Primeiro, o artigo publicado na Folha de São Paulo. Comento depois.
Superestimar critérios documentais tem levado alguns historiadores a dizer que a esquerda não lutou por uma causa democrática
NO ARTIGO publicado nesta Folha em 19/05 ("Falácias sobre a luta armada na ditadura", "Tendências/Debates") [reproduzido aqui], Marco Villa rediscute a ditadura, atribuindo responsabilidades pela emergência do autoritarismo em 1964 tanto à direita quanto à esquerda. A abordagem dissocia as esquerdas das conquistas democráticas.
A superestimação dos critérios documentais, em detrimento de conseqüências políticas democráticas que não constituíam proposta predominante no discurso da esquerda armada, tem levado alguns historiadores a afirmar que a esquerda lutou contra a ditadura, mas não por uma causa democrática. Ou seja, a direita e a esquerda eram antidemocráticas. A primeira defendia a ditadura militar, e a segunda, a do proletariado.
A tese ignora que uma ação política pode gerar resultados não intencionais de grande repercussão. Assim, a luta armada contribuiu para o enfraquecimento da ditadura e o retorno da democracia, em que pese as intenções iniciais de seus agentes.
Muitos grupos de esquerda simpáticos à luta armada antes de 1968 não desprezavam a luta política e somente após o AI-5 escolheram o caminho militarista. A barbárie repressiva não foi uma resposta à luta armada, embora esta tenha sido utilizada como justificativa para o recrudescimento da política repressiva, que foi ampliada desde 1964 de acordo com a resistência da sociedade, da qual fizeram parte os grupos de esquerda.
A ampliação do autoritarismo após 1968 foi antecedida por instabilidades políticas e crises nas Forças Armadas. O ambiente de contestação se expressou na Frente Ampla e na derrota do governo no caso Moreira Alves, nas greves operárias em Osasco (SP) e Contagem (MG) e nas passeatas estudantis e protestos da classe média liderados pela esquerda.
A violência sempre foi cultivada pelos dirigentes militares, situando-se no centro da estratégia para consolidar o autoritarismo, cujo propósito era desmobilizar e despolitizar a sociedade e impor um modelo econômico que privilegiasse a rápida acumulação capitalista naquele contexto de Guerra Fria.
A escolha da força para obter obediência levou os órgãos de segurança a uma posição de destaque. Os órgãos da polícia política eram um dos núcleos centrais do poder. Destacava-se o SNI, comandado por generais do Exército, entre eles Golbery, o seu criador em 1964 e idealizador da distensão posteriormente executada por Geisel, chefe da Casa Militar de Castelo Branco, que negou a existência de abusos cometidos pelo regime e primeiro presidente a admitir, após deixar o cargo, a tortura como meio necessário para obter confissões.
Os dirigentes buscaram ampliar as bases do regime com a liberalização, pois, além da eficácia econômica dos anos 70, emergia o problema da legitimidade. A distensão/abertura estava condicionada à institucionalização de um regime pós-autoritário com restrições democráticas. A retirada das Forças Armadas implicava sua substituição por um esquema civil de confiança baseado no partido do governo, de modo a preservar os interesses institucionais dos militares.
Um bom exemplo é a Lei da Anistia, aprovada em 1979, que não permitiu a revisão das ações do aparelho militar, protegeu sua autonomia e reforçou o sentimento de impunidade das Forças Armadas. A sociedade deixou de conhecer os agentes e as engrenagens da repressão, a instituição militar não foi colocada em debate sobre os papéis que vinha desempenhando na política e a opinião pública não discutiu os valores necessários à construção de uma democracia.
Todas as formas de luta contra a ditadura devem ser vistas como um direito legítimo contra a opressão política. Até Locke, o mais liberal dos liberais e um dos inspiradores das revoluções americana e francesa, sustenta que o povo tem o direito à resistência quando o Estado usa a força sem direito e sem justiça.
