terça-feira, 28 de outubro de 2008

Entrevista Pong-Pong

Fiz um vermelho-e-azul (...) com Maria Victoria Benevides, como viram, a intelectual do PT apresentada apenas como uma cientista política. Está aí abaixo (...). Sim, um pouco e a levei a sério, outro tanto recorri à pena da galhofa — não contem com a tinta da melancolia, reservada apenas a assuntos mais sublimes do que a política, como a luta do Ser contra o Não-Ser Universal, por exemplo. Mas não duvidem: Maria Victoria, se tratada como sintoma ou como um programa político não explicitado, é coisa séria. Em sua entrevista à Folha — foi inaugurado o estilo pong-pong: o entrevistado fala, e o entrevistador radicaliza — , é evidente que ela faz pouco caso da democracia, que, entende-se, só é virtuosa quando as aspirações de seu partido — ou, mais amplamente, da esquerda — são contempladas.

Vejam lá. Aquela senhora disse coisas muito graves, mormente porque é uma professora universitária e, vá lá, tem o pensamento como uma de suas obrigações — recebe do estado para ensinar e para orientar os jovens. Já explorei o suficiente a tolice de tentar encaixar as clivagens contemporâneas na camisa-de-força dos partidos que havia no Brasil pré-64, como se, naquele período, se tivesse plasmado o caráter nacional, e o presente não fosse senão caudatário daquelas contendas. É um raciocínio energúmeno, que elimina a história. No tempo em que PSD, UDN e PTB disputavam a hegemonia política, o Brasil tinha mais de 60% da população no campo — hoje, mais de 80% dos brasileiros estão nas cidades. Mas não só. O Brasil de 1980, que viu nascer o PT, já não existe, com a diminuição da importância da mão-de-obra industrial na economia e... na política. O pong-pong foi só uma manifestação regressiva do marxismo mais bocó, uma espécie de “Dois Perdidos Numa Tese Velha”.

Então ela é irrelevante? Não! Não é, não. Não podemos perder de vista, por exemplo, a caracterização até certo ponto correta que Maria Victoria fez de seu partido. Mas falo disso mais adiante. Antes, quero alertar para algo que me parece bem interessante.

Maria Victoria não é uma “uma”, mas uma legião, como diria a Bíblia. Ela vocaliza uma cultura interna: a do seu partido. E o seu partido, não resta dúvida, reconhece apenas formalmente a legitimidade dos adversários eleitos. Voltem à entrevista e vejam como ela caracteriza Kassab e o governador José Serra — que não tem origem na direita, ela reconhece, mas estaria se “endireitando”. Para ela, o DEM-PSDB só venceu as eleições porque teria conseguido distorcer a compreensão do povo — que, deixado à sua própria natureza, votaria em Marta. É como se o trabalho da Prefeitura nesses quatro anos não tivesse existido. O resultado das urnas foi só o produto da má consciência.

Ora, quais são os desdobramentos de tal abordagem? O primeiro, obviamente, é a baderna que o partido promove nos vários setores da administração quando quem está no poder é um adversário. Ora, Maria Victoria é a prova de que eles não reconhecem a legitimidade do “outro” apenas porque “outro”. Para esta gigante, não existe uma institucionalidade que iguale os adversários em direitos e obrigações, embora eles possam divergir radicalmente sobre todos os assuntos. Ora, numa disputa ética, os oponentes combinam em não divergir sobre uma coisa aos menos: as regras do jogo.

Com o PT não é assim. Vejam o exemplo de setores da Polícia Civil de São Paulo, ora sob comando da CUT e da Força Sindical. Sabem que sua reivindicação é impossível — como eram todas as feitas pelos servidores federais no governo FHC. Mas e daí? “A questão é política, companheiro”. O governador foi unanimemente tratado pela imprensa, e é óbvio e correto, como o grande vencedor individual das eleições de 2008. Uma vitória conseguida nas urnas, com o apoio do mesmo povo que serve sempre para santificar Lula. Mas está às voltas com um grau de radicalismo dos setores sindicalizados da Polícia Civil que beira o grotesco. Haverá o momento em que alguém vai se lembrar de apelar ao PCC, como se fez em 2006? Fiquemos atentos. Se o "outro" é ilegítimo porque "outro", que mal há em sabotá-lo?

