quinta-feira, 10 de abril de 2008

Globalização: A Extensão da Liberdade Individual

Gostaria de começar lembrando que até os esquerdistas, mesmo os mais radicais, acreditam no poder da globalização para criar riqueza, não obstante toda a sua retórica contrária. A prova está na crítica que fazem ao embargo americano a Cuba, culpado, segundo eles, pela miséria na ilha-presídio. Ora, estão admitindo que praticar comércio com os americanos é algo positivo, que gera riqueza. Logo, mesmo os socialistas defensores do modelo cubano entendem que a abertura comercial é desejável, e que a reclusão é o caminho da desgraça. Caso contrário, estaríamos diante de um caso de esquizofrenia, onde o comércio com americanos seria ao mesmo tempo exploração e solução para a miséria!

Existem basicamente duas formas de se fomentar o desenvolvimento econômico, aumentando a produtividade: a schumpeteriana e a ricardiana. No primeiro caso, temos a famosa "destruição criadora", onde as inovações tecnológicas e os novos métodos de produção vão tornando obsoletas as formas antigas, aumentando a produtividade das empresas. Isso é possível graças ao dinâmico mecanismo da concorrência e ao espírito empreendedor, num processo claramente evolutivo. Um caso claro é a eletricidade aposentando as velas e lampiões, ou os carros modernos aposentando as carroças. Para esse processo ocorrer, é preciso liberdade econômica, aceitação de que os ineficientes não devem ser protegidos por privilégios. "Capitalismo sem bancarrota é como cristianismo sem inferno". Salvar os ineficientes é condenar a população ao atraso!

No segundo caso, temos a divisão de trabalho. As vantagens comparativas permitem o foco naquilo que se faz melhor, em termos relativos. Como exemplo podemos pensar numa advogada que cozinha melhor que sua cozinheira, mas ainda assim prefere focar na advocacia, sua vantagem comparativa, e pagar para que a cozinheira faça a comida. O axioma de todas as trocas voluntárias é que elas são percebidas como mutuamente benéficas, caso contrário, simplesmente não ocorre troca, pois não há uma coerção envolvida. Como o valor é subjetivo, só ocorre uma troca se ambos considerarem que recebem mais valor em troca daquilo que oferecem. Eu posso preferir um CD de Mozart e fulano um livro de Paulo Coelho. Ocorre uma troca e ambos extraem valor dela, mesmo que o preço seja igual para ambos os produtos. O dinheiro entra na equação apenas como um denominador comum, um facilitador de trocas.

A riqueza precisa ser criada. O erro de muitos é considerar a riqueza um bolo fixo, que precisa apenas ser melhor distribuído. Chamo isso de mentalidade ‘ex post’. Como crianças mimadas, muitos observam um fato – a existência da riqueza – e passam a exigir como direito natural sua fatia dessa riqueza, ignorando como ela foi criada. É uma postura arrogante também, pois parte do pressuposto de que é possível determinar, de forma arbitrária, uma maneira "justa" de distribuir essa riqueza. Não obstante a pretensão divina de saber como seria uma distribuição mais justa, independente das trocas livres no mercado, a postura de usar o governo, ou seja, a força, para fazer distribuição de renda, coloca obstáculos perversos na criação de riqueza, retirando os incentivos adequados. Ninguém trabalha duro para o "bem-geral".

Todos os seres humanos focam nos seus interesses particulares em primeiro lugar, e não há nada de errado nisso. Não somos insetos gregários labutando pela colônia, felizmente. Desde Adam Smith, em 1776, sabemos que a busca individual pelos próprios interesses acaba gerando um resultado melhor para o bem-estar geral, através da "mão invisível". Podemos pensar em inúmeros exemplos: quando cada laboratório investe bilhões em pesquisas para novos remédios, em busca do lucro, os consumidores recebem a possibilidade de comprar mais saúde e conforto. O Viagra é fruto do egoísmo, não do altruísmo! Da mesma maneira, todos os bens materiais que permitem uma vida bem mais longa e confortável para a maioria das pessoas foram resultados dessa busca pelo lucro, num ambiente de livre competição e direito de propriedade privada bem definido. Um operário hoje tem acesso a mais bens e serviços do que um aristocrata tinha no passado ou podia sonhar em ter!