As regras não eram legítimas, como hoje são as da democracia, reconquistada após os projetos dos militares serem derrotados no campo institucional, a partir da pressão de uma ampla mobilização de oposição que se formou entre 1974 e 1985 e da qual participaram os grupos de esquerda.
Se a esquerda reconhece os equívocos da luta armada após 1968, a ela não devem ser atribuídas certas responsabilidades políticas cujo objetivo primeiro é enfraquecê-la moralmente como aliada do atual governo.
Artigo de Aloysio Castelo de Carvalho e Liszt Vieira, na Folha de S. Paulo, em 16/06/2008
Vamos lá:
O falacioso texto dos autores, ex-militantes de organizações armadas de esquerda (POLOP e VPR, respectivamente), é, certamente, para as mentes fracas dos admiradores das esquerdas e das ideologias ditas socialistas, que nada contestam ou só conhecem a "história" contada pelas esquerdas: os autores se esforçam para rechaçar a conclusão óbvia de que os terroristas queriam derrubar a ditadura militar para instaurar outra, a do proletariado (comunista) e tentam manter viva a lenda dourada criada em torno dos "heróicos guerrilheiros que sacrificaram tudo, altruisticamente, em nome da democracia".
Ora, sabemos pela História (isso mesmo, com H maiúsculo, que é a verdadeira História) que nem toda "direita" era favorável à ditadura instaurada. Mas sabe-se, também, que a totalidade dos direitistas apoiou a derrubada do governo de João Goulart, que articulava, junto aos militantes e intelectuais de esquerda, um golpe para a criação de um Estado socialista nos moldes da URSS/China/Cuba. Esta mesma direita, que esperava que os militares devolvessem o poder rapidamente aos civis e restabelecessem a normalidade constitucional, logo se dissociou do regime e passou a fazer-lhe oposição.
Ademais, a base de qualquer estudo histórico que se quer verdadeiro são as "fontes documentais" que eles querem "superestimadas". Se assim for, que dizer de documentos e depoimentos da própria esquerda que enfatizam a "glória" da luta armada, como aqueles reunidos por ex-esquerdistas (Daniel Aarão Reis e Jair Ferreira de Sá) no livro "Imagens da Revolução", que sequer remotamente falam em restaurar a democracia, mas em instituir uma outra ditadura - mas que nunca, em qualquer momento, são citados pela "dupla dinâmica comunista"?
A falácia seguinte vem ao dizer que "a tese [de Marco Antônio Villa] ignora que uma ação política pode gerar resultados não intencionais de grande repercussão. Assim, a luta armada contribuiu para o enfraquecimento da ditadura e o retorno da democracia, em que pese as intenções iniciais de seus agentes."
Ora, o próprio parágrafo é ambíguo e mentiroso. Ambíguo porque associa a luta armada à ação política - e luta armada não é, de forma alguma, ação política, mas, sim, ação criminal. Mentiroso porque a verdadeira ação política feita para o enfraquecimento da ditadura foi aquela feita pelo extinto MDB, principalmente a partir de 1974. Mais ainda: segundo os canalhas, a luta armada não queria mesmo a restauração da democracia, queria mesmo a ditadura do proletariado ("em que pese as intenções iniciais de seus agentes"), mas foi ela que, a longo prazo, "contribuiu para o enfraquecimento da ditadura e o retorno da democracia".
Assim, vendo novamente a História, sabemos que tal ação armada somente contribuiu para o recrudescimento da ditadura. Basta atentar-se aos fatos, às datas: a luta armada ocorreu, principalmente, entre 1965 e 1974, quando foi desmantelada. E é exatamente nesse período que o regime militar se consolidou, sobretudo após 1968, com a instituição do AI-5. É somente após a destruição dos grupos guerrilheiros, em 1974, que o regime começa a dar sinais de fraqueza, e ocorre, paulatinamente, o processo de abertura política. Assim, o enfraquecimento da ditadura nada teve a ver com a luta armada.
