Feliz o país que tem um governante amado pelo seu povo. Essa máxima, tida como verdade absoluta nos tempos em que se acreditava no poder divino dos reis, tem sido muito lembrada no Brasil de Lula, presidente com quase 70% de aprovação nas pesquisas. Ela é uma meia verdade. Governantes impopulares muitas vezes estão heroicamente sacrificando sua imagem em benefício de um objetivo maior para o país, cuja consecução exige remédios amargos. Da mesma forma, a história registra a ocorrência de inúmeros líderes carismáticos que usaram seu magnetismo com as massas para arrastá-las rumo a aventuras ruinosas. Ser objeto de adoração popular é sempre bom para o governante, mas nem sempre o é para o povo. Sempre bom para o povo é ter um governante com visão clara de futuro, sólida formação moral, vontade e possibilidade de fazer o que tem de ser feito para promover o bem comum. Para alguns aliados de Lula, ele deveria usar sua popularidade para esticar seu mandato ou, talvez, ficar no poder vitaliciamente. Lula poderia, também, usar sua popularidade para fazer as reformas do estado que precisam ser feitas e que não aumentariam, de imediato, sua popularidade. A saber, a reforma tributária e a trabalhista. Mas para isso é necessário pensar na próxima geração, e não na próxima eleição.
O fato é que Lula atravessa seu melhor momento. As pesquisas mostram que ele é dono de uma imensa popularidade (69,3% aprovam seu desempenho, de acordo com pesquisa do instituto Sensus) e também comanda um governo bem avaliado pela maioria dos eleitores (57,5% o classificam como ótimo ou bom). A seqüência de bons resultados na economia cria um ambiente natural de otimismo e ajuda a espalhar a impressão de que a vida dos brasileiros melhorou – o que é fato. O presidente, porém, acha que isso ainda é pouco. Ele quer chegar ao fim do segundo mandato com o governo avaliado no mesmo patamar de sua popularidade – em torno dos 70% –, o que, segundo seus conselheiros, lhe daria condições mais do que suficientes para eleger o sucessor, seja ele quem for, ou até ceder às pressões, às quais ele jura que vai resistir, para ingressar na aventura de tentar mudar a Constituição e viabilizar um terceiro mandato.
Lula recebeu os resultados da pesquisa na manhã de segunda-feira, quando participava de um evento do PAC, em São Paulo, onde também se encontrava o governador José Serra, um dos candidatos à sucessão presidencial. Há três meses o presidente viaja pelo Brasil inaugurando obras e anunciando o início de outras, solenidades sempre precedidas de comícios. Não é por acaso. Os marqueteiros do presidente tentam passar à população a idéia de que Lula e o governo nada têm a ver com as notícias negativas, como o escândalo do dossiê, a CPI dos Cartões Corporativos ou qualquer outra que porventura apareça. "O povo quer ouvir falar de obras, de energia, de coisas concretas", diz o senador petista Aloizio Mercadante. A estratégia de ligar a imagem do presidente com o que vai bem e afastá-la do que pode criar problema até agora tem sido bem-sucedida. "Pela primeira vez na história recente, todos os segmentos da sociedade estão satisfeitos com a situação econômica, desde o carente que recebe o Bolsa Família até o industrial que bate recorde de produção", analisa Carlos Augusto Montenegro, presidente do Ibope.
Além das viagens do PAC, que se estenderão até o fim do ano, o governo vai lançar, a partir da próxima semana, uma campanha publicitária para mostrar suas realizações. Com o mote "Mais Brasil para mais brasileiros", as peças vão custar até 30 milhões de reais. Aproveitando os bons ventos da popularidade, os marqueteiros oficiais também bolaram um esquema de divulgação formiguinha da imagem do presidente. A assessoria do Planalto envia fotos autografadas a eleitores e reserva boa parte da agenda para encontros com prefeitos, que posam ao lado de Lula e depois recebem uma cópia autografada. É uma bela peça de campanha para ambos. O resultado combinado de todas essas ações é que a última pesquisa registrou crescimento da aprovação do presidente em todas as regiões do país, independentemente dos níveis de escolaridade e de renda. É evidente que um ambiente assim acaba despertando instintos nada elogiáveis no coração e na mente de alguns áulicos.
Na pesquisa da semana passada, o instituto Sensus sondou os entrevistados sobre a possibilidade de mudar a Constituição e permitir um terceiro mandato para o presidente Lula e obteve 50,4% de aprovação à idéia. A questão é impertinente: na hipótese de a popularidade do presidente baixar muito, seria legítimo fazer uma pesquisa perguntando ao povo se estaria na hora de dar um golpe e tirá-lo do Planalto? O Sensus explicou que a inclusão da pergunta segue a tradição do instituto de pesquisar assuntos de momento. Tomando como base outro "assunto de momento", a morte da menina Isabella em São Paulo, o Sensus poderia, então, perguntar aos casais se eles acham bom mudar a lei de modo a se tornar permitido arremessar seus filhos pela janela. Os lulistas estão adorando a provocação. "Quando eu comecei com isso, Lula tinha 30%. Hoje, tem 50%. Quando chegar a 70%, eu apresentarei a emenda", disse o deputado petista Devanir Ribeiro, compadre do presidente e autor da idéia do terceiro mandato consecutivo. Esses 70% seriam apenas uma coincidência numérica entre o que pensam os marqueteiros e os planos de Devanir? A senha oficial pode até ser essa, mas é bom que os cortesãos olhem para o passado. O ex-presidente José Sarney chegou a ser unanimidade no auge do Plano Cruzado, em 1986. Terminou o governo debaixo de pedradas e foi buscar refúgio político no Amapá. Nos Estados Unidos, Bill Clinton concluiu seu mandato em 2001 com a popularidade beirando os 70%. Não conseguiu fazer o sucessor.
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