E agora...E, agora, vamos a uma percepção de Maria Victoria que não deixa de estar correta. Reproduzo: “O PT nacional se beneficiou enormemente das políticas regionais e municipais no governo Lula. O PT no resto do Brasil está ligado a propostas e projetos locais, nos quais o conteúdo ideológico é muito pequeno, e a presença da classe média também. Essa classe média forte, organizada, com imprensa, universidades, pequenos e médios empresários, é imensamente mais forte aqui. Dificilmente existe, no resto do Brasil, essa rejeição forte e absoluta ao PT que existe em São Paulo.

Nem eu diria com tanta propriedade. O país que vai acima é o paraíso dos petralhas. O PT viceja, assegura Maria Victoria, onde a classe média é pequena, fraca, desorganizada, sem imprensa, sem universidades, sem pequenos e médios empresários. Nesse caso, assegura-nos a petista, a rejeição ao PT é menor. Ela tem razão: o PT está se tornando dependente do pobrismo. Com efeito, comunidades prósperas não suportam o petismo.

“E Lula nesse contexto?” Lula é outra história, e o próprio Lula sabe disso. Maria Victoria acerta também quando diz que o Apedeuta fez políticas para beneficiar os muito pobres e os muito ricos: a uns, deu Bolsa Família; a outros, deu Bolsa Juros. Até os mais entusiasmados com a política econômica apareceram ontem na TV recomendando que se diminuam os gastos com juros... Num extremo, populismo; no outro, financismo. Mas aqui já estamos falando de outros quinhentos, que vão cobrar a sua conta um pouco mais tarde.

Concluo
Maria Victoria revela-nos um entendimento da política que dá de ombros pra democracia e vê nela um desvio se as urnas não referendam os nobres desígnios que esses “progressistas” têm para o povo. E olhem que estamos falando de eleições municipais. Imaginem se o PT não conseguir inventar um candidato viável para 2010. Os legionários de Maria Vitória vão tentar reagir. Afinal, nem ela nem eles entenderam ainda a democracia. Resta o quê? Vou perguntar ao prefeito Gilberto Kassab se o Haldol está na lista do programa "Remédio em Casa". Se não estiver, tem de entrar. E se poderá fazer um favor a Maria Victoria Benevides.

A CIENTISTA POLÍTICA Maria Victoria Benevides, 66, avalia que Gilberto Kassab não venceu a eleição porque sua aprovação é alta, e sim porque a rejeição a Marta Suplicy é muito forte. "Kassab não provocou nenhuma rejeição. Isso não significa que ele seja bom: significa que as pessoas eram indiferentes a ele".

Professora titular da Faculdade de Educação da USP e autora de "O Governo Kubitschek" (1976), "A UDN e o Udenismo" (1980), "O Governo Jânio Quadros" (1981) e "O PTB e o Trabalhismo" (1989), entre outros livros, Benevides afirma que Kassab é apenas um político fabricado pelo governador tucano José Serra -"ele é uma espécie de Pitta que deu certo"- que conseguiu reunir todas as vertentes da direita paulistana em sua batalha contra o PT.
A abertura de uma entrevista deve ser uma síntese do que vai no resto. Até aí, bem. Contestarei na seqüência a bobajada dita por esta senhora. Mas acho que o texto de Puls omite dos leitores, e isso pode ser um pouco vergonhoso, que Maria Victoria Benevides é militante do PT, é quadro do partido. Mais: pertenceu à tal Comissão de Ética Pública — que costumo chamar de “Começão de Ética Pública” — do governo Lula durante o mensalão. Eis a Maria Victoria Isenta que agora vai pensar o Brasil. Eis Maria Derrota Malevides.

