terça-feira, 24 de junho de 2008

Uma Republiqueta Fiscal

O Banco Mundial, em recente relatório, declarou que o País cresceu, em 2007, menos que a média dos países emergentes e continuará crescendo menos, no ano de 2008. Os números são decepcionantes para o governo Lula. Enquanto a média dos países emergentes foi de um crescimento de 7,4% do PIB, em 2007, e será de 7,1%, em 2008, o PIB brasileiro apresentou um crescimento de 4,8%, em 2007, e deverá crescer apenas 4,5%, em 2008. Nada obstante o presidente Lula esgrimir com dados estatísticos que lhe são contrários, como se fossem favoráveis, o Brasil, em seu governo, cresceu, nos primeiros cinco anos, menos que a América Latina e o Caribe. É de se lembrar que, nos períodos de crise recessiva mundial (1997-2002), o Brasil de Fernando Henrique elevou o seu PIB, no ano de 2002, em 2,7%, enquanto a América Latina e o Caribe tiveram um crescimento negativo de 0,5%. A partir da era Lula, a América Latina e o Caribe sempre estiveram a frente do Brasil, inclusive no ano de 2007, lembrando-se que a Argentina, com toda a crise decorrente do calote financeiro de alguns anos atrás, cresceu 7,8%, em 2007, e crescerá 5,7%, em 2008.
Em outras palavras, o governo Lula, por força do céu de brigadeiro da economia mundial, apresenta números absolutos melhores que seu antecessor e piores em números ponderados e comparativos. Cresceu, proporcionalmente em relação à economia mundial, menos do que o governo anterior, e só apresenta dados positivos ainda, porque copiou, rigorosamente, o modelo econômico de Fernando Henrique, no que diz respeito à política monetária.
Todo o drama brasileiro reside no fato de que o governo não tem projeto, sua política assistencialista e eleitoreira custa-lhe pouco (menos de 1,5% do orçamento federal), a política econômica reproduz o governo anterior e o inchaço da máquina administrativa atrasa o desenvolvimento brasileiro.
Em outras palavras, seu governo ostenta boas realizações (política monetária) e realizações originais (inchaço da máquina), sendo que as boas realizações não são originais (cópia do governo FHC) e as originais não são boas (o aparelhamento do Estado com sindicalistas e não concursados, o que torna a administração ineficiente e atravanca o progresso nacional).
Para sustentar esta incrível, esclerosada e adiposa máquina, que cresce na exata proporção das acomodações políticas para manter a instável e pouco confiável base aliada – constantemente levada às barras dos tribunais, por conduta incompatível com a moralidade pública –, o presidente Lula tem elevado, ano após ano, o peso dos tributos sobre a sociedade brasileira, que gera desenvolvimento e empregos, nada obstante todos os esforços da Administração Pública para atrapalhá-la neste desiderato.
Estou convencido de que o Brasil só não cresce no mesmo nível – detectado pelo Banco Mundial – da Índia (9,0% em 2007 e 8,4% para 2008), China (11,3% em 2007 e 10,8% para 2008), Rússia (7,5% em 2007 e 6,5% para 2008), porque o governo obstaculiza o crescimento. A retirada de recursos da sociedade através de tributos objetiva, primordialmente, assegurar o alargamento da máquina governamental, o festival de desperdícios em festas, cartões de crédito, empreguismo oficial e benesses "pro domo sua", sem na utilização de recursos – não para a saúde ou para investimentos em infra-estrutura no Brasil – mas para doações em benefício do governo cubano do ditador e homicida Fidel Castro, que nos idos de 50 assassinou, sem julgamento, nos famosos "paredons", milhares de seus irmãos de pátria. Desta forma, o contribuinte brasileiro é obrigado a pagar mais do que os contribuintes russos, chineses e indianos e de todos os países da América Latina e do Caribe. A política tributária no Brasil, portanto, é iníqua.
Compreende-se, pois, o esforço hercúleo da administração pública – hoje até com uma força tarefa encarregada de desestruturar o terceiro setor – para liquidar com aquelas entidades tornadas imunes pela Constituição, pois fazem elas o que o governo deveria fazer com os nossos tributos e não faz.
Assim é que instituições hospitalares como as Santas Casas de Misericórdia – que a Constituição pôs a salvo de tributos e que fazem mais pela saúde do que o governo brasileiro – estão sendo vítimas de perseguições tributárias, em face da necessidade pantagruelesca do Estado de retirar cada vez mais tributos do povo brasileiro. São melhores do que os hospitais públicos, assim como atendem mais à população do que o governo. Na visão apequenada dos áulicos governamentais, todavia, é melhor pisotear a Constituição e exigir impostos e contribuições destas entidades – reduzindo, pois, o serviços a serem prestados à sociedade – do que permitir que o terceiro setor continue fazendo bem o que o governo faz mal com os nossos tributos.