O empresário está alerta para novas oportunidades, e é a demanda dos consumidores que manda. Michael Dell, com apenas mil dólares, criou a Dell. Ficou bilionário por ter criado valor para os consumidores, que puderam comprar computadores por preços menores. No capitalismo liberal, fica rico quem atende as necessidades dos consumidores. Como Mises percebeu: "As pessoas não bebem uísque porque existem destilarias; existem destilarias porque as pessoas bebem uísque".

Como Hayek notou, o conhecimento é disperso. Não existe nenhuma entidade que possa agregar o conhecimento de cada indivíduo, totalmente pulverizado. O mercado é o processo evolutivo que permite o uso desse conhecimento de forma ainda não definida. O planejamento central parte da premissa arrogante de que alguns burocratas serão capazes de selecionar os rumos do mercado, ignorando a principal ferramenta de informação sobre esse conhecimento disperso: o preço. Ao ignorar os preços livres, que informam sobre todas as demandas e ofertas espalhadas pelo mundo todo, os burocratas criam obstáculos para o funcionamento eficiente do mercado, que evolui justamente pelos resultados não intencionais de cada indivíduo. É uma espécie de complexo de deus, onde os "iluminados clarividentes", sem falar de honestos burocratas, vão substituir as escolhas de milhões e milhões de indivíduos. O dirigismo estatal sempre falhou, e sempre irá falhar. O socialismo inviabiliza o cálculo racional dos agentes econômicos. Políticas industriais controladas de cima para baixo, medidas como o PAC, os bilhões que o BNDES decide politicamente destinar para certos setores, tudo isso afeta o funcionamento do mercado no longo prazo, pois ignora como o mercado realmente funciona.

A globalização é apenas a ampliação deste livre mercado, rompendo barreiras artificialmente criadas. Nações não praticam comércio, e sim indivíduos e empresas. O nacionalismo é uma doença infantil da humanidade, como disse Einstein. Interessa a pequenos grupos poderosos, que conseguem manipular as massas através desse coletivismo, que transforma indivíduos em simples meios sacrificáveis para o "bem maior". O "interesse nacional" é o interesses dos indivíduos de uma nação. Nação em si não possui interesse. Mises chamou a atenção para os riscos dessa hipostatização, que passa a atribuir existência real para abstrações mentais. A nação passa a ser vista como o ente concreto, enquanto os verdadeiros entes concretos, os indivíduos, passam a ser meras abstrações, meios sacrificáveis para o "bem maior". O nacionalismo pariu aberrações como o mercantilismo, mentalidade típica do século XVIII onde importações eram vistas como indesejáveis. Ora, partindo do indivíduo, temos que ele exporta o que produz – seu trabalho, justamente para comprar o que demanda, sua importação. Nação é somatório de indivíduos, basta extrapolar isso para todos.

Quem chama a globalização de exploração e defende as barreiras protecionistas, por coerência deveria defender a subsistência individual. Afinal, se o comércio entre nações fosse indesejável, ele também o seria entre estados de uma nação, ou entre municípios de um estado. Se comprar mais barato de outra "nação" é perder empregos locais, então comprar mais barato de outro estado também seria, e no extremo comprar mais barato de outro indivíduo seria perder seu emprego nessa produção em particular. Fica claro que o ataque à globalização é totalmente irracional. É atacar a divisão de trabalho, que tanto progresso permitiu ao mundo. É defender o regresso aos tempos da subsistência de pequenas tribos fechadas, quando sobreviver era tarefa árdua e a expectativa de vida era mínima, diferente da visão idílica de Rousseau. Quem ainda tem dúvidas sobre os males que a reclusão traz, basta observar a vida na comunista Coréia do Norte.

