A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), sancionada pelo presidente Fernando Henrique em 2000, foi feita para obrigar o governante a manter os gastos de sua administração dentro dos limites orçamentários. Antes da vigência da lei, Estados e municípios gastavam à vontade e, esgotados os recursos fiscais, emitiam títulos, acumulando dívidas imensas que oneravam as futuras administrações por gerações. Quando o estoque da dívida ficava elevado a ponto de as amortizações comprometerem a rotina administrativa, governadores e prefeitos pressionavam a União para que fosse feita a recomposição do débito - e tudo começava de novo. A última repactuação, concluída dias antes de a LRF entrar em vigor, beneficiou 25 Estados e 180 cidades de portes médio e grande. Tribunais de Justiça, Assembléias Legislativas e Câmaras de Vereadores, por sua vez, tinham suas próprias políticas de gastos, principalmente com pessoal, sem se importar com o impacto que elas pudessem ter sobre as finanças do Estado ou do município.
A Lei de Responsabilidade Fiscal atacou frontalmente esses dois pontos. Estabeleceu limites para os gastos de pessoal de todos os entes e poderes estatais, proibiu a contratação de empréstimos que ultrapassem o limite legal de endividamento de Estados e municípios e vedou qualquer tipo de novação das dívidas já consolidadas. Além disso, impôs severas sanções administrativas aos infratores dessas normas, agravadas depois por uma lei que transformou em crimes puníveis com cadeia os casos de irresponsabilidade fiscal.
Graças à LRF, nos últimos oito anos os governantes comportaram-se de uma maneira que antes era inimaginável: só gastaram o que tinham e podiam, ajustaram as despesas de pessoal do Executivo aos limites legais - com a exceção de Alagoas - e pagaram pontualmente a sua parcela da dívida pública, que permaneceu dentro dos limites fixados pelo Senado.
Também nesses oito anos não faltaram políticos a pregar a “flexibilização” da LRF, a pretexto de aumentar limites de endividamento ou de aliviar o serviço da dívida consolidada - mas sempre para ter mais dinheiro para gastar livremente, sem a preocupação de pagar as despesas já contratadas. Pregaram em vão, parecendo, assim, que estava consolidada, nos meios políticos mais responsáveis, a crença de que a base de uma boa administração é a responsabilidade fiscal.
Mas, no ano passado, por iniciativa da Secretaria do Tesouro Nacional, o governo enviou ao Congresso um projeto para corrigir o que parecia ser um excesso da LRF. A lei, hoje, não permite que Estados e municípios contratem empréstimo ou façam operações para reestruturar dívidas velhas, se qualquer dos Poderes estiver gastando com pessoal mais do que o permitido. Todos os Executivos estaduais, menos o de Alagoas, estão no limite, mas os Legislativos e Judiciários de 12 Estados, usando o (no caso) falacioso argumento da independência dos Poderes, não ajustaram suas despesas.
O governo federal, alegando que considera injusto que, por causa da irresponsabilidade do Legislativo ou do Judiciário, um Estado não possa levantar empréstimos, inclusive internacionais, para custear obras de infra-estrutura, decidiu revogar a proibição.
Na quarta-feira, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto do governo, mas com modificações que praticamente demolem as fundações da Lei de Responsabilidade Fiscal. A menos nociva das emendas - por si só devastadora - permite a contratação de créditos, mesmo que o Executivo, além do Judiciário e do Legislativo, não cumpram os limites com pessoal. O projeto, acrescido dessa emenda, foi aprovado pelos 342 deputados presentes.
Em seguida, 324 deputados, contra o voto solitário do deputado paulista Arnaldo Madeira, aprovaram emenda do líder do governo, Henrique Fontana, autorizando operações de reestruturação e recomposição do principal de dívidas, mesmo quando excedidos os limites com gastos com pessoal e os limites de endividamento fixados pelo Senado.
A primeira emenda não estabelece punições administrativas para os gestores, que assim ficam à vontade para aumentar salários e contratar pessoal. A segunda escancara as portas para o endividamento descontrolado de Estados e municípios. Se o Senado não brecar essa insensatez, a Lei de Responsabilidade Fiscal terá sido golpeada de morte.
Editorial do Estado de São Paulo, em 01/06/2008
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