O mesmo ocorre com as faculdades e universidades federais e com o ensino público – de boa qualidade, no passado – e que se encontra deteriorado, nada obstante o esforço que reconheço no ministro Fernando Haddad, um dos poucos que se salvam, no emaranhado de aliados não confiáveis e de ocasião do presidente Lula.
No que diz respeito aos direitos do contribuinte, jamais foi ele tão maculado quanto na administração Lula. O direito de "ampla defesa", constitucionalmente assegurado (art. 5º, inciso LV), ano após ano torna-se menos "amplo", ao ponto de ter o Secretário da Receita Previdenciária e Tributária – pessoa inteligente, culta e de fino trato – mudado a composição dos Conselhos do Contribuinte, objetivando torná-lo um órgão homologatório de suas decisões. Autorizou, por outro lado, a Procuradoria da Fazenda Nacional a propor projeto de lei em que o Judiciário é excluído da execução fiscal, podendo a própria PGFN leiloar os bens, independentemente de autorização judicial, amesquinhando o direito do contribuinte, que, se recorrer ao Judiciário e sair vitorioso oito ou dez anos depois, receberá sem correção o produto arrecadado nos leilões judiciais, sempre em valor inferior ao de mercado. Passou-se, agora, a enviar o nome dos presumidos devedores ao Fisco à Serasa, intentando cortar seu crédito junto ao sistema financeiro e nas casas comerciais, reeditando-se, assim, procedimento da Ditadura Vargas (sanções de devedor remisso) que foi fulminado pelo STF. Seu único objetivo é, de resto, desestimular a discussão judicial e obrigar o contribuinte a pagar o que deve e, principalmente, o que não deve. Monta, ainda, operações cinematográficas, com a ajuda da polícia federal e do Ministério Público, contra os contribuintes, que são presos e têm sua imagem denegrida "sem sequer ter havido lavratura de autos de infração". Há inúmeras outras medidas cerceadoras do direito, que podem ser apontadas.
Paralelamente, cresce, preocupantemente, o nível da arrecadação federal. Bate recordes, mês após mês, para sustentar o inútil dinossauro estatal.
Com o nível de arrecadação que possui, à evidência, não precisaria o governo da CPMF, pois só em 2007 arrecadou além de suas próprias previsões, mais do que o valor arrecadado pela referida contribuição (uma vez e meia).
Por esta razão, Brasília não tem qualquer interesse na reforma tributária, pois, se a fizesse, correria o risco de perder sua participação no bolo fiscal, hoje em 60%.
Como Estados e Municípios desejam elevar sua participação, hoje de 40%, na arrecadação tributária, se vier um projeto de reforma tributária só haverá um perdedor: o contribuinte brasileiro, que a deseja para redução e não para aumento da carga.
Valem pouco as promessas do presidente da república, que, como dizia Roberto Campos, "apenas comprometem quem as recebe e não quem as faz". Tanto é assim que, apesar de ter prometido não aumentar o nível impositivo, nem ofertar novos pacotes, ao negociar com a oposição a aprovação da DRU, maculou sua credibilidade, lançando um pacote e elevando a CSLL e o IOF, poucos dias depois.
Com ameaças de cortes nas despesas do Judiciário, espera o governo compelir o STF a encontrar solução jurídica para manter os aumentos do início do ano.
O certo é que a palavra oficial não é confiável, a política tributária não existe – há apenas um fantástico e, muitas vezes, ilegal esforço de arrecadar mais, sem qualquer compromisso com o desenvolvimento nacional ou a justiça fiscal –, o País cresce pouco em comparação com seus concorrentes diretos entre os emergentes (Rússia, China e Índia), e quase nada se fez para a infra-estrutura. Já se vê o risco de apagão e aumento de mortes nas rodovias federais e outras deficiências da falta de investimentos públicos, nos últimos cinco anos.
Nesta republiqueta fiscal em que vivemos, em que os tributos são fundamentalmente destinados a sustentar uma máquina esclerosada, assim como os amigos de Cuba, da Bolívia e o futuro Banco de Chávez, a "sorte" do presidente Lula, com o sucesso da economia mundial em seu mandato, no qual o Brasil progrediu por força do "efeito maré", pode vir a mudar, se realmente o desenvolvimento mundial decrescer em 2008.
Para o bem do Brasil, gostaria que seu estilo de governo mudasse, o que é pedir muito. Torço apenas para que, pelo menos, sua "sorte" continue.


por Ives Gandra da Silva Martins, Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército-ECEME e Superior de Guerra-ESG, Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária - CEU.

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