FOLHA - Kassab começou no PL, um satélite do PFL, mas logo ingressou no próprio PFL, que aqui em São Paulo reunia herdeiros da UDN. É possível dizer que a "direita udenista" conseguiu substituir a "direita populista" representada por Maluf?
Não é uma pergunta. É uma tese. Puls está ainda preocupado com a UDN... Que Maria Victoria, com 66 anos, esteja disposta a remoer o passado e a decretar que nada de novo existe sob o sol, vá lá. Que Puls, com 40 e poucos, esteja nessa... Bem, isso é problema dele, e idade física não é sinonimo de idade intelectual. São Paulo tem hoje 11 milhões de habitantes. Tudo mudou na cidade — e, a rigor, no Brasil desde 1964. Com quem está o setor financeiro da economia brasileira, por exemplo? Qual foi o partido que recebeu as doações mais generosas do que ambos chamariam “direita brasileira” em 2006? O PSDB? O DEM? Não! Foi o PT. O PT de Maria Victoria Benevides. A tese é tão picareta, que, para definir onde está a UDN, seria preciso dizer onde estão o PSD, o PTB, o Partidão... Ou só a UDN, como a direita que precisaria ser exorcizada, sobreviveu?

MARIA VICTORIA BENEVIDES - A direita udenista certamente está com Kassab, mas Kassab não é fruto da direita udenista, mas dos liberais que vieram da esquerda do antigo MDB e da oposição à ditadura. É por isso que é muito difícil estabelecer claramente uma definição de sua identidade política. Nós podemos falar do DNA dele: o DNA dele, com toda a certeza, é de direita, mas um mix da direita udenista com a direita pessedista. Mas basta ver quem o fabricou politicamente: foi José Serra, que está longe de ter um DNA de direita udenista. Ele vem da esquerda e depois evoluiu para uma posição liberal.
Eu juro que não tinha lido esse trecho da resposta antes de escrever a minha objeção à pergunta de Puls. Quanta besteira! Quanta vigarice intelectual! Como se lê, a história nada mais seria do que uma repetição do mesmo; a velha tolice marxista, tornada clichê, decalcada de O 18 Brumário... A história se repetindo como farsa. E o DNA de Marta, qual é? O da esquerda revolucionária? Se Benevides quer se comportar como geneticista política de um indivíduo, tem de atentar para as origens de sua adversária. A candidata que exibe o líder operário Ivo Rosset, dono da Valisère, como um de seus mais caros aliados é o quê? Aliás, ela deveria ter levado ao ar imagens de seu casamento, de que ele foi padrinho, um verdadeiro sonho da Ilha de Caras, como exemplo de seu compromisso com a classe operária. Ou Malevides vai agora me acusar de preconceito contra a classe burguesa?

Kassab é apoiado hoje por uma parte importante do antigo Partidão [PCB], por uma parte importante do antigo movimento sindical. Isso não tem nada a ver com a direita udenista, mas, numa escolha em dois turnos, ele ficou com a direita udenista, a direita malufista, a direita janista e a direita adhemarista. Conseguiu reunir não só a direita udenista, mas todo o conjunto conservador das direitas de São Paulo, mais os tucanos liberais, dos quais a maioria não tem origem na direita, mas que acabaram se "endireitando" no governo.
Meus Deus! É o feitiço do tempo. Janismo, adhemarismo... Nesses quatro anos de gestão Serra-Kassab, nada aconteceu na cidade. Uma vitória com 18 pontos percentuais de diferença é só uma reação de setores conservadores da sociedade. São as pobres massas iludidas pelas tramóias da direita. Essa gente odeia democracia. É por isso que, uma vez no poder, tenta sabotá-la de forma descarada. Um dos esforços mais evidentes foi o mensalão. E Maria Derrota Malevides cuidava da ética do governo naquele tempo. Que coisa asquerosa!

FOLHA - Mas qual seria a substância político-eleitoral de Kassab?
Bem, Puls, sobre a substância eleitoral, nada precisaria ser indagado: quase quatro milhões de votos. Quanto à política... A pergunta apenas tange a velha corda da esquerda, para quem um “conservador” ou “udenista” será sempre fabricado. Por que Puls não entrevista um intelectual conservador para saber qual é a substância política de Marta Suplicy?

