Em conversas anteriores, o secretário-geral da ONU já demonstrou simpatia pela posição brasileira e revelou não ser uma visão generalizada do órgão apontar a culpa da inflação de alimentos diretamente para os biocombustíveis, apesar de mais de um relatório ligado às Nações Unidas ter batido na tecla. No entanto, Ki-Moon pretende ver sair desse encontro do Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO, sigla em inglês) soluções práticas além do tiroteio entre as acusações ao etanol e aos subsídios agrícolas dos países ricos, a posição brasileira.
O governo brasileiro devolve a acusação de politização do debate para os acusadores. "Para nós, excessiva politização são as pessoas que esquecem os subsídios agrícolas e o impacto do preço do petróleo e buscam nos biocombustíveis um fantasma para ser condenado", disse o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ao fim do encontro entre o presidente e Ban Ki-Moon. "Eu acho que o recado era para outros, os que ficam dizendo que os biocombustíveis causam o aumento de preços."
De acordo com Amorim, o comentário do diretor da ONU sobre politização valeu a resposta mais longa de Lula, que passou a explicar a intenção do governo brasileiro de sediar uma conferência em São Paulo, em novembro, para fazer a discussão "científica" do etanol. "O Brasil nessa questão é parte da solução, não do problema. Não tem que receber recados e lições de ninguém", disse o ministro. "Também o governo do presidente Lula ajudou muito ao assumir a liderança, sem nenhum temor, no combate aos subsídios agrícolas, principal arma de destruição em massa que mais causa fome no mundo."
Em entrevista no dia anterior a jornalistas brasileiros que o acompanham a Roma, o presidente já havia avisado que a defesa do etanol, o fim dos subsídios agrícolas e o preço do petróleo serão seus temas únicos daqui para frente nas relações internacionais - inclusive na reunião do G-8 em julho no Japão, para a qual decidiu ir.
Lula chegou a se definir como "o chato do etanol" e o tom de seu discurso hoje, na abertura da Cúpula da FAO, pretende ser "duro", especialmente no ataque aos preços do petróleo. O presidente chega a falar em "especulação no mercado futuro" do combustível e vai lembrar que, mesmo no Brasil, onde o petróleo representa apenas 46% da matriz energética, a atual cotação do barril, de US$ 145, chega a 30% do custo de produção de alimentos.
No encontro com Ban Ki-Moon, Lula informou extra-oficialmente ao diretor da ONU sobre a decisão do encontro dos países do Sistema para Integração Centro-Americana (Sica), na última semana, em El Salvador, de pedir às Nações Unidas uma reunião para debater o petróleo. De acordo com Celso Amorim, Ki-Moon mostrou interesse na idéia e pode levá-la adiante ainda este ano.
A reunião poderia ser uma tentativa de mudar o foco do ataque dos biocombustíveis para o petróleo, na guerra de acusações que se tornou a tentativa de encontrar a culpa pela inflação dos alimentos. Apesar de hoje praticamente só Brasil e Estados Unidos produzirem etanol - no caso americano, de milho - em escala industrial, boa parte da culpa passou a recair sobre os biocombustíveis desde que os alimentos começaram a subir.
A briga brasileira começou com a acusação de Jean Ziegler, então relator especial da ONU para o Direito à Alimentação, que chegou a classificar a produção de biocombustível como "crime contra a humanidade". Depois, as acusações foram secundadas por integrantes do FMI e repetidas por especialistas e parte da imprensa européia e americana.
A própria FAO aponta, em um de seus documentos, como responsabilidade dos biocombustíveis cerca de 20% da inflação de alimentos, relacionada especialmente com especulações de mercado. Um documento que está sendo preparado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e deve ficar pronto em julho quer colocar o etanol como responsável por 20% a 30% do aumento de preços.
A posição do governo brasileiro é de que as teorias serão difíceis de provar. A briga, no entanto, promete ser longa e solitária.
por Lisandra Paraguassú, no Estado de São Paulo, 03/06/2008
Vamos lá, já falei aqui sobre o problema do etanol brasileiro e o produzido lá no "império" (como gostam de dizer os esquerdistas): esta crise está ligada diretamente às barreiras protecionistas feitas pelos governos dos outros países produtores de biocombustível - especialmente no caso dos EUA, que produzem etanol a partir do milho.
Lula está certo neste ponto - ou, pelo menos, extremamente bem assessorado - quando diz que os países devem dar fim aos fortes subsídios agrícolas existentes. Tanto que ganhou apoio do diretor-geral do Fundo das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), Jacques Diouf, e do diretor-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, na abertura da reunião de Cúpula do órgão, em Roma. Em seu discurso de abertura, Ki-moon pediu o ajuste de tarifas para permitir o livre comércio e uma rápida solução da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), dizendo que "precisamos agir para uma resistência de longo termo e contribuir para uma segurança alimentar global. Isso significa eliminar taxas de comércio que distorcem os mercados".
Ban Ki-Moon afirmou ainda que "acima de tudo, ninguém pode entender como, primeiro, os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) criaram uma distorção tal no mercado mundial com US$ 372 bilhões gastos em 2006 para apoiar sua agricultura. Depois, que o desperdício de comida em um único país pode chegar a U$ 100 milhões por ano; finalmente, que em 2006 o mundo tenha gasto U$ 1,2 trilhão em compras de armas. Com esse cenário, como podemos explicar para pessoas de bom senso e boa-fé que não é possível encontrar US$ 30 bilhões por ano para permitir que 862 milhões de pessoas famintas possam ter o mais fundamental dos direitos humanos: à comida e, conseqüentemente, à vida ?", criticando explicitamente as políticas protecionaistas dos países desenvolvidos e sustentando as constantes solicitações de ajuda humanitária que têm sido feitas a todos os países desenvolvidos e em desenvolvimento.
É o que sempre digo aqui: os governos que se metem aonde não devem - leia-se aí, o livre mercado, principalmente -, metem os pés pelas mãos! Poucas áreas da economia são mais atingidas por leis protecionistas do que a agricultura - tanto nos países pobres quanto nos ricos.
Quando o governo tenta resolver o problema da fome, como o soviético e o chinês fizeram durante o comunismo, temos a fome de milhões como resultado inevitável. O mercado de produção de alimentos deve ser livre, para que os preços sirvam como instrumento de informação aos agentes, que poderão assim fazer cálculos racionais e atender a demanda. Se há mais demanda por conta do enriquecimento de milhões de chineses e indianos, os preços deverão subir mesmo, para que sirva de alerta aos produtores e os incentive a realizar maiores investimentos produtivos. Isso não ocorre, no entanto, quando os governos usam e abusam de uma panóplia de cotas, subsídios, tarifas e proibições, que tem desencorajado o muito necessário aumento na produção de alimentos e vem distorcendo a formação dos preços.
Neste ponto, faço minhas as palavras de Lula da Silva: "É sacanagem pura, malandragem pura de quem não tem competência para competir com o Brasil".
Nenhum comentário:
Postar um comentário