segunda-feira, 8 de setembro de 2008

40 anos de AI-5

O Jornal da Câmara, de 2/9/2008, lembra que neste dia, em 1968, o deputado pelo MDB, Márcio Moreira Alves, proferiu um discurso em que atacava a ditadura militar por ter invadido a Universidade de Brasília no dia 29 de agosto. No dia seguinte, 3/9, Moreira Alves voltou à carga e pediu aos pais que boicotassem as festividades do Sete de Setembro, não deixando seus filhos assistirem aos desfiles, e finalizou afimando que o Exército era um “valhacouto de bandidos”. Não se sabe porquê, a gravação original deste “pinga-fogo” de Moreira Alves sumiu misteriosamente da Câmara, segundo afirmou o ex-senador Jarbas Passarinho.

O Jornal da Câmara apresentou a opinião de outros palestrantes, além de Passarinho, que participaram do seminário “Brasil: 1968-2008”, ocorrido no Interlegis/Senado Federal, no dia 26 de agosto, com os historiadores Carlos Fico, da UFRJ e Estevão de Rezende Martins, da UnB. (Participaram do seminário, ainda, os cientistas políticos Paulo Kramer e David Fleischer, da UnB, e o jornalista José Nêumanne Pinto, do Estadão; o cineasta Wladimir de Carvalho não pôde comparecer ao evento, por estar sofrendo de forte dor de coluna.) Invertendo fatos históricos, Carlos Fico afirmou em sua palestra (a qual eu assisti) que a ditadura militar foi quem promoveu a violência em 1968, não os terroristas, ao invadir a UnB e censurar a peça “Roda Viva” de Chico Buarque, e que a fala de Moreira Alves foi apenas uma deixa para fechar ainda mais o regime. Como se pode deduzir, Carlos Fico, à moda de Habsbawm, analisa a História apenas sob a ótica marxista, pinçando fatos a seu favor:

28 de março - O estudante Edson Luís de Lima Souto, de 17 anos, é assassinado pela polícia durante protesto no restaurante universitário Calabouço, no Rio;

26 de junho - Cerca de cem mil pessoas ocupam as ruas do centro do Rio de Janeiro e realizam o mais importante protesto contra a ditadura militar até então. Dela participam intelectuais, artistas, religiosos e grande número de mães de estudantes;

29 de agosto - Invasão da UnB;

2 de setembro - Discurso de Márcio Moreira Alves contra a invasão da UnB;

3 de setembro - Novo discurso de Márcio Moreira Alves conclamando as famílias a não comparecer aos desfiles da Semana da Pátria;

12 de dezembro - Por 216 votos contrários, 141 a favor e 13 em branco, a Câmara dos Deputados nega o pedido para cassação de Márcio Moreira Alves;

13 de dezembro - O governo baixa o AI-5, que autorizava o presidente da República, em caráter excepcional e sem apreciação judicial a: decretar o recesso do Congresso Nacional; intervir nos estados e municípios; cassar mandatos parlamentares; suspender, por dez anos, os direitos políticos de qualquer cidadão, entre outros. Os deputados Márcio Moreira Alves e Hermano Alves, que escreveu uma série de artigos contra o regime no jornal Correio da Manhã, encabeçam a lista das 11 cassações.

O ano de 1968 contém uma agenda muito mais ampla e macabra do que a apresentada pelo Jornal da Câmara, que lista apenas as 7 datas acima (a conta do mentiroso...), muito bem escolhidas ideologicamente falando, pois foi nesse ano que começaram a proliferar muitos grupos terroristas, especialmente no Rio e em São Paulo, sob as ordens de Cuba, de acordo com o que foi deliberado pela OLAS, em 1966, fundada sob inspiração de Salvador Allende, para “criar vários Vietnãs na América Latina”, segundo afirmou Fidel Castro na ocasião. Com a morte de Che Guevara na Bolívia, em 1967, muitos estudantes latino-americanos queriam ser iguais ao guapo jovem de boina vermelha que havia se tornado um mito entre a estudantada.

