Ora, sabemos hoje, através da ciência - e da própria observação entre os indivíduos - que a verdade é exatamente o oposto: a natureza, que é hierárquica, cria todos os homens desiguais, e a sociedade, que homogeneíza, tenta fazer todos os homens semelhantes e luta para erradicar suas peculiaridades individuais. Ou seja: igualdade biológica não existe, sendo falacioso dizer que nascemos todos iguais ou que sejamos iguais pela natureza.
Em segundo lugar, não é verdade que a sociedade institucionalize as desigualdades. Pelo contrário: cada sociedade faz um esforço determinado para equalizar todos os indivíduos que a compõe, estabelecendo uma liguagem comum, com regras morfológicas, fonéticas e sintáticas rígidas. Ao mesmo tempo, regras de comportamento são estabelecidas e seguidas pela maioria - e aqueles que se desviam desses critérios sociais se torna excêntricos, rebeldes, e, em casos extremos, delinqüentes.
Mas os coletivistas, ou igualitaristas, tentam responder afirmando que não é identidade biológica que pretendem, ou que pretendia Rousseau, mas igualdade social e política.
Também isto é impossível: mesmo que nascimento ou riqueza sejam eliminados como fonte da desigualdade social, a sociedade tem os que governam, e portanto detêm poder político, e os que são governados, e, assim, continua sendo hierárquica, portanto, desigual. Fora da esfera política, nas ciências, nas artes, nos esportes, nas várias profissões, há sempre os que são melhores e se destacam (ou porque são mais bem dotados ou porque se esforçam mais) e não há como evitar sistemas de gradação e hierarquização. Nem mesmo a mais despótica coerção pode evitar que alguns tenham desempenho superior ao de outros. A desigualdade de desempenho e produção leva à desigualdade de compensação. Mesmo que o Estado procure deliberadamente suprimir toda e qualquer forma de distinção, as pessoas, individualmente, reconhecem os melhores médicos, professores, engenheiros, artistas, esportistas, etc.
Por outro lado, a igualdade econômica também não pode ser obtida, uma vez que, para que os indivíduos realmente consigam produzir aquilo que realmente podem, faz-se necessário o estímulo interior de competição, inerente a todos.
Pode parecer possível impor, através de uma série de medidas coercitivas (nacionalização de todos os meios de produção, abolição da propriedade privada e do direito de herança, eliminação de juros sobre o capital, e obrigatoriedade de salário único para todos), uma certa igualdade financeira, isto é, fazer com que todos recebam a mesma quantidade de dinheiro. Contudo, mais de meio século de comunismo nos mostrou ser praticamente impossível impor sequer esse tipo de igualdade. A experiência dos regimes comunistas tem comprovado que um certo nível de propriedade privada, inclusive dos meios de produção, de possibilidade de transmissão de bens por herança, de pagamento de juros sobre economias, de incentivo e diferenciação salarial são indispensáveis para a economia de uma sociedade.
Mas mesmo que a igualdade financeira fosse possível, ela não traria igualdade econômica. A área econômica tem outras dimensões além da monetária. Com a mesma quantia de dinheiro as pessoas podem usufruir diferentes tipos e níveis de bem-estar, fornecidos, por exemplo, em espécie. O dinheiro é apenas uma potencialidade que nos permite adquirir bens e serviços. Se é possível dispor de bens e serviços sem necessidade de dinheiro próprio, como é o caso entre os que governam, o dinheiro passa a significar pouco. Os governantes podem até ter salários semelhantes ou idênticos ao dos peões, mas via de regra dispõem de uma diversidade enorme de bens de alto custo e de serviços onerosos. Na verdade, sempre que se procura impor um certo nível de igualdade financeira entre governantes e governados, a tendência tem sido radicalizar as desigualdades (não financeiras mas certamente econômicas) inerentes ao poder.
Além disso, mesmo com quantidades idênticas de dinheiro, os indivíduos vão fazer coisas diferentes com esse dinheiro, e algumas dessas coisas vão dar melhor retorno, e, conseqüentemente, produzir novas diferenças.
A desigualdade (biológica, social e política, econômica e, por vezes, até de oportunidades) entre os homens é inevitável. Por outro lado, os bens materiais e sociais disponíveis são inevitavelmente limitados. Assim sendo, se for mantido um clima de liberdade na sociedade, uns sempre serão e/ou terão mais do que os outros (porque são mais capazes, ou se esforçam mais, ou têm mais sorte, ou tudo isso combinado). Nessas circunstâncias, é virtualmente inevitável que a maioria se sinta inferior a certas minorias, e que, em determinada circunstâncias, as inveje.
Veja o seguinte: o que costumamos chamar de felicidade nada mais é do que o estado criado pela satisfação dos nossos desejos. Se estes são satisfeitos, seremos felizes; caso contrário, não.
O progresso e o desenvolvimento humano não são frutos da felicidade, mas sim, do desejo insatisfeito - mas que se acredita poder satisfazer. São a ética e o comportamento daqueles que observam ou imaginam estados e coisas que não possuem, e resolvem atingi-los ou consegui-los, que produz o progresso e o desenvolvimento humano.
Em uma sociedade complexa como a nossa, uma das principais fontes a sugerir novos objetos de desejo à nossa imaginação é a visão de outras pessoas: a observação do que elas são, de como agem, do que possuem. Nesse processo, apercebemo-nos de que os outros são diferentes, que agem de forma diversa, que exercem outras atividades, que possuem coisas que não possuímos.
