segunda-feira, 5 de maio de 2008

Dois Totalitarismos

"Atrevo-me a dizer que as ditaduras de esquerda são piores, pois contra as de direita pode-se lutar de peito aberto; quem o fizer contra as de esquerda acaba acusado de reacionário, vendido, traidor".
Jorge Amado

Imaginem a seguinte situação: um grupo de jovens, empunhando suásticas e outros símbolos nazistas, marcha pelas ruas, entoando slogans xenófobos e racistas, venerando Hitler e pregando abertamente o ódio racial e a intolerância contra as minorias (judeus, migrantes, negros, gays etc). Ocupam espaços na mídia, criam sites na internet e conquistam simpatizantes em setores importantes da sociedade, como as artes e a universidade. Reúnem-se, organizam-se em partido político e lançam candidatos nas eleições. Enfim, crescem e agitam, preparando-se para o assalto ao poder.

Assustador, certo? Nenhum cidadão respeitável, cumpridor das leis e pagador de impostos, deixaria de se sentir perturbado ante cena semelhante. Acredito também que qualquer pessoa normal, se se considera verdadeiramente democrata, cogitaria da possibilidade de se proibir tais manifestações, ou, pelo menos, mantê-las sob estrita vigilância policial, como ocorre hoje, por exemplo, na Alemanha. Afinal, a democracia não pode se dar ao luxo de permitir que seus inimigos a utilizem para destruí-la. A serpente deve ser esmagada ainda no ovo.

Agora imaginem a seguinte situação: um grupo de jovens (embora manipulados por gente velha), empunhando bandeiras vermelhas com o símbolo da foice e do martelo (ou uma estrela vermelha, ou um sol amarelo) marcha pelas ruas, entoando slogans bolcheviques e anticapitalistas, venerando Lênin e pregando (abertamente ou não) o ódio entre as classes e a intolerância contra o pensamento discordante. Ocupam espaços na mídia, criam sites na internet e conquistam simpatizantes em setores importantes da sociedade, como as artes e a universidade. Reúnem-se, organizam-se em partido político e lançam candidatos nas eleições. Enfim, crescem e agitam, preparando-se para o assalto ao poder.

Terrível, certo?

Se você não hesitou em responder afirmativamente ao terminar de ler o primeiro parágrafo deste texto, mas vacilou em concordar com essa última conclusão, você não está só. Na verdade, você faz parte da imensa maioria dos que se recusam a ver qualquer equivalência entre duas ideologias totalitárias – o nazi-fascismo e o comunismo –, enxergando mesmo superioridade moral do segundo sobre o primeiro. E isso apesar de você se considerar (e provavelmente ser) um democrata. Como democrata, você sente uma repulsa instintiva pelo nazi-fascismo. Mas busca matizar sua ojeriza (se a tiver) pelas idéias bolcheviques, e crê mesmo que eles, os comunistas, têm afinal um papel a desempenhar para o "aperfeiçoamento" da democracia. Se for este o caso, sinto dizer, mas você está enganado. Terrivelmente enganado.

A nenhuma pessoa razoavelmente inteligente e com um mínimo de honestidade escapa o fato de que os crimes e atrocidades nazistas – como o extermínio de 6 milhões de judeus – constituíram um dos capítulos mais negros da História. No entanto, a mesma repulsa e indignação moral não costumam tomar conta do cidadão comum diante dos crimes igualmente monstruosos dos comunistas.

Durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, quando as democracias do Ocidente se aliaram à URSS de Stálin contra Hitler, muitos levaram a aliança para além de seu significado tático, fechando os olhos voluntariamente para as atrocidades soviéticas. Mais recentemente, a mesma cegueira se revelou após a publicação, em 1997, do Livro Negro do Comunismo, que aponta para o número assombroso de 100 milhões de mortos pelas ditaduras comunistas no século XX – mais do que a soma total das vítimas das ditaduras de direita. Na ocasião, os comunistas e seus simpatizantes questionaram os números apresentados. Diante da avalanche de evidências históricas, porém, passaram a bater em outra tecla: os mortos pelo nazismo caíram vítimas de uma ideologia racista e assassina; já os que morreram sob o comunismo ou eram "burgueses" e "contra-revolucionários" (logo, mereceram a sorte que tiveram, como os camponeses da Ucrânia) ou eram inocentes, mas ainda assim tinham de morrer, pois o ideal que os torturava e matava era, afinal, belo e puro...

Entre nós, esta teoria do "totalitarismo preferido" (na feliz expressão de Jean-François Revel) lançou raízes profundas. Por estas plagas, os comunistas, ao contrário dos nazistas, ainda são levados a sério. Mais que isso: são mesmo considerados ardentes democratas e paladinos da liberdade. Como no Brasil, até 1985, os comunistas foram perseguidos, nos acostumamos a crer que sua luta é pela democracia, um erro crasso. Daí porque um "comunista histórico", como Oscar Niemeyer – um stalinista empedernido – ainda seja reverenciado por sua opção política, e não apesar dela (a propósito, alguém aí já viu uma homenagem pública a um "nazista histórico", por exemplo?). Aqui, comunistas, de carteirinha ou não, são tratados como celebridades, escrevem artigos auto-laudatórios e comparecem sorridentes a programas de TV, onde fazem juras de amor à democracia, e ninguém os questiona. Uma situação realmente surreal.

É preciso dar um basta a essa lengalenga. Os neonazistas são cúmplices morais dos crimes cometidos por Hitler e Goebbels. Os comunistas e seus simpatizantes são cúmplices morais dos crimes de Stálin, Mao Tsé-Tung, Pol Pot e Fidel Castro. Esta é a realidade.

