Na semana passada, foi exibida, pela Rede Globo, uma série jornalística sobre o transporte urbano. Não sei por que não me surpreendi (mentira, sei sim!) sobre a abordagem, cuja ênfase se concentrava em atribuir a culpa aos proprietários de automóveis particulares pelo caos no trânsito em que vivemos nas cidades brasileiras.
Bom, então, antes que os militantes estatólatras mais animados se empolguem em querer acertar meu carro com alguma pedra, somente por ter cometido o crime de lesa pátria por usufruir algo pelo qual tive (e ainda tenho) de pagar tantos tributos, sendo alguns criados justamente a pretexto de fornecer a infra-estrutura necessária ao seu uso, eu gostaria de aqui tecer algumas palavras em defesa dos usuários de automóveis e, por extensão, dos usuários de serviços públicos.
Desculpem-me, em tempo, isto é, antes que me digam que andar de ônibus é só uma questão de preconceito social. Perdoem-me por preferir o silêncio, o ar condicionado, o perfuminho automotivo de lavanda, os meus cantores prediletos, o conforto de ir aonde quero e a segurança da minha carteira e das minhas mulheres. Talvez, o certo, em prol da coletividade, fosse que eu me dispusesse a cheirar alguns sovacos vencidos; espremer-me em pé e contorcer-me com as manobras radicais de um motorista estressado; ouvir música brega a um nível sonoro ensurdecedor, acompanhada de arrancadas a mais de cem decibéis; sujeitar minha carteira a um afanão ou expor minha esposa ou minha filha às tentações de algum tarado covarde; ou ter de caminhar debaixo do sol quente em calçadas irregulares por três quarteirões para pegar o coletivo e depois mais três para sair dele e chegar ao meu destino. Na reportagem apresentada, tudo seria melhor para todos se eu fizesse tais pequenos sacrifícios, mesmo que - como ela própria tivesse demonstrado – uma mulher que adquirira um carro passasse a chegar antes ao seu trabalho do que quando fazia uso do ônibus!
Na mesma série jornalística, o repórter afirmou que o poder público não teria condições de investir em pavimentação de novas vias na mesma medida em que chegam novos carros todo ano nas frotas urbanas, mesmo quando mais de 40% de todo o meu suor vertido vá para as mãos do estado. Será então que, somente para que eu possa usar meu carro em uma avenida pavimentada, seriam necessários mais que 146 dias do meu trabalho em tributos?
Pareceu-me que nesta semana o tema é a água, e do tantinho do que vi já deu pra perceber: a culpa, de novo, é do cidadão! Por quê? Por que ele usa – demais – a água! Igualzinho como fez o governador Amazonino Mendes do Amazonas que, quando indagado sobre a má conservação da rodovia que liga Manaus à Venezuela, saiu-se com esta: a culpa era dos caminhões que, exportando produtos do Pólo Industrial de Manaus – estavam a desgastando! Calma, tem mais, esperem aí: Não foi o ministro Guido Mantega quem depositou nos passageiros a culpa pelo fatídico caos nos aeroportos? E pela nossa in-segurança pública, não foi o então governador Cláudio Lembo quem disse que era tudo coisa da nossa elite branca e racista?
Por aí se vê, sem precisar entender muita coisa sobre trânsito ou transporte - como é o meu caso - que a raiz da questão repousa menos em questões técnicas do que na mera eterna incompetência – ou descaso do estado. O estado que alega não possuir recursos para investir em pavimentação de novas vias é o mesmo que também deixa a polícia à míngua, derruba aviões, mata as pessoas nas filas dos hospitais, lhes entrega uma água de péssima qualidade, despeja esgoto não tratado nos rios e mares, e assim por diante.
Apesar de tudo quanto se retirou de recursos dos cidadãos, estes apertaram os cintos e ainda assim conseguiram investir, e isto não aconteceu somente comprando carros: foram erguidos novos edifícios, modernos e altos, novos shopping centers e novas indústrias; enfim, conseguimos, a muito custo, desenvolver a nação (ou não era pra fazer isto?), mas o estado simplesmente não acompanhou a iniciativa dos cidadãos, ainda que, a pretexto de procurar fazê-la, tenha exigido cada vez mais participação de nossas carteiras.
Enquanto isto, foi preferindo patrocinar filmes e peças de teatro, movimentos e ong’s suspeitas, criar um sem-número de órgãos sem finalidade somente para apadrinhar candidatos fracassados nas urnas e todas estas coisas que aparecem todos os dias nos telejornais. Curiosamente, aquelas coisas que estavam emperradas quando eram públicas, como a telefonia, passaram a acompanhar o ritmo da sociedade de tal modo que hoje já não constituem um problema. Hoje, salvo engano, já existem quase ou mais telefones do que cidadãos no país.
Oxalá venha o dia em que ele, o estado, permaneça sem fazer nada, mas que pelo menos deixe trabalhar quem se disponha a satisfazer tais necessidades dos cidadãos tais como montar linhas de metrôs, abrir avenidas, oferecer ônibus e micro-ônibus confortáveis, alugar carros ou outras soluções ainda mais inovadoras.
por Klauber C. Pires, em 20/05/2008, no Ratio Pro Libertas
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