Não sou navegador na internet, mas chego ao e-mail. De uma amiga recebi um, instando-me a abrir o blog do conceituado escritor Reinaldo Azevedo. Lá estava eu, transcrita mínima entrevista à Folha de S.Paulo, que provocou críticas e aplausos. Os poucos que me atacaram repetiram inverdades clamorosas. Formuladores de paralogismos, não chegam sequer a sofistas. Desminto-os, servindo-me dos seus próprios autores, ou dos fatos irrefutáveis da história. Alguns, irados, não argumentam, xingam. Chegam a ser o que Rui chamou de “magarefes da honra alheia”. Desprezo-os.
Que dizem os que preferem argumentos? Um afirma que o Brasil nunca esteve ameaçado pelo comunismo, mas os militares de 1964 inventaram um perigo comunista, para usurpar o poder. Ora, várias têm sido as tentativas comunistas armadas de dominar o Brasil. Prestes tentou, autorizado por Moscou, ao desencadear a revolta sangrenta de 1935. Os comunistas dominaram Natal, que teve até um governador por poucos dias, antes de vencidos. Pernambuco resistiu bravamente, ao preço de centenas de mortes. No Rio, a intentona envolvendo o 3º Regimento de Infantaria e a Escola de Aviação matou, a traição, camaradas de farda. Nova tentativa fizeram os guerrilheiros, todos comunistas, de 1967 a 1974. Apelo para Camões, sobre negar-se o real e verdadeiro: “Quem quiser negar a grã-verdade, negue também ao sol a claridade e certifique-se mais que o fogo é frio”.
A contra-revolução de março de 1964 teve várias causas. A ameaça comunista, ancilar por sinal, mas importante em plena Guerra Fria, existia na aliança de Jango com Luiz Carlos Prestes. De chefe comunista fracassado em 1937, Carlos Prestes tornou-se aliado de Jango num golpe continuísta em preparo pela massificação das greves políticas e nos motins, em Brasília, dos 600 sargentos da Marinha e Aeronáutica, armados, em 1963, e os marinheiros, no Rio de Janeiro, em 1964. Prestes confirma a aliança no livro Prestes: lutas e autocríticas.
Ao ditar memórias ao jornalista Dênis de Moraes, disse Prestes: “Eu tive vários contatos com o Jango. O último às vésperas do comício de 13 de março. Ele me disse que 20 generais estavam do lado dele. Até queria me apresentar a alguns desses generais. Quem representava o partido nas articulações com Jango era Marco Antônio Tavares Coelho, deputado federal. Em 62 cheguei a participar de uma reunião com Jango e San Tiago Dantas em Petrópolis. Dos políticos importantes, Jango chegou, inclusive, a compreender o papel que a União Soviética desempenhava. No dia do golpe — diz Denis — Prestes descobriu que o movimento de massa estava isolado. Apelou para os comunistas organizados da Aeronáutica e pediu para que fosse bombardeado o Palácio Guanabara, onde Lacerda estimulava a ação dos golpistas. A resposta o dissuadiu: todos os oficiais tinham passado para o outro lado” (páginas 165 a 169). O livro foi publicado estando Prestes vivo. Quanto ao preparo do auto-golpe, leia-se o §8º do livro Combate nas trevas, de Jacob Gorender: “A pré-revolução e o golpe preventivo”.
De resto, os militares nunca tiveram vocação usurpadora. Caxias, o condestável do Império, vencedor das insurreições internas e das guerras contra os tiranos do Uruguai, Argentina e especialmente o Paraguai, permaneceu sempre leal ao imperador. Ao contrário, os libertadores das colônias hispânicas, nossos vizinhos, transformaram-se em ditadores. Deodoro da Fonseca e o vice-presidente Floriano Peixoto, a Assembléia Constituinte, que promulgou a Constituição de 1891, elegeu presidente e vice. Sucederam-lhes próceres civis por mais de meio século. Em 1930, a revolução fez presidente o doutor Getúlio Vargas. Deposto em 1945, o presidente do Supremo Tribunal Federal assumiu interinamente a Presidência e presidiu as eleições no mesmo ano, vencedor o general Eurico Dutra. Onde está o caráter usurpador? A exceção se deu com a contra-revolução de março de 1964, apoiada maciçamente pelo povo, imprensa, governadores, Congresso e Igreja. A demora não prevista no governo debite-se às guerrilhas comunistas. À mídia, Prestes disse que “só tiveram um efeito: prorrogar no tempo o autoritarismo”.
Outro diz que não eram terroristas. Como classificar o primeiro ato da luta armada, senão o atentado terrorista no aeroporto de Recife, causando mortes, mutilações e ferimentos graves? Declara que lutavam pela resistência democrática. O ex-guerrilheiro exilado Daniel Aarão Reis repudia a versão oportunista. “Não lutamos pela democracia, mas pela ditadura do proletariado. Nenhum documento nosso, àqueles tempos, fez apologia da democracia”. Finalmente, escreveu um vencido na luta armada, que hoje se dizem democratas, afirmando que a tortura foi que os derrotou. Falso. Perderam porque lhes faltou apoio da opinião pública, sem o que nenhuma guerrilha é vitoriosa. A Gestapo, alemã, torturou na Europa e os franceses na Argélia. Perderam a guerra. A tortura institucional, eles sabiam existir em Cuba, de Fidel, e na China, de Mao, o que não os incomodava, quando lá se adestravam. Agora são puros e chefiam órgãos de defesa dos direitos humanos, além de receberem “indenizações” por não terem feito o Brasil orbitar em torno de Cuba ou de Moscou. São todos “democratas pragmáticos”.
por Jarbas Passarinho, no Correio Braziliense
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