O presidente Lula, em discurso nesta terça-feira, 06/05/2008, se queixou mais uma vez da tese de que o avanço dos biocombustíveis poderá prejudicar a produção de alimentos, dizendo: "É sacanagem pura, malandragem pura de quem não tem competência para competir com o Brasil.", em referência ao etanol de milho, produzido pelos Estados Unidos.
Então, vamos lá! Embora o Brasil, através da figura de nosso presidente, esteja comprando uma briga que talvez não seja de sua alçada, uma vez que muitos estão tentando culpar nossa produção de etanol pela fome crescente no mundo, por conta do aumento do preço dos alimentos, quem está realmente na mira são os Estados Unidos e a União Européia e, assim, precisamos ser justos: o presidente está certo, ao menos desta vez - e o que está certo, tem que ser dito, pois a verdade de nada se envergonha senão de estar oculta - e é mesmo um erro culpar nossa produção de biocombustíveis pela crise de alimentos no mundo.
Nos anos 1830, Richard Cobden e John Bright começaram uma campanha contra as leis protecionistas que estavam mantendo os preços dos alimentos em alta na Grã-Bretanha. Depois de suportarem o abuso por muitos anos, em 1846, eles convenceram o governo a revogar as infames Leis do Milho , uma mudança que ajudou o início de um longa período de prosperidade.
Os preços têm subido com constância nos últimos três anos, mas a questão só estourou neste ano. Desde janeiro, o preço do arroz subiu 141%, enquanto o do trigo quase dobrou em um ano. Num mundo no qual os pobres gastam três quartos do orçamento em comida, isso significa uma potencial situação de vida ou morte para um bilhão de seres humanos que vivem com o equivalente a menos de US$ 1 por dia.
Quando o preço de algo dispara, pode-se inferir que o abastecimento não está acompanhando a demanda. Na seqüência do atual choque dos alimentos, muitas pessoas centraram o foco nas causas do aumento da procura por comida. Todas elas - do crescimento econômico da China e da Índia à explosão dos biocombustíveis derivados de grãos nos países ricos - parecem muito plausíveis. Menos atenção tem sido dada ao motivo pelo qual a produção não está encontrando a demanda (na era da globalização, quando os produtos podem ir mais rápido dos produtores ao mercado, e com os avanços na biotecnologia isto jamais deveria estar ocorrendo).
Essas causas têm pouco a ver com economia ou demografia e tudo a ver com políticas de governo e com quem usa os governos para servir seus interesses - em detrimento daqueles do público geral.
Assim como no passado, esta crise está diretamente ligada às barreiras protecionistas que governos mundo afora criaram, impondo restrições às exportações de alimentos, oferecendo subsídios aos produtores locais ou interferindo de outras maneiras no livre mercado e poucas áreas da economia são mais atingidas por leis protecionistas do que a agricultura - tanto nos países pobres quanto nos ricos.
Quando o governo tenta resolver o problema da fome, como o soviético e o chinês fizeram durante o comunismo, temos a fome de milhões como resultado inevitável. O mercado de produção de alimentos deve ser livre, para que os preços sirvam como instrumento de informação aos agentes, que poderão assim fazer cálculos racionais e atender a demanda. Se há mais demanda por conta do enriquecimento de milhões de chineses e indianos, os preços deverão subir mesmo, para que sirva de alerta aos produtores e os incentive a realizar maiores investimentos produtivos. Isso não ocorre, no entanto, quando os governos usam e abusam de uma panóplia de cotas, subsídios, tarifas e proibições (destinados a conseguir votos e, basicamente, propinas), que tem desencorajado o muito necessário aumento na produção de alimentos e vem distorcendo a formação dos preços.
De acordo com a The Economist, dos 58 países cujas reações à crise têm sido acompanhadas pelo Banco Mundial, 48 impuseram controle de preços, subsídios ao consumidor e restrições a exportação. Um problema criado pelo protecionismo levou a uma resposta ainda mais protecionista na maioria dos países!
Como já disse, em circunstâncias normais de livre mercado, o menor sinal de que os preços estão subindo é suficiente para garantir que um grande capital seja investido na agricultura para a alimentação. Na atual confusão, não é surpresa que os investidores não estejam pondo dinheiro na produção de alimentos: fazendeiros na Europa são pagos para manter suas terras ociosas por causa de um sistema chamado Política Agrícola Comum; fazendeiros na Argentina estão sendo solicitados a abrir mão de 75% de seus ganhos por meio de vários tributos; fazendeiros nos Estados Unidos estão mais interessados em alimentar os veículos utilitários esportivos do que as pessoas porque o Congresso norte-americano determinou uma quintuplicação do uso dos biocombustíveis; e fazendeiros na África não estão fazendo testes como lavouras geneticamente modificadas porque elas são proibidas em muitos desses países que poderiam exportá-las.
O economista britânico e especialista em África Paul Collier escreveu recentemente que "a forma mais realística é copiar o modelo brasileiro de enormes agroempresas tecnologicamente sofisticadas que abastecem o mercado mundial. (...) Para conter a alta nos preços dos alimentos precisamos de mais globalização, não de menos".
Eu acrescentaria que os pequenos agricultores nos países em desenvolvimento também poderiam se unir e criar economias de escala se não estivessem limitados por leis domésticas destinadas a proteger os consumidores e por leis do comércio internacional destinadas a proteger os produtores - e de preferência, sem os abusos feitos pelo braço armado do PT no campo, o MST e congêneres!
A escassez de alimentos é, portanto, um resultado da ausência de livre mercado nesse setor. Nada tem a ver com a competitiva produção brasileira de combustíveis alternativos, que também deve ser deixada sob a responsabilidade do livre mercado, por sinal.
Assim, tudo exposto, sejamos imparciais. Embora nosso presidente faça muita bravata, fale muita bobagem e proteja a qualquer custo os "cumpanhêro" em suas falcatruas, no que diz respeito à crise de alimentos, o presidente está certo: é sacanagem pura usar como bode expiatório o biocombustível brasileiro.
compilado a partir dos artigos de Rodrigo Constantino e de Alvaro Vargas Llosa
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