Qual a origem deste duplo padrão? Afinal, trata-se de duas ideologias totalitárias, baseadas no controle total do Partido-Estado sobre quaisquer aspectos da vida social e individual. Ambos os regimes, o nazi-fascista na Alemanha e Itália e o comunista na URSS e depois no Leste Europeu, China e Cuba, usaram e abusaram do terror e da repressão política, exterminaram populações inteiras em tentativas radicais de engenharia social (no caso do nazismo, visando à "pureza de raça"; no do comunismo, à sociedade comunista perfeita). Em ambos houve culto da personalidade, censura, tortura, campos de concentração. Ambos mataram, exterminaram, trucidaram. Constituíram, enfim, aquilo que Alain Besançon chamou de "A Infelicidade do Século". E, ainda assim, há quem veja virtude em um deles.
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O que explica o duplo padrão moral no tratamento dos dois tipos de totalitarismo? Vamos tentar desvendar este enigma.


Uma primeira explicação, de caráter ginasiano, é que nazismo e comunismo seriam ideologias inimigas. Isto seria evidenciado pela invasão da URSS pelas tropas hitleristas em 1941, pelos milhões de mortos na guerra que se seguiu, pela epopéia de Stalingrado etc. Sem mencionar o Pacto Hitler-Stálin de 1939, que dividiu a Polônia entre os dois ditadores e foi a causa imediata da Segunda Guerra Mundial, o qual revelou a cumplicidade tácita entre os dois regimes totalitários, é preciso lembrar sempre que o fato de serem ideologias concorrentes não elimina do nazismo e do comunismo suas características comuns. A principal delas, qualquer pessoa com um nível intelectual acima do amebiano poderá facilmente perceber, é o desprezo pela democracia, tida por ambos como uma mera formalidade burguesa. É esta, e não o totalitarismo rival, que constitui o inimigo principal das duas ideologias totalitárias. Em outras palavras, os comunistas, parafraseando Arthur Koestler, são antifascistas, mas não são antitotalitários. Logo, esta explicação não cola.

Mesmo assim, como os comunistas sempre dispuseram de um formidável aparato de propaganda a seu serviço, essa visão maniqueísta e simplória se enraizou na América Latina, graças à dicotomia Fidel Castro-Augusto Pinochet. Ambos os ditadores, o cubano e o chileno, se tornaram uma espécie de substitutos cucarachas de seus predecessores alemão e soviético. Como se sabe, Fidel matou muito mais que Pinochet e, ao contrário deste último, que já partiu desta para melhor (ou pior), ainda continua no poder. Entretanto, ainda há quem o considere um "bom ditador", assim como Stálin. Quando Pinochet morreu, no final do ano passado, milhares de pessoas, dentro e fora do Chile, celebraram nas ruas, e várias personalidades brasileiras fizeram declarações afirmando que o falecido não deixaria saudades. Vejamos o que dirão quando morrer Fidel.

Descartados esses argumentos, resta a seguinte explicação: ao contrário dos comunistas, os nazistas não escondem seus objetivos. Afirmam abertamente que querem destruir a democracia e substituí-la por uma ditadura da "raça", não deixando espaço para ambigüidades ou contemporização. Os comunistas, por sua vez, agem de maneira mais sutil, reivindicando mesmo o monopólio da virtude e dos valores democráticos. Ou seja, apresentando-se como aquilo que não são – como democratas, defensores da paz e da liberdade –, os comunistas buscam demarcar seu terreno da ideologia irmã nazi-fascista, ao mesmo tempo em que tentam instrumentalizar a democracia para atingir seus objetivos antidemocráticos. Enquanto estão na oposição, procuram utilizar ao máximo as facilidades da democracia, dizendo-se mesmo seus defensores ferrenhos. Onde quer que conquistaram o poder, porém, trataram sempre, no dia seguinte, de varrer a democracia do mapa, pois esta já tinha cumprido sua função, que era levá-los ao poder. Foi assim onde quer que os comunistas tenham chegado ao governo por meio de eleições, como na antiga Tchecoslováquia, ou mediante uma revolução inicialmente democrática, como em Cuba. E quase foi assim no Brasil e no Chile.

Além disso, ao apelarem para um ideal universal – uma sociedade justa e igualitária, ao contrário do ideal exclusivista de pureza racial dos nazistas – os comunistas dispõem de um álibi perfeito. Os nazistas falam coisas odiosas, como expulsar os imigrantes, limpeza étnica etc. Já os comunistas são mais simpáticos: falam em igualdade, justiça social... O nazismo é execrado – corretamente – por ser uma ideologia bárbara e genocida. O comunismo é igualmente bárbaro e genocida, mas é "romântico". Seus crimes, mesmo que em maior número do que os dos nazistas, serão sempre perdoados, pois estão cobertos pelo véu da utopia. O nazista é quase universalmente condenado - mais uma vez, corretamente - com adjetivos como "implacável" e "desumano". O comunista, por sua vez, é louvado por sua "perseverança" e "coerência". Ainda que tenha praticado roubos e assassinatos, o militante comunista será visto sempre com uma aura de respeitabilidade que o nazi-fascista jamais terá. Afinal de contas, ao contrário dos nazistas, seus crimes foram cometidos com as melhores das intenções... Assim, o assassino sempre terá uma boa desculpa, e poderá mesmo culpar a vítima, acusando-a de tê-lo obrigado a assassiná-la.
Da próxima vez que você deparar com um comunista ou simpatizante do comunismo falando em democracia e direitos humanos, saiba que você estará diante de um grande tolo ou de um grande ator, e que tudo que ele disser a respeito é apenas auto-engano ou fingimento. Puro teatro, nada mais.

publicado no Blog Do Contra

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