ilegais. Mas acho que estamos diante de um fenômeno novo, que não se confunde com a antiga realidade dos regimes totalitários." Isto é o mesmo que dizer para que se eleja o mal maior, o mal extremo, e depois diga que o problema apontado por seu adversário não equivale àquele ápice. Isso fatalmente empurra o oponente para a admissão de que, de fato, não é algo tão grave. Pronto: você não tem razão e, por estúpido que seja, tem a chance de vencer o debate.

Tome-se, por exemplo, o fato de que os juízes, Brasil afora, têm concedido liminares impedindo a publicação de reportagens. Indefensável? Indefensável. Mas você pode dizer que "não devemos confundir essas liminares com a volta da censura prévia porque são coisas diferentes". São, claro. Mas para virar censura prévia, há uma linha extremamente tênue entre elas.

Então, Coelho aprofunda o pensamento delirante ao falar do filme "A Vida dos Outros" para que a escuta clandestina pareça algo menos grave, fazendo com que o leitor infira que, como o Brasil não é uma ditadura comunista - como a mostrada no filme e proclamada por ele -, os grampos não funcionam como numa ditadura comunista!

É claro que Coelho - como muitos "repórteres" - não acompanha, por descuido, conveniência ou conivência, os desdobramentos que vêm ocorrendo na América Latina desde a fundação do Foro de São Paulo, em 1990, e como, paulatinamente, as esquerdas têm tomado o poder em diversos países. Mas, prossigamos.

Coelho informa, ainda, que a "grampolândia" está sendo instalada em todo lugar, público ou privado, e que os ocupantes do poder têm sido mais vítimas que algozes, uma vez que o "destino mais provável não é o encarceramento do escutado, mas sim, por meio de vazamentos, as páginas dos jornais".

Ou seja, se a prática do grampo já se generalizou, sendo usado tanto pelo Estado quanto pela "iniciativa privada" ilegalmente, e o grampo não mais é usado para repressão, mas para a extorsão e a chantagem, não há um estado policial, seguindo o raciocínio do rapaz. E ainda, ao que parece, Coelho parece achar que um sistema em que todos espionam todos tem lá as suas virtudes. O que ele não deve saber que, segundo se estima, há 500 mil escutas legais (concedidas por juiz) em curso no país, mas não se tem idéia da quantidade das ilegais.

E ele ainda diz que "crescem imensamente as ameaças à privacidade, mas a novidade está em que não parecem crescer, ao mesmo tempo, as condições para o surgimento de um Estado totalitário."

Ora, sr. Coelho, vamos ao básico do marxismo, se é que o sr. não o sabe! O decálogo de Lenin já dizia que se deve "destruir a confiança do povo em seus líderes", "promover distúrbios e contribuir para que as autoridades constituídas não as coíbam", mas "falando sempre em democracia e es Estado de Direito, para que tão logo haja a oportunidade, o poder seja assumido sem nenhum escrúpulo" a fim de implantar a "ditadura do proletariado" - que, onde foi implantada, tornou-se um Estado totalitário.

Totalitariamente, Coelho afirma que "uma autoridade grampeada é uma autoridade mais transparente, mais submetida ao controle da sociedade"; pois é, esse é o Coelho cuidadoso. Imaginem quando ele for descuidado, quando realmente falar o que pensa, o tanto de bobagens que dirá? Não seria mais fácil exigir, em nome da transparência, que os despachos das autoridades sejam feitos com transmissão ao vivo - uma vez que existem tantas TVs públicas por aí (TV Senado, TV Câmara, TV STJ etc.)?

E a coisa piora quando ele fala das "irresponsabilidades da imprensa"! Coelho, embora tenha escrito para a imprensa, parece nada conhecer desta.

Se uma escuta sobre assunto público vem à tona, se foi entregue a um jornalista, a obrigação deste é divulgar. Reter a informação é que passaria a caracterizá-lo como parte do mundo do crime. Se existe uma autoridade sendo chantageada e se a imprensa sabe, sua obrigação é relatar. O jornalista não pode se tornar o dono daquela informação.

Assim, se a escuta é ilegal, um crime foi cometido na origem, mas não pelo jornalista, e tem de ser investigado; mas se a escuta é legal, feita no curso de uma investigação sigilosa, o dono do sigilo —a autoridade responsável que vazou a informação — é que tem de ser punido.

Por exemplo: Andréa Michael, uma jornalista da Folha foi grampeada pela Operação Satiagraha. Queriam mandá-la para a cadeia por causa de uma reportagem que foi considerada um alerta para Daniel Dantas. E aí, vem a pergunta que não quer calar: se Andréa estivesse no esquema do banqueiro, por que fazer a reportagem? Bastaria passar a informação ao empresário privadamente. Como se vê, não são apenas pessoas envolvidas em negociatas que estão sendo grampeadas.

E agora, atenção! Coelho, bom esquerdista que deve ser, tenta mais um truque retórico estúpido, dizendo que "o poder descontrolado da polícia, levando para trás das grades pessoas somente pela suspeita de irregularidades, deve ser coibido, é claro. Atentados aos direitos individuais não têm desculpa. Em que medida, entretanto, o respeito à esfera privada está ligado ao respeito à liberdade individual?"

Entenderam? Eu explico: ele nega, ou relativiza, que a “esfera privada” faça parte do capítulo das “liberdades individuais” e depois diz, então, que escuta telefônica não é ameaça às liberdades individuais. Não é fácil? Acho que ninguém se interessaria em grampear as conversas de Coelho. Mas, se alguém o fizer, sua primeira reação não será certamente de indignação ou raiva. No máximo, ele vai se perguntar: “Será que alguém invadiu os meus direitos individuais?”

Continuemos. É necessário afirmar que, quando Coelho diz sobre o aumento do número de câmeras de segurança, tais câmeras, em locais públicos, não vigiam a individualidade de ninguém; além disso, a comparação entre a invasão dos direitos individuais e o uso das câmeras que estão em locais públicos por parte da polícia é, novamente, pura retórica - é colóquio para adormecer bovino -, pois quem, afinal de contas, se opõe a que a Polícia tenha o devido aparelhamento técnico para combater o crime?

Coelho finaliza dizendo que "não gostaria de saber, é claro, que minhas conversas telefônicas são grampeadas. Costuma ser terrorismo a idéia do 'quem não deve não teme'. Tenho meus temores, como todo mundo. Mas acho que muita gente está atemorizada demais."

Ué? "Quem não deve não teme" agora é terrorismo? Então, os atemorizados demais devem alguma coisa? Ou será que, às portas do estado totalitário, será justamente o contrário: quem não deve é o que mais teme, porque tem visto, dia a dia, suas liberdades serem suprimidas pelo Estado e opiniões sendo emitidas por "jornalistas" que se infiltraram e vem tentando controlar os veículos de comunicação de massa, como ordenava Lenin em seu decálogo. Além disso, não sendo bandido, o indivíduo não sabe se comportar com o sangue frio dos profissionais. Se vê sua reputação ser enlameada, indigna-se, fica revoltado, protesta. Já o bandido profissional tem aquela gigantesca cara-de-pau. Se preciso, ele admite o crime menor para esconder o maior. Quando se vê sem saída, não tem dúvida: “Eu não sabia de nada! Fui traído”. E segue adiante!

Seja no estado policial, seja no estado em que a polícia e o órgão oficial de inteligência degeneraram numa luta de facções, quem mais tem a temer são justamente os inocentes. E quem vai responder por isso?

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