quarta-feira, 23 de abril de 2008

O Verdadeiro Pai do PAC

Ao longo das últimas semanas tenho acompanhado as notícias sobre as viagens do presidente Lula aos Estados, com a percepção de que há algo podre no reino. Ele e a ministra Dilma, mãe do PAC, são a corda e a caçamba desse produtivo poço político.
A primeira idéia que me passou pela cabeça foi a mesma expressa pelo raquítico bloco oposicionista no Congresso: o erro estaria no aproveitamento eleitoral do Programa de Aceleração do Crescimento. Para se chegar a essa obviedade, basta escutar os discursos do presidente. Com direito a palanques, onde fala em vaivens de pastor evangélico, Lula transforma os eventos do PAC em comícios nos quais desafia a oposição e garante que elegerá seu sucessor. Quando isso pega mal, ele obtém o mesmo resultado pelo viés oposto, promovendo o comício para dizer que não está fazendo aquilo que faz o tempo todo. É a velha estratégia do cônjuge infiel flagrado no ato: "Mulher, isto não é o que você está pensando!".
No entanto, leitor, a prática de extrair dividendo eleitoral da inauguração de obras não foi inventada por Lula. É quase tão velha quanto a República, dificilmente será desentranhada de nossas rotinas, e só pode ser apontada como erro grave se contrariar a legislação eleitoral.
O que se percebe nesse episódio, bem pior do que a mera politicagem, é a brutal erosão do nosso federalismo! Em países que adotam a forma federal de organização, o presidente não deve nem tem porque percorrer estados e municípios para distribuir dinheiro e obras. Se Bush fizesse nos Estados Unidos o que Lula anda fazendo por aqui, receberia, no primeiro estado norte-americano que visitasse, um chute no traseiro que o mandaria de volta às suas chinelas em Washington. Numa Federação que se preze, essa conduta patriarcal da União é coisa impensável.
O verdadeiro pai do PAC, portanto, é o nosso ridículo, chocho e desvirilizado federalismo que, ao longo de mais de um século, vem se deixando seviciar pela cobiça fiscal da União, pelo seu centralismo e pelo poder cada vez mais imperial dos presidentes.
Pense comigo, leitor. Numa Federação, praticamente não existem riquezas geradas pela União. Toda ação produtiva ocorre nos municípios e, por extensão, nos estados. Ali, a atividade e o trabalho das empresas e dos indivíduos fazem surgir os bens e os valores que geram os impostos. E é ali, portanto, que se deveriam definir os investimentos e estar disponíveis os recursos para sua execução. Contudo, no Brasil, o modelo fiscal recolhe para a União um quarto do PIB, ou seja, 65% de todos os tributos pagos pelos cidadãos. Dado que quem parte e reparte fica com a melhor parte, uma fração dessa dinheirama ajuda a distribuir cartões corporativos e concede o maior PIB per capita do país à corte brasiliense. Outra vai nutrir a rede de sustentação do governo no Congresso. Outra se extravia nos desvãos dos comissionamentos. Outra empurra lomba acima a pesada máquina federal. Outra satisfaz a ganância do mercado financeiro. E a migalha restante vira comício do presidente.
E aí, nós, os pagadores de todas as promessas, bolsas, vales e micos, batemos palmas, com os olhos umedecidos de gratidão, quando nos lançam no chapéu estendido, em parcas moedas, o dinheiro que nos tomaram da carteira.



por Percival Puggina, no jornal Zero Hora, em 13/04/2008

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