A globalização tem ainda como um subproduto a fomentação da paz. Quanto maior a dependência mútua, maiores as chances de harmonia no convívio. Afinal, quando o seu sucesso depende do sucesso alheio, a hostilidade perde muito de seu sentido. Por isso a globalização e a divisão de trabalho acabam funcionando como entraves para guerras, enquanto o isolamento favorece a hostilidade entre grupos.

Boa parte da condenação da globalização vem da miopia dos leigos. Bastiat já havia chamado a atenção para aquilo que se vê, e aquilo que não se vê. Quando uma empresa de outra nacionalidade consegue produzir um bem mais barato, alguns pensam que os empregos nacionais para a produção deste bem serão perdidos. Isso é o que se vê. Mas se ignora que a economia feita pela compra mais barata do bem será redirecionada para outros bens, criando empregos novos. Quando a Wal-Mart resolve entrar num país e vender produtos mais baratos, isso pode prejudicar o "Zé das Quitandas", mas somente se beneficiar todos os consumidores. Proteger o dono da quitanda é sacrificar os consumidores, que terão que pagar mais caro pelos produtos. Ignora-se que a economia feita pelos consumidores que podem comprar mais barato gera empregos em outras áreas. Quando a China oferece ao mundo vários produtos mais baratos, isso é benéfico para todos. A retórica de "exportação de empregos" explora justamente esta miopia. Usar o governo, ou seja, a força, para proteger a indústria nacional menos eficiente é barrar as duas formas de crescimento econômico: a destruição criativa e a divisão de trabalho. As empresas na China, quando exploram suas vantagens comparativas e com isso geram uma destruição criativa em indústrias de outros países, estão permitindo um aumento na riqueza mundial. Quando um produto vem de fora por um preço menor do que poderíamos produzi-lo, isso é como um presente para nós! Bastiat foi no cerne da questão quando escreveu ironicamente a petição dos produtores de vela e lampião, condenando o cruel competidor, o sol, por fornecer o serviço – iluminação – mais barato. Desejavam a proteção do governo contra este "dumping".

Os críticos do livre mercado parecem nunca aprender a lição. Quem não lembra da fatídica "Lei da Informática", que condenou o país à era dos dinossauros em tecnologia? A mentalidade de então era a mesma que agora pede intervenção estatal para "proteger" indústrias nacionais ineficientes ou bate no peito com orgulho e repete que "o petróleo é nosso". O foco acaba sempre em alguns produtores com poderosos lobbies, ignorando-se sempre os consumidores. Os produtores têm muito a ganhar, e se organizam para pressionar o governo. Já os consumidores estão dispersos. Uma barreira protecionista em particular aumenta o preço de um determinado produto, e ninguém vai dedicar muito esforço para brigar pela economia de alguns reais. Mas no agregado, a conta acaba ficando alta demais. Pagamos mais caro por quase tudo que consumimos. O brasileiro, mais pobre que o americano médio, precisa pagar R$ 5 mil para comprar um notebook Vaio da Sony, enquanto o produto é vendido por menos de mil dólares na Amazon para os americanos. A verdadeira defesa do consumidor não está nos burocratas do governo, mas sim no próprio mercado. Basta permitir a livre concorrência!