BENEVIDES - Eu acho que ele foi uma pessoa fabricada. Ele é uma espécie de Pitta que deu certo. O Pitta foi fabricado pelo Maluf igualzinho o Kassab foi fabricado pelo Serra. Quem era Kassab antes do Serra? Eu mesma nunca tinha ouvido falar dele, assim como ninguém tinha ouvido falar do Pitta. É o Pitta que deu certo. E deu certo porque o PSDB, embora rachado e enfraquecido por divisões internas, se deu conta de que ele era a maneira que tinha de ganhar a batalha contra o PT, que é seu grande adversário.
Não tinha ouvido falar porque é ignorante. Porque está presa às clivagens da década de 50. Há tempos, Kassab é um dos importantes articuladores da política paulista e paulistana. Assim como os petistas têm seus homens de bastidores, que não estão submetidos aos holofotes da imprensa, os não-petistas também têm. A tese da militante, que faz micagens de socióloga independente, é mentirosa desde a origem. Recupere, leitor, o noticiário de 2004. Serra não tinha relações políticas com Kassab. O acordo com o então PFL foi costurado por Geraldo Alckmin. E o hoje DEM não escolheu Kassab porque ele fosse um idiota, não é mesmo?

FOLHA - A questão é saber se esses políticos fabricados têm longevidade. Hoje a aprovação a Kassab (59%) na cidade é bem maior do que a do próprio Serra (38%), o que sugere que ele poderia sobreviver a uma eventual derrota de Serra em 2010. Mas, olhando para o passado, os políticos fabricados não duraram muito: Adhemar fabricou o Lucas Garcez; Jânio, o Carvalho Pinto; Quércia, o Fleury. Fabricaram um sucessor, mas o sucessor não teve sobrevida.
Puls é um moço muito lido, como se nota... Que pena que faça tão pouco com tanto! Reparem que a entrevista se torna uma espécie de campeonato entre o entrevistador e a entrevistada para ver quem detrata mais o prefeito reeleito. Não há, até aqui, vamos ver o que segue, uma só referência à sua gestão. Pouco interessa saber se ela foi boa ou má. Isso não é uma entrevista: trata-se de uma peça de propaganda partidária disfarçada de peça jornalística. E a suposição permanente, claro, é a de que o povo foi enganado por uma tramóia. O jornalista faça o que quiser, mas as comparações são intelectualmente desonestas. Para que a sua tese tivesse alguma virtude, Serra teria de ter aparecido com Kassab pendurado nos ombros. Não apareceu. Vocês acharão na própria Folha articulistas indagando onde estava Serra, que teria desaparecido durante o primeiro turno. Isso gerou reportagens no jornal às pencas.

BENEVIDES - O que falta nessas comparações que você fez é a perspectiva do segundo turno: o que mais beneficiou Kassab foi a possibilidade de reeleição contra sua principal adversária, a Marta, que tinha uma enorme rejeição.
Estou doido para saber qual é a explicação da gloriosa para a rejeição a Marta... Notem que, mais um pouco, a petista Maria Victoria ainda diz a Puls: “Pô, rapaz, não seja tão radical; não queira estar à minha esquerda...”

Kassab não provocou nenhuma rejeição. Isso não significa que ele seja bom, significa que as pessoas eram indiferentes a ele. É muito mais fácil criar uma perspectiva positiva em relação a alguém que tem uma imagem indiferente do que destruir uma rejeição e transformar essa rejeição em aprovação. E Kassab apareceu muito, teve um apoio muito grande do governo Serra e também, indiretamente, do governo federal, porque Lula não quis se indispor com São Paulo. Ao contrário. Serra não tem uma queixa a fazer do Lula.
Ah, em parte, a vitória de Kassab deve ser atribuída ao presidente Lula!!! Não entendi: quer dizer que o lulismo acabou beneficiando o “udenismo” em São Paulo??? A entrevista foi mediada só por água? Sim, Kassab teve apoio do governo Serra. É uma vergonha!!! Onde já se viu??? Aliados políticos se apoiando mutuamente? Isso é coisa da direita... Mas por que Marta é tão rejeitada, professora?

