A estrutura política de uma nação repousa sobre sua Constituição, que em sua essência define a relação entre os poderes do Estado e garante os direitos dos cidadãos. Durante todo o período imperial, de 1822 a 1889 (67 anos), fomos regidos por uma única Constituição, a chamada Benjamina, redigida por Benjamin Constant para Napoleão Bonaparte, no período de seus Cem Dias, e considerada o melhor instrumento do gênero. Vivíamos sob um regime parlamentarista, com um governo considerado dos mais livres e democráticos do mundo. E se houvesse na época um ranking mundial do desenvolvimento das nações, estaríamos talvez como uma das primeiras, posto que em virtude das iniciativas de Mauá, que se estendiam de Norte a Sul do País, já tínhamos uma siderúrgica na Ponta da Praia e construíamos navios que batiam naves inglesas em corridas na Baía de Guanabara.
A anarquia política brasileira se iniciou com a República, um acidente de jornada a que, no depoimento de Machado de Assis "o povo assistiu bestializado, sem compreender o que aquilo significava", o que parece ter acontecido com seu próprio autor putativo, o marechal Deodoro. Do dia para a noite, o império unitário brasileiro se esfacelara na República dos Estados Unidos...-do Brasil, para gáudio dos políticos que correram para as repúblicas de seus Estados, criando até bandeiras próprias.
Três coisas alteraram radicalmente a vida política da nação. Em primeiro lugar, sua convivência pacífica. Em segundo, a estabilidade de seu Estado, em terceiro, a honestidade de sua administração, substituída pela corrupção como processo adotado pelo próprio governo para obter maioria congressual.
Ao quase meio século de paz da unidade imperial de governo parlamentarista de feitio britânico (a última revolução se deu no Império em 1847) seguiu-se o século da instabilidade da república presidencialista, cuja divisão de poderes à Montesquieu ainda suscita o debate, a barganha e o conflito entre os interesses e atribuições dos poderes. Vêm daí a instabilidade e mau funcionamento do Estado, os problemas de sucessão, as crises de governabilidade, de que os estados de sítio, as revoluções, golpes, renúncias e deposições, as ditaduras parecem ser o modo de vida natural de nossa política. Aparentemente, a doutrina e prática da divisão de poderes jamais os concilia, induzindo, ao contrário, a gula de sua infinita divisão atômica, como o retalhamento do Estado brasileiro entre os feudos "estatais". O recente incidente em que o chefe do Executivo aparentemente dispensava o Judiciário de suas funções, mais do que mostrar suas disposições ditatoriais, exprimia a realidade da "ditadura factual" que exerce.
O fato histórico que originou a anarquia constitucional sob a qual vivemos tem sua origem no golpe branco de 1988, quando uma Assembléia Ordinária se erigiu espuriamente em Assembléia Constituinte. Com o "mensalão", que permitiu a um partido minoritário, o PT, constituir a chamada "base de sustentação" do governo, o Executivo ganhou o poder de promover, comandando o Congresso, as reformas que lhe interessam.
Já estamos em nossa sétima Constituição, seis promovidas no período republicano. E ainda não temos resolvida a questão da independência e harmonia dos três poderes, a questão fundamental de um verdadeiro Estado de Direito. Some-se a isso o fato de termos 27 partidos (um deles com 3.200 afiliados), mais dez em processo de legalização e outros dez que nem iniciaram esse processo e tem-se um rascunho da nossa república democrática. Se não fora a vocação integradora de nossa cultura e o permanente movimento de migração das nossas populações, que asseguraram a unidade do País, de há muito nos teríamos esfacelado em dezenas de "republiquetas de bananas".
Continuamos nominalmente a ser uma democracia, mas como foi explicitado pelo trabalho do professor José Pastore, estamos sendo convertidos em um Estado comunista por táticas e estratégias preconizadas por Gramsci, um comunista da era pré-stalinista que não conheceu os horrores da nomenklatura subseqüente. Aqui a cúpula do PT começou pela nomenklatura do mensalão. Por atos e palavras, a estratégia gramsciana continua a ser a ideologia governamental, mesclada a táticas de outros regimes como o de Fidel (guru de Lula). O processo avança, sustentado pela euforia do desenvolvimento mundial. E embora nosso desenvolvimento não haja alcançado metade da média mundial, a popularidade de Lula alcança 70% do eleitorado.
por Benedicto Ferri de Barros em 04 de abril de 2008, no Diário do Comércio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário