sexta-feira, 4 de abril de 2008

Dossiê Dilma: o Ato e o Fato

No artigo 37 da CF, estão enunciados os princípios que regem a administração pública. Entre eles está o princípio da legalidade, que tem vários desdobramentos e facetas: uma das facetas é a motivação. Todo ato administrativo deve ser motivado, e a motivação deriva da própria lei: atos administrativos só podem ser praticados com vistas à efetivação das normas constitucionais e infraconstitucionais, que refletem o interesse público.
Um ato administrativo foi executado na Casa Civil: houve uma ordem para que se formasse um acervo paralelo de dados referentes à gestão do ex-presidente. Sabe-se que o acervo começou a ser montado como resposta a uma crise por que o Governo passava. As perguntas:
1) Qual lei buscava a Casa Civil efetivar ao executar tal ato administrativo?
2) Qual o interesse público da medida?
À época da feitura do dossiê, e isto é importante, a motivação era constranger a oposição e proteger o governo de acusações, o que vai frontalmente contra o artigo 37 da Constituição, que consagra o princípio da moralidade e da legalidade - a Administração só pode fazer o que a lei determina; se não há lei que determina a execução do ato, ele é ilegal do ponto de vista jurídico -, e o artigo 1o, inciso V, também da Constituição, que contempla o pluralismo político como fundamento da República Federativa do Brasil: constranger o exercício da oposição política - usar do Estado para ameaçar a oposição -fere um fundamento Constitucional. Não há violação mais grave em termos jurídicos: é uma declaração, formal no caso, de rompimento com o Estado de Direito. É muito sério.
Digamos, porém, que, agora mesmo, Franklin - eu já me antecipo - pense na seguinte versão: ora, os dados são públicos e a motivação era clara - dar transparência aos gastos públicos; controlá-los, saber se houve ilegalidade!
Ok. Franklin estaria com uma boa tese. O problema é que, juridicamente, o ato da Administração fica vinculado à motivação original, que foi dada à época de sua expedição. Isso é fundamental: o ato, uma vez praticado por motivos tortos, não pode ser "consertado" através de uma nova justificativa.
A lei 1079/50 define os crimes de responsabilidade. No Título II, artigo 13, lê-se:
Art. 13. São crimes de responsabilidade dos Ministros de Estado;
1 - os atos definidos nesta lei, quando por eles praticados ou ordenados;
2 - os atos previstos nesta lei que os Ministros assinarem com o Presidente da República ou por ordem deste praticarem;
3 - A falta de comparecimento sem justificação, perante a Câmara dos Deputados ou o Senado Federal, ou qualquer das suas comissões, quando uma ou outra casa do Congresso os convocar para pessoalmente, prestarem informações acerca de assunto previamente determinado;
4 - Não prestarem dentro em trinta dias e sem motivo justo, a qualquer das Câmaras do Congresso Nacional, as informações que ela lhes solicitar por escrito, ou prestarem-nas com falsidade.
Quaisquer dos ilícitos previstos na lei, se praticados pelos Ministros de Estado, ensejam crime de responsabilidade.
O artigo 9o da lei, em seu inciso III, enquadra perfeitamente o ato, pois define como sendo crime de responsabilidade: "3: não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição;"
Nós já sabemos que o ato vai contra a Constituição: faltam-lhe motivação e moralidade (artigo 37 da CF, caput, sendo o princípio da motivação uma derivação do princípio da legalidade), bem como decoro (artigo 9o, VII, da lei 1079/50: não é compatível com a dignidade do cargo de Ministro utilizar-se do Estado para formar dossiês que esquivem o governo de suas responsabilidades e dificultem o exercício da oposição política. O pleno exercício da oposição política é do interesse público. Além disso, configura total falta de decoro a coleta paralela de dados para macular a imagem de um ex-presidente da República democraticamente eleito).
Por fim, falta-lhe um fundamento constitucional, o que é o mais grave: aquele fundamento a que se refere o artigo 1o, V, da CF. O motivo que originou o ato - não a justificativa post hoc, que é irrelevante juridicamente - era o de subtrair o governo de suas responsabilidades através do constrangimento da oposição e da ridicularização de um ex-presidente democraticamente eleito..
Competência para a ação:
Qualquer cidadão pode mover ação contra Ministros de Estado que cometam crimes de responsabilidade .

Resumindo: é crime de responsabilidade, sem sombra de dúvida, usar a máquina do Estado para constranger o exercício da oposição política; é expediente que fere nossa forma de Estado - Estado de Direito - e o fundamento Constitucional do pluralismo político. Os Ministros de Estado cometem crime de responsabilidade SEMPRE que violam qualquer norma constitucional ou permitem uma violação do gênero (artigo 9o e artigo 13 da lei 1