FOLHA - Uma reportagem recente da Folha mostrou que a gestão Kassab recebeu mais verbas do governo Lula do que a própria gestão Marta.
É verdade, Puls. Porque há mais dinheiro disponível. E porque há mais obras com dinheiro da Prefeitura e do Estado, que demandam contrapartidas do governo federal.

BENEVIDES - Exatamente. Eu não apostaria na continuidade do Kassab, mas também não apostaria no fim. O que eu fiquei impressionada foi com os míseros 6% [dos votos] do Maluf. Os malufistas morreram...
Assim a senhora decepciona o entrevistador.

FOLHA - O populismo em São Paulo praticamente acabou?
BENEVIDES - O populismo na vertente malufista. Mas o populismo continua, sob formas clientelistas - aliás utilizadas por todos os partidos -, porque ele está muito entranhado na cultura brasileira. Não acredito que o populismo tenha acabado. E não vejo, a não ser pelo estilo mais cordato, muita diferença entre Maluf e Kassab.
Outra tese vigarista! Cadê a referência ao populismo de esquerda do petismo, espalhado pelo Brasil inteiro? Como esta senhora explica que a esmagadora maioria das Prefeituras petistas esteja em municípios pequenos, onde é forte a presença do Bolsa Família? Cadê uma reflexão sobre o desempenho bisonho do PT nas capitais? A que se deve? Associar Kassab a Maluf é mais uma das táticas petistas de caluniar de modo oblíquo. E que se note: o malufismo só está tão fraco porque Marta perdeu em 2004. Naquela eleição, ela fez um acordo formal com Maluf. Fez ou não fez, Maria Derrota Malevides?

FOLHA - A sra. diz que o Kassab se beneficiou da rejeição a Marta. Mas o que explica essa rejeição?
Opa, vamos ver. Estou doido para saber.

BENEVIDES - Há uma rejeição grande ao PT, que aumentou muitíssimo depois da crise de 2005, que decepcionou muita gente, dos meios intelectuais até uma esquerda tradicional, além de uma classe média que se sentiu abandonada, porque na realidade houve uma prioridade aos mais pobres. O problema é que o governo ficou nos extremos: favoreceu muito os muito ricos e os muito pobres, e a classe média tem motivo de ressentimento. Isso aumentou muitíssimo a rejeição ao PT.
Huuummm... Como é bom falar o que dá na telha sem compromisso com a coerência, não é? E na certeza de que o entrevistador também está pouco se lixando para o que ouve. Um partido que privilegia os muito ricos e os muito pobres não fica, assim, com uma cara meio udenista, não? E a própria Marta é vítima de muito preconceito e muita rejeição. Dela ficou o quê? O que ficou de lembrança da Marta? O "Martaxa". A prova é que ela bateu muito contra isso. O problema é que a memória da imensa maioria dos eleitores, os mais pobres e os menos politizados, é mais curta. Ah, não!!! Os dados publicados pela Folha demonstram que os mais pobres e menos politizados votaram em Marta. Se alguém foi beneficiado pela ignorância, esse alguém foi a petista. É claro que Maria Victoria não faria esse juízo tão severo sobre as vitórias de Lula. Povo, quando vota em Lula, é esclarecido; quando vota em Kassab, é ignorante.

Marta devia ter um nível de aprovação altíssimo por causa dos CEUs, mas os CEUs foram apropriados pelos outros: ninguém diz que vai abandonar os CEUs. Deixou de ser algo exclusivo do PT. E a rejeição a Marta é muito forte porque juntou a rejeição ao PT, que piorou muito em razão do que aconteceu, à rejeição a Marta, que é grande por ela ser a Marta: ela agrega rejeição por ignorância, por preconceito, pelo grupo dela no PT.
A resposta é um tanto obscura, especialmente quando remete ao “grupo dela no PT”, mas, sobre a parte compreensível, indago: se o povo rejeita o PT por causa do mensalão, ele não faz bem? Não é uma virtude? Ademais, dona Benevides, ninguém prometeu acabar com os CEUs, assim como ninguém prometeu acabar com as AMAs ou com o Cidade Limpa. Quer dizer que a “direita”, como diz a dupla, deve ser malhada por não fazer o que a esquerda gostaria que ela fizesse para, então, atacá-la. Sinto vergonha em seu lugar. Chegar aos 66 anos e não perceber a lógica capenga do raciocínio é uma coisa triste.