Essa percepção da diversidade dos outros não teria maior significado se não fosse freqüentemente acompanhada de uma avaliação: concluímos (com ou sem razão) que os outros são mais felizes do que nós; que são não só diferentes, mas melhores; que têm não só coisas diferentes, mas melhores e/ou em maior número; etc. Não é importante, neste contexto, que os outros realmente sejam mais felizes do que nós: basta que achemos que são.
Esse desejo de alcançar uma felicidade superior, que imaginamos que outros possuam, não é, em si mesmo, necessariamente negativo. Pode ser até positivo: o Homo sapiens estaria ainda aguardando uma mutação genética que lhe permitisse sair da era paleolítica se os humanos fossem totalmente insensíveis à superioridade da felicidade, real ou imaginada, dos outros. Na verdade, face à possibilidade de que os outros possam ser mais felizes do que nós, é possível assumir uma de três atitudes:
- Desejar ser como os outros, agir como eles, possuir as coisas que possuem - essa a atitude de emulação;
- Aceitar nossa (real ou suposta) inferioridade - essa a atitude de resignação;
- Desejar que os outros percam aquilo que têm e que gostaríamos que fosse nosso - essa a atitude de inveja.
A atitude de emulação é positiva. A emulação é, em parte, a mola propulsora do progresso e do desenvolvimento humano. Mas ela se torna realmente positiva e fonte de progresso quando gera no indivíduo o desejo de ser ainda melhor ou de ter ainda mais do que o outro: em outras palavras, quando produz nele o espírito de competição e concorrência. No esporte, por exemplo, não haveria muito progresso se alguns se contentassem em apenas emular o bom desempenho de outros. O progresso real não vem do desejo de ser bom: vem do desejo de ser ainda melhor, e, eventualmente, de ser o melhor.
A atitude de resignação é, de certa forma, neutra, podendo eventualmente assumir aspectos negativos e positivos. É a atitude de quem tem desejos insatisfeitos mas se conforma com a sorte. Não agindo, decididamente, para satisfazer seus desejos, o resignado, além de se contentar com não ser feliz, deixa de dar uma contribuição para o progresso e o desenvolvimento humano. Por outro lado, não incorrendo na inveja, não se sente mais miserável ainda por ver que outros alcançam aquilo que, desejando, não é capaz de obter, nem promove a involução humana, como a seguir se verá. A atitude de resignação leva, portanto, à estagnação.
A atitude de inveja, por outro lado, é negativa. A inveja, ao contrário da emulação, leva à involução. O invejoso quer, em regra, o infortúnio e a miséria daqueles que inveja, quer que aqueles que lhe são melhores se vejam reduzidos ao seu nível.
A inveja tem sido associada, historicamente, tanto ao sentimento de tristeza que a felicidade dos outros causa ao invejoso como ao sentimento de alegria que este sente ao ver a infelicidade (o infortúnio, a miséria) daqueles que inveja. Tanto um como o outro sentimento são conscientes, visto que envolvem razoável grau de cognição e avaliação. Mas o sentimento de inveja, não importa sua variante, jamais se admite como tal: é sempre ocultado, dissimulado, mascarado de algum outro sentimento.
Hoje em dia, o sentimento pelo qual a inveja pretende passar, a maior parte do tempo, é o de justiça - não a justiça no sentido clássico, que significa dar a cada um o que lhe é devido, mas a justiça em um sentido novo e deturpado, qualificado de "social", que significa dar a cada uma parcela igual da produção de todos - ou seja, igualitarismo. "Justiça social" é "dar a cada um uma parte proporcionada da renda coletiva, independentemente do comportamento individual", ou "sem consideração aos méritos e deméritos de cada um", ou apenas "segundo suas necessidades", não segundo o seu trabalho, para usar a fórmula marxista: "De cada um segundo suas habilidades e a cada um segundo suas necessidades".
Um postulado fundamental da "justiça social" é que uma sociedade é tanto mais justa quanto mais igualitária (não só em termos de oportunidades, mas também em termos materiais, ou de fato). "Justiça social" é, portanto, o conceito político chave para o invejoso, pois lhe permite mascarar de justiça (algo nobre, ao qual ninguém se opõe) seu desejo de que os outros percam aquilo que têm e que ele deseja para si, mas não tem competência ou élan para obter. O objetivo da "justiça social" é transformar todos em iguais, não só no sentido formal (em que todos são iguais, por exemplo, perante a lei), mas também no sentido material (em que todos são, de fato, iguais).
Quando organizada e levada às últimas conseqüências, a inveja, travestida de "justiça social", com o igualitarismo como seu objetivo, conduz ao autoritarismo estatal e mesmo à força e à violência para expropriar os invejados daquilo que têm e que os invejosos, não podendo produzir ou obter por meios legítimos, preferem roubar ou destruir.
Um dos maiores malefícios psicológicos da "inveja igualitária" é levar os mais brilhantes membros da sociedade a tentar esconder sua competência, ou a lhe empanar o brilho, para que não se tornem vítimas da inveja destruidora. Numa sociedade dominada pela ideologia igualitarista, é comum que as pessoas sejam levadas a quase se envergonhar de sua competência e de seu dinamismo. As grandes e reais vítimas da sociedade igualitária, ou que aspira à igualdade, são seus membros mais competentes. São os que estão acima da média que perdem no afã de reduzir todos à média niveladora.
Os partidos políticos que defendem o igualitarismo, o coletivismo, aqueles inspirados pelo marxismo e pelo gramscismo, adotam hoje a tática de chegar ao poder, não através do apoio maciço do proletariado, mas sim através da cooperação dos chamados intelectuais, entre os quais se incluem homens de letra, artistas, jornalistas e professores universitários.
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