Chega de teorias! Vamos para as evidências empíricas. Países que adotaram uma maior abertura comercial, abraçando a globalização para dela tirar vantagens, foram os países que mais prosperaram. Taiwan, Coréia do Sul, Cingapura, Irlanda, Nova Zelândia, Austrália são alguns exemplos do sucesso das reformas liberais e da abertura comercial. A China é outro caso claro: partindo da total miséria pela herança socialista, conseguiu tirar milhões da pobreza com maior abertura comercial e direito de propriedade privada melhor definido. As zonas livres e os investimentos estrangeiros foram fundamentais para o crescimento chinês, que ocorre a despeito do Estado ainda muito interventor, principalmente no setor financeiro. A esquerda brasileira gosta de citar a América Latina como exemplo do fracasso "neoliberal", ignorando que este jamais nos deu o ar de sua graça! A bancarrota argentina, por exemplo, foi causada não pelas tímidas reformas liberais, mas pela gastança excessiva das províncias e de um câmbio fixado pelo governo. O Brasil mesmo continua mais longe do liberalismo do que Plutão da Terra. O governo controla praticamente cada detalhe da economia, arrecada 40% da riqueza em impostos, mantém uma burocracia asfixiante e ainda é dono de várias estatais, como Petrobrás e Banco do Brasil. O governo decide até mesmo como o pãozinho será vendido! Que liberalismo é esse?

O comércio mundial tem crescido a taxas duas vezes maiores que o PIB mundial. Já são mais de US$ 12 trilhões que trocam de mãos anualmente entre as fronteiras nacionais. Esse crescimento do comércio, a globalização propriamente dita, tem possibilitado uma taxa de crescimento econômico elevada mundo afora. Além disso, a globalização tende a suavizar os ciclos. Se ocorre uma crise localizada e os preços podem ser ajustados a nível mundial, seu efeito tende a ser diluído, como um vazamento num compartimento de gelo é suavizado se houver vasos comunicantes entre todos os compartimentos. Isolado, o impacto é sentido na veia, de forma mais direta.

Claro que analisar um único fator para explicar tudo é absurdo, mas não deixa de ser elucidativo observar o índice de liberdade de comércio do The Heritage Foundation. Nele, que considera tanto as barreiras tarifárias como os demais métodos protecionistas, vemos que os países da América Latina são muito pouco livres. Uma média próxima de 70% de liberdade, contra quase 90% dos países mais abertos. A Venezuela é o país mais fechado e protecionista da região, depois de Cuba, e esse é um dos motivos de sua situação caótica. Existem vários outros campos para se medir a liberdade, como a proteção da propriedade, os impostos, as leis trabalhistas, mas podemos ter uma boa idéia do impacto da liberdade do comércio na criação de riqueza, através da elevada correlação entre ambas. Correlação não é causalidade, mas podemos explicar logicamente o nexo causal entre mais liberdade e mais prosperidade, como foi feito acima.
Os países desenvolvidos merecem ao menos uma das críticas feitas pela esquerda: a hipocrisia de pregar o livre comércio mundial enquanto garantem pesados subsídios agrícolas no seu quintal. Mas, em primeiro lugar, é importante frisar que eles são desenvolvidos e ricos a despeito disso, não por causa desse protecionismo, que custa caro ao seu povo. Em segundo lugar, é importante lembrar que são países com maior grau de abertura comercial, com tarifas de importação menores que as praticadas pelos países em desenvolvimento, como mostrado acima. Um carro importado do Japão custa duas ou três vezes mais no Brasil que nos Estados Unidos. Em terceiro lugar, é bom lembrar que a Europa abusa desse protecionismo mais do que os Estados Unidos, que são sempre o bode expiatório preferido das esquerdas. Por fim, não custa expor a incoerência esquerdista uma vez mais, que condena tais subsídios enquanto recebe com honras o socialista Bovè no Forum Social Mundial, justamente o grande ícone desse protecionismo perverso. Os criminosos do MST quebram lojas do McDonald’s, que apenas gera empregos mundo afora, de mãos dadas com aquele que representa a perda injusta de empregos nos países pobres. Não dá para cobrar coerência dessa turma!

Em resumo, podemos sintetizar a questão da globalização de uma forma bem direta: não foi ela que falhou, mas sua falta. O mundo precisa de mais globalização!





por Rodrigo Constantino, em 09/04/2008

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