FOLHA - Segundo o IBGE, em 2006 a taxa de luz existia em 3.893 municípios, e a taxa do lixo, em 2.753. Ou seja, elas existem na maioria das cidades, e não causam tanta celeuma.
Quanta precisão! Pois é. Por que o PT não decidiu fazer, como se diz, uma luta política e defender a taxa, a exemplo do que faz Puls? Mas ele foi o primeiro a recuar. Retiro Puls da perplexidade: como essas taxas não existiam em São Paulo, o paulistano preferiu continuar, como direi?, sem elas. Povo só gosta de pagar taxa e imposto na cabeça de esquerdista.

BENEVIDES - E principalmente aqui em São Paulo, para a imensa maioria das pessoas, era um valor ridículo. Eu me lembro que minha faxineira veio reclamar disso, e eu perguntei quanto ela pagava de taxa de lixo. Era R$ 3. O filho dela estudava num CEU e ele ia e voltava da escola numa van da prefeitura, mas o que ficou foi a tal taxa do lixo, porque isso foi superdimensionado pelos adversários.
O raciocínio de Benevides é o mesmo que fez Lênin antes de decidir que o melhor a fazer com o povo contra-revolucionário era passar fogo. Povo é muito injusto mesmo, dona Benevides. Veja o caso de sua faxineira... A senhora doida pra fazer justiça social, enquanto ela tira o pó dos móveis, e ela se ligando a reacionários. É por isso que a esquerda revolucionária abole eleições. Para evitar que ignorantes como a faxineira de Dona Benevides impeçam a patroa de fazer a resolução social. O PT precisa urgentemente criar umas faxineiras no fundo de seu quintal ideológico para não chocar a ala intelectual do partido.

Eles foram competentes em grudar esse adesivo na Marta. E essa coisa das taxas nunca foi apresentada de uma maneira que mostrasse que ela eliminou o IPTU de muitos. Por exemplo, um de meus filhos mora hoje num prédio que ficou isento. Isso nunca foi suficientemente mostrado. Aí predominou a rejeição. E a campanha da Marta foi contaminada por equívocos de marqueteiros e assessores.
No debate da Globo, Marta afirmou que um de seus filhos adorou o túnel da avenida Cidade Jardim — uma das estrovengas caras e inúteis que o PT deixou como herança em São Paulo. Sem contar que teve de ser interditado um mês depois de inaugurado. Um pedaço estava desabando. E ele enchia d’água. Agora, é o filho da Dona Benevides que foi beneficiado com isenção de IPTU. De resto, quem impediu o PT de se defender? Esta senhora reclama do quê? De os adversários fazerem oposição ao PT!!! Ela acha isso muito feio e muito errado.

FOLHA - A sra. citou o impacto da crise de 2005. Mas, olhando o país, o PT foi quem mais cresceu na eleição.
Uau! Uma pergunta digna do nome!

BENEVIDES - Mas aí é importante ver que o PT de São Paulo não é e nunca foi o PT nacional.
Oba! Vamos ver qual é a diferença.