Carlos Fico afirmou, ainda, que não havia necessidade de implantar uma ditadura para combater os grupos terroristas. Que isso poderia ter sido feito dentro do regime democrático. Jarbas Passarinho rebateu o historiador relativista no seminário aludido, afirmando que o habeas corpus, p. ex., mandava soltar terroristas sanguinários, como Carlos Marighela, e que havia, sim, necessidade de endurecimento do governo, com leis especiais, afirmando que a Colômbia “nunca editou seu AI-5” e o resultado aí está: as FARC já aterrorizam toda a nação há 44 anos.

Vejamos quais foram os principais acontecimentos de 1968, que justificaram a criação do AI-5:

1º de maio - em um comício na Praça da Sé, em São Paulo, o Governador Abreu Sodré e sua comitiva foram expulsos da tribuna, a qual foi utilizada por agitadores para ataques violentos ao Governo militar;

26 de junho - o soldado do Exército, Mário Kosel Filho, foi explodido pela VPR de Carlos Lamarca em uma guarita do QG do então II Exército, onde tirava serviço de sentinela. Nesse mesmo dia (mera coincidência?), realizava-se no Rio a “passeata dos 100 mil”, reunindo estudantes, padres, artistas, “intelectuais” e outros;

22 de julho - a VPR rouba 9 FAL do Hospital Militar do Cambuci, em São Paulo;

10 de agosto - a ALN de Carlos Marighela assalta o trem-pagador Santos-Jundiaí, ação que rendeu ao grupo NCr$ 108.000.000,00 e consolidou sua entrada na luta armada. O ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso, Aloysio Nunes Ferreira, foi um dos que participaram daquele assalto, fugindo em seguida com a mulher para Paris, com documentos falsos. Em Paris, o “Ronald Biggs” caboclo viria a participar da Frente Brasileira de Informações (FBI), criada em 1968 em Argel, Argélia, sob inspiração de Miguel Arraes, ligada a organizações de esquerda, de oposição ao governo militar do Brasil, órgão que tinha por objetivo promover a desinformatsya, tanto no Brasil, quanto no exterior. “Marcito pinga-fogo” também foi um ativo militante da FBI, junto com Fernando Gabeira e Francisco Whitaker Ferreira, Frente essa que teve o apoio ostensivo do guru marxista francês Jean-Paul Sartre e as bênçãos do bispo vermelho D. Hélder Câmara;

20 de agosto - foi morto por terroristas o soldado da Polícia Militar de São Paulo, Antônio Carlos Jeffery;

12 de outubro - a VPR assassinou o capitão do Exército dos EUA,
Charles Rodney Chandler, projetando-se perante as organizações terroristas nacionais e internacionais;

7 de setembro - foi assassinado o soldado da PM de São Paulo, Eduardo Custódio de Souza; e

7 de novembro - foi assassinado o Sr. Estanislau Ignácio Correa, ocasião em que os terroristas levaram seu automóvel.

Nesse mesmo ano de 1968, houve um crescendo na agitação estudantil de todo o País, fruto da “Revolução Cultural” implementada na China por Mao Tsé-Tung, com os famigerados “livros vermelhos”, que atingiu também Paris quase derrubando o Governo Charles de Gaulle, e pela OLAS de Cuba, como já foi citado acima. Em Paris, os estudantes eram influenciados pelas idéias neomarxistas de Marcuse e pelo líder estudantil Daniel Cohn Bendit, além de movimentos mundiais contra a Guerra do Vietnã, contestada principalmente pelos negros americanos.

