“Enquanto não aplicarmos o terror sobre os especuladores – uma bala na cabeça, imediatamente – não chegaremos a lugar algum!”.
A recomendação radical foi feita pelo revolucionário Lênin, incitando seus camaradas comunistas à violência contra os “especuladores”. Felizmente, parece que o uso da força física na batalha das idéias saiu um pouco de moda, à exceção de alguns grupos minoritários, como os baderneiros do MST. Mas isso não quer dizer que a agressão moral contra estes bodes expiatórios de sempre tenha desaparecido. Pelo contrário. Desde Shakespeare, com Shylock representando o ícone desses “desalmados agiotas”, o ódio contra os financistas e especuladores nunca esteve tão alto. Eles são o alvo preferido de quase todos quando o assunto é apontar culpados pela atual crise financeira. Mas será que há bons fundamentos por trás disso?
Um dos melhores artigos que li sobre as origens desta crise foi uma carta aberta aos colegas de esquerda, escrita por Steven Horwitz, do departamento de economia da St. Lawrence University. Escrita de forma bastante didática, a carta conta com inúmeros dados e argumentos mostrando que não foi o livre mercado que falhou, pois a crise ocorreu justamente em um dos setores com mais intervenção do governo. Logo no começo da carta, Horwitz esclarece sobre a confusão comum de se culpar a ganância pela crise. Como o autor nos lembra, o problema com essa explicação é que a ganância sempre esteve presente nas interações humanas. Seria como culpar a gravidade pela queda de alguém. Por acaso os demais setores, além do financeiro, não são movidos por ganância? Não foi a ganância de Michael Dell que fez com que todos pudessem desfrutar de computadores mais baratos? Não foi a ganância dos acionistas da Pfizer que fez com que todos tivessem acesso ao Viagra?
As empresas buscam maximizar seus lucros, e isso é justamente a garantia do progresso, de melhores produtos e serviços para os consumidores. Não há nada de errado nisso. Desde Adam Smith, em 1776, sabemos que não devemos esperar nossa comida da benevolência dos açougueiros, e sim da busca de seus próprios interesses. Somente alguns românticos, que se negam a encarar a realidade da natureza humana, podem ignorar um fato tão evidente como esse. Os homens são gananciosos! Os empregados que lutam por maiores salários estão sendo gananciosos, assim como os empresários que tentam obter mais lucro. Os trabalhadores não labutam diariamente por altruísmo ou por amor abnegado ao patrão. No livre mercado, cada um que pratica uma troca voluntária está de olho na própria utilidade. Não há nada de mal nisso. E o mesmo vale para os tais “especuladores”, que no fundo exercem a importante função de arbitragem, além de prover mais liquidez aos mercados.
A questão se complica um pouco quando as instituições governamentais alteram os incentivos, estimulando um risco maior do que o normal. E foi exatamente isso que aconteceu na crise imobiliária americana. Podemos encontrar as digitais do governo em todas as cenas do “crime”. Para começo de conversa, as hipotecárias gigantes Fannie Mae e Freddie Mac eram empresas semi-estatais, criações do governo que contavam com garantias do governo. Na década de 1990, o Congresso afrouxou as restrições de crédito dessas empresas, para aumentar sua habilidade de emprestar em áreas mais pobres. Em 1994, o Community Reinvestment Act, de 1977, foi renovado, obrigando os bancos a emprestar certo percentual do total em suas comunidades locais, especialmente quando eram comunidades pobres. O Congresso explicitamente pressionou as hipotecárias na direção de mais empréstimo para expandir a posse de casas no país. Os incentivos políticos distorceram a alocação de capital, contribuindo para a criação da bolha imobiliária. A política de baixos juros mantida durante longo período pelo Federal Reserve jogou gasolina no fogo.
Em 2004 e 2005, com os escândalos contábeis da Fannie Mae e Freddie Mac, as empresas aceitaram expandir seus empréstimos ainda mais para clientes de baixa-renda. Ambas aceitaram comprar montantes maiores de crédito subprime, estimulando a oferta por parte dos bancos. De 2004 a 2006, o percentual de empréstimos nessas categorias mais arriscadas cresceu de 8% para 20% de todas as novas hipotecas. Sem dúvida os bancos e especuladores foram gananciosos ao apostar nesses produtos mais arriscados, assim como os indivíduos de baixa-renda que assumiram tais hipotecas. Mas não podemos ignorar que eles estavam respondendo aos incentivos criados pelas intervenções do próprio governo. Não foi o livre mercado que gerou essa situação, mas a intervenção estatal. Quando algumas empresas erram suas apostas isoladamente, isso faz parte do capitalismo, de seu processo de “destruição criadora”. Mas quando todos erram ao mesmo tempo, podemos dizer com quase certeza que há o dedo do governo nisso.
O curioso disso tudo é que as mesmas pessoas que condenam a ganância dos indivíduos e apontam as falhas de mercado, defendem mais intervenção estatal, ignorando que por trás do governo estão indivíduos gananciosos e imperfeitos também. Ora, por que o burocrata todo-poderoso seria clarividente e abnegado, ao contrário dos empresários e especuladores? Essa crença numa espécie de “deus governo” não faz sentido lógico algum, tampouco conta com respaldo empírico. É justamente o contrário: os grandes estragos foram causados quando o governo concentrou poder demais. É quando as grandes corporações podem usar o governo para forjar suas próprias regras e criar privilégios que os efeitos mais negativos ocorrem. Diante dessa realidade, como pode a esquerda pregar mais poder concentrado no governo? A ingenuidade de que algum “messias salvador” chegará ao poder para combater esses males beira à infantilidade.
A solução é reduzir a influência do governo, para garantir a livre concorrência, forçando os agentes a direcionar sua ganância para atender da melhor forma possível os consumidores. O casamento entre governo e empresas é o verdadeiro inimigo, e somente reduzindo o poder do primeiro podemos mitigar este perigo. Atacar a ganância em si não leva a lugar algum, além de confortar emocionalmente aqueles que precisam de um bode expiatório para suas perdas. Esta retórica costuma ser muito utilizada por oportunistas em busca de mais poder. O melhor exemplo talvez seja o próprio Lênin, que conseguiu derramar um rio de sangue com seus discursos ideológicos inflamados. Atualmente, novos oportunistas viram sua munição contra os especuladores, com o objetivo de conquistar mais poder. Podem usar uma linguagem mais sutil, mas o alvo continua o mesmo, assim como os motivadores. E se eles forem bem-sucedidos nessa cruzada contra os especuladores, desviando o foco dos erros do governo, os grandes perdedores serão os mais pobres, exatamente como aconteceu na revolução de Lênin. A ganância mais perigosa não é a dos especuladores, mas sim a dos políticos.
por Rodrigo Constantino, em 01/10/2008
Nenhum comentário:
Postar um comentário