Outra falácia está no parágrafo que diz que "muitos grupos de esquerda simpáticos à luta armada antes de 1968 não desprezavam a luta política e somente após o AI-5 escolheram o caminho militarista". Aqui, eles praticamente reescreveram a História. Embora seja verdade que as ações armadas se intensificaram após 1968, é uma mentira afirmar que foi somente após o AI-5 que tais grupo esquerdistas tenham feito sua opção pelo caminho da revolta armada.
Em 1961 - três anos antes do contra-golpe, em pleno regime democrático, portanto -, as Ligas Camponesas de Francisco Julião mantinham vários acampamentos de guerrilha espalhados pelo país, e muitos de seus integrantes iam regularmente fazer treinamento guerrilheiro em Cuba. No período 1964-1968 surgem as principais dissidências armadas de esquerda, como a ALN (em 1967), a VPR e o PCBR (ambos em 1968). Em 1966, a AP realiza a primeira ação terrorista do período: o atentado à bomba contra o general Costa e Silva no aeroporto do Recife, em 25 de julho, que deixou dois mortos e dezenas de feridos.
E é bom lembrar que o PCB, de Luiz Carlos Prestes, desencadeou a primeira tentativa de revolução armada comunista no Brasil, em 1935. E nos anos 50, em pleno governo constitucional, o partido estimulou uma guerrilha camponesa na região de Trombas e Formoso (GO). Este tipo de guerrilha ocorre até hoje, com o PT, principalmente, dando resguardo ao MST.
Apesar do blá-blá-blá dos parágrafos seguintes - a velha cantilena esquerdista para tentar distorcer os fatos -, há que fazer um destaque especial quando os autores dizem que "os dirigentes buscaram ampliar as bases do regime com a liberalização, pois, além da eficácia econômica dos anos 70, emergia o problema da legitimidade". A liberalização, nos anos 70, ocorreu após 1974, como já dissemos, pois as esquerdas armadas e "revolucionárias" haviam sido dizimadas. Então, a legitimidade dada ao contra-golpe, que garantiu uma liberdade vigiada à sociedade como um todo - e a punição aos maus brasileiros que queriam o regime ditatorial comunista no país - realmente não mais era necessária. E a oposição, novamente numa ação política legítima, exigia cada vez mais que o processo de redemocratização fosse posto em prática e, friso mais uma vez, não porque houve qualquer participação armada das esquerdas recalcitrantes ideologicamente.
Seguem, então, os beócios, afirmando que "a Lei da Anistia, aprovada em 1979" "não permitiu a revisão das ações do aparelho militar (...)". É Verdade. Mas também é Verdade que perdoou os crimes cometidos por ambos os lados. Tanto, que muitos políticos e intelectuais que militam por aí para tentar reinstalar a ditadura do proletariado no Brasil, como Dilma, Tarso Genro, Zé Dirceu, Frei Betto, Genoíno etc, tiveram seus crimes perdoados - e ainda recebem gordas indenizações, que nós pagamos com nossos impostos, por terem sido "presos políticos" na época.
Ademais, seguindo ainda pelo parágrafo, somente os néscios esquerdistas que sequer leram as dezenas de livros escritos sobre a ditadura, podem dizer que "a sociedade deixou de conhecer os agentes e as engrenagens da repressão". Os nomes dos torturadores, e seus métodos, até mesmo pela hegemonização da História do período militar pela esquerda acadêmica, são todos conhecidos. Ao contrário de muitas ações da esquerda armada no período, como os chamados "justiçamentos" - o assassinato a sangue-frio de militantes por seus próprios companheiros de luta armada, por simples suspeita de traição, como ocorreu com "Elza Fernandes" -, sobre os quais, até o momento, a esquerda prefere manter um silêncio de pedra. Somente há que se concordar quando dizem que "a opinião pública não discutiu os valores necessários à construção de uma democracia", uma vez que esse debate foi e continua sendo monopolizado, há uns trinta anos, pela esquerda - agora seguindo mais os ensinamentos de Antônio Gramsci ao invés de Marx/Engels -, que de democrática tem muito pouco.