FOLHA - Qual é a diferença?
BENEVIDES - O PT nacional se beneficiou enormemente das políticas regionais e municipais no governo Lula. O PT no resto do Brasil está ligado a propostas e projetos locais, nos quais o conteúdo ideológico é muito pequeno, e a presença da classe média também. Essa classe média forte, organizada, com imprensa, universidades, pequenos e médios empresários, é imensamente mais forte aqui. Dificilmente existe, no resto do Brasil, essa rejeição forte e absoluta ao PT que existe em São Paulo.
Esta mulher é escandalosa! Está claro, a esta altura, que ela não gosta do resultado eleitoral de São Paulo ou da rejeição que o PT sofre aqui. Logo, ela prefere o contrário. Ela prefere o Brasil onde a classe média é fraca, desorganizada, sem imprensa, sem universidades, sem médios empresários. O bom Brasil, aquele onde viceja o PT, admite Dona Benevides, é o da ignorância, da pobreza, da mixuriquice, sem nem a imprensa para encher o saco. Dona Benevides está dizendo que gente mais esclarecida não suporta o PT. Eu acho que ela tem razão. Mas, se depender dela, tudo isso muda.

Inclusive porque São Paulo tem esses extremos: tem uma forte presença de pobres e miseráveis, mas tem a maior classe média, a maior concentração de riqueza, a maior concentração de universidades, intelectuais, empresários organizados, que atuam com muito mais força na opinião pública do que os partidos.
Sei, e o PT se mostra incompatível com as universidades, os intelectuais, os empresários organizados... Aliás, o fascismo também.

O PSDB e o PFL não são só partidos políticos: são partidos vinculados aos grupos de interesse de tudo o que é forte em São Paulo. Eles têm apoio majoritário na Fiesp, UDR, associações de empresários, instituições da sociedade civil. Basta ver que o PT sempre teve enorme dificuldade para ganhar na cidade. Ganhou com Erundina porque não tinha dois turnos, ganhou com Marta porque polarizou com Maluf.
Ué... Mas não eram partidos artificiais? Kassab não é só um boneco de Serra? Então as legendas existem? Será que é bom falar o que dá na telha? E o PT? Ele representa os interesses de quem? Terei de recontar aqui a história das empresas telefônicas no governo Lula para a gente saber quais os vínculos do partido de Maria Victoria com o empresariado? É bem possível que PSDB-DEM tenha mais relações institucionais com o empresariado do que o PT. O partido prefere relações clandestinas.

FOLHA - Ela teve inclusive o apoio do governador Covas e do PSDB.
BENEVIDES - O apoio do PSDB. E hoje o PSDB sabe que seu maior adversário é o PT. Por isso o PSDB não faria em São Paulo aliança com o PT, como foi tentado em Belo Horizonte.
Nossa! Estou chocado com a revelação. Quanto a Minas, mais vigarice intelectual! Deu-se lá a união de caciques — aquilo, sim, tem a cara de década de 50. Tanto é assim, que o PT mineiro rachou, e a turma de Patrus Ananias apoiou Leonardo Quintão.

FOLHA - É possível dizer então que o PSDB conseguiu se tornar o partido dessa classe média organizada?
BENEVIDES - Sim. O PSDB, aliás, é o partido que está no poder desde Franco Montoro, com um breve interregno. Está lá. E está fortemente instalado no governo Kassab. Por isso não dá para dizer que o kassabismo é a direita udenista. É direita, mas com muitas nuances. Direita udenista é o DNA dele: direita udenista que apoiou o golpe militar, que esteve com Maluf e Pitta. Mas a coalizão dele é muito mais ampla. Esse foi o grande trunfo dos tucanos. Como foi o grande trunfo do PT em outros Estados do Brasil.
Rá, rá, rá. Tanto volteio para chegar ao fim e desmentir a tese da própria entrevista. Sendo assim, Kassab não é, então, uma invenção, como ela disse. Maria Victoria, muito dialética, demonstra que Maria Victoria está errada. Sendo assim, então não se trata de repetição do passado, mas de uma construção presente. Quanto à ditadura militar, golpe etc... Ai, que preguiça! Se é para ser rigoroso, então o DNA da Dona Benevides é o dos assassinos da revolução francesa, do stalinismo, do maoísmo, do castrismo...
Ah, volta e meia, repito a máxima do poeta português Antero de Quental para um adversário de idade já avançada. Terei de fazê-lo de novo: Dona Maria Victoria Benevides, a senhora precisa de 50 anos a menos de idade ou de 50 a mais de reflexão.

por Reinaldo Azevedo

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