Muitos estudantes, brasileiros ou não, queriam ser os “novos guevaras”, após o “martírio” de Che na Bolívia, em 1967. A agitação estudantil era insuflada principalmente pela Ação Popular (AP), pela Dissidência da Guanabara (DI/GB), pelo Comando de Libertação Nacional (COLINA), pelo Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), pela Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e pela Ala Marighela (posterior Ação Libertadora Nacional - ALN). Os principais líderes estudantis eram Vladimir Palmeira e Franklin Martins, da DI/GB, e José Dirceu, da ALN:

28 de março - foi morto no Rio o estudante Edson Luís de Lima Souto, em um choque de estudantes contra a polícia. Durante seu enterro, foi depredado um carro da Embaixada americana e incendiado um carro da Aeronáutica;

31 de março - uma passeata de estudantes contra a Revolução deixou 1 pessoa morta e dezenas de policiais da PM feridos no Rio;

19 de junho - liderados por Vladimir Palmeira, presidente da UNE, 800 estudantes tentaram tomar o prédio do MEC no Rio, ocasião em que 3 veículos do Exército foram incendiados;

21 de junho - no Rio, 10.000 estudantes incendiaram carros, saquearam lojas, atacaram a tiros a Embaixada Americana e as tropas da PM, resultando 10 mortos, incluindo o sargento da PM, Nélson de Barros, e centenas de feridos;

22 de junho - estudantes tentaram tomar a Universidade de Brasília (UnB);

24 de junho - estudantes depredaram a Farmácia do Exército, o City Bank e a sede do jornal O Estado de S. Paulo;

26 de junho - ocorreu a “passeata dos 100 mil”, no Rio, e o assassinato do soldado Kozel Filho, como já afirmado acima;

3 de julho - estudantes portando armas invadiram a USP, ameaçando colocar bombas e prender generais;

4 de julho - a “passeata dos 50 mil” tinha como principal bordão “só o povo armado derruba a ditadura”;

29 de agosto - houve agitação no interior da UnB, ocasião em que foi preso o militante da AP, Honestino Guimarães, presidente da Federação de Estudantes Universtários de Brasília (FEUB), o qual, desde então, foi dado como desaparecido. O deputado Mário Covas foi à UnB para lhe prestar solidariedade;

3 de outubro - choques entre estudantes da USP e do Mackenzie ocasionaram a morte de um deles, baleado na cabeça;

12 de outubro - realizou-se o XXX Congresso da UNE, em Ibiúna, SP. A polícia prendeu os participantes, entre os quais Vladimir Palmeira, José Dirceu e Franklin Martins. Nesse Woodstock tupiniquim, foram encontradas drogas, bebidas alcoólicas e uma infinidade de preservativos usados. Havia até uma “escala de serviço” de moças para atendimento sexual. Os líderes estudantis, em acordo com Marighela e com o governo de Cuba, haviam chegado à conclusão de que o estopim para a luta armada viria de uma prisão em massa de estudantes, envolvendo comunistas e inocentes úteis, e jogaria essa massa nos braços da luta armada;

15 de outubro - estudantes tentaram tomar o prédio da UNE, queimando carros oficiais. Fernando Gabeira participou do ato terrorista.

Para analisar aqueles “anos da matraca”, especialmente o quentíssimo ano de 1968, convém lembrar duas passagens de José Antonio Giusti Tavares, em seu livro "Totalitarismo Tardio - O caso do PT":

"Juízos de valor acerca de condutas do passado devem ser feitos não a partir de parâmetros éticos do presente, mas da contextualização da conduta na sua própria época, e nela, por comparação com condutas diferentes".

"Os historiadores e os cientistas sociais devem cumprir pelo menos dois requisitos básicos da epistemologia e da ética das ciências humanas:

1) evitar tanto quanto possível qualquer restrição ou seleção dos fatos brutos e,
2) ao apresentá-los, distinguir sempre, tanto quanto possível, entre fatos e interpretações".

Seria importante o Jornal da Câmara difundir todos esses fatos ocorridos ao longo de 1968, não apenas aqueles que atendam a algum propósito ideológico. No entanto, tenho que concordar com o jornal em pelo menos um aspecto: "a verdadeira história ainda não foi contada".

Por que a Câmara não começa, enfim, a contar toda essa história, de verdade, ao invés de contá-la pela metade, sonegando informações históricas importantes ao povo brasileiro?

por Félix Maier, em 06 de setembro de 2008

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