Quanto à citação a Locke, sequer vou comentar. Aliás, vou: é pura farfalhice, querendo associar a luta armada - que queria a ditadura totalitária, repito - com as idéias de um liberal. A idéia é recorrente entre os "intelequituais" das esquerdas: dizer que a luta armada servia para demonstrar a insatisfação da população, que tinha ideais mais liberais e democráticos, com o regime da ditadura.
Sabemos, pela História, que esta é uma canoa furada e que a população desqualificava qualquer direcionamento ideológico neste sentido - basta lembrar da Marcha da Família com Deus, pela Liberdade, em resposta ao comício realizado no extinto estado da Guanabara em 13 de março de 1964 - durante o qual o presidente João Goulart anunciou seu programa de reformas de base - e que congregou, principalmente, segmentos da classe média, temerosos da instauração do regime comunista e favoráveis à deposição do presidente da República, que era simpático a tal regime (na certa crendo que seria ele o novo ditador, tal qual Fidel Castro).
A luta armada não passou de uma luta isolada, praticamente sem apoio da população - exceto daqueles simpatizantes já doutrinados pelos esquerdistas. Foi por isso que a sociedade buscou outras formas de resistência ao arbítrio dos militares, todas legais, como bem explica Marco Antonio Villa. A luta armada não se fez a partir das idéias de Locke ou de qualquer outro pensador liberal; seus referenciais eram os carniceiros comunistas: Lênin, Stálin, 'Che' Guevara, Mao Tsé-Tung, Fidel Castro.
Prosseguem os autores nas falácias, ao cair no próprio "conto do vigário", quando dizem que "as regras não eram legítimas, como hoje são as da democracia, reconquistada após os projetos dos militares serem derrotados no campo institucional, a partir da pressão de uma ampla mobilização de oposição que se formou entre 1974 e 1985 e da qual participaram os grupos de esquerda".
Viram? Já frisei a antítese ao que vieram dizendo no restante do artigo como um todo! Reconheceram que a "derrota" da ditadura deu-se não por causa das "consequências não-intencionais" da luta armada, que, repito, já fora extinta em 1974, mas sim no "campo institucional", principalmente no período entre 1974 e 1985, admitindo, ainda, que foi a ação da oposição que reconquistou a democracia.
Este é o "modus operandi" das esquerdas: distorcer as Verdades, propagando as mentiras. Ao dizerem que, pelo fato de o país ter vivido um período de autoritarismo, o que é uma Verdade, todos aqueles que se opunham ao militarismo governante eram democratas, uma mentira deslavada; inclusive que, a luta armada dos esquerdistas, por ser contra a ditadura militar (meia verdade), era profundamente democrática, o que é outra mentira deslavada. Já sabemos: eles não queriam a democracia, queriam a coletivização do povo brasileiro, ficando como os senhores de engenho no processo.
Finalizando, o último parágrafo é um clássico exemplo da doutrina gramsciana, que é o distorcimento das palavras, aquilo que Orwell, em seu 1984, chamava de "duplipensar": o que a luta armada fez não foram "equívocos" - ou como diria Lula, "erros dos companheiros" -, mas, sim, crimes, e que as esquerdas não os reconhece como tais, enaltecendo-os, reivindicando-os e tornando os criminosos à categoria de "campeões da liberdade".
Para quem acompanha as Verdades factuais, basta ver que os "mitos revolucionários" de outrora e as ações atuais das esquerdas estão intimamente ligados e não querem outra coisa senão aquilo pelo qual sempre lutaram: a implantação do comunismo no Brasil. Eles não têm qualquer moral para reivindicar, uma vez que querem-nos como gado num curral; portanto, não é possível "enfraquecê-los moralmente" como aliados de um governo que compactua com a formação de uma nação à moda da extinta URSS, junto com Chávez, Evo, Correa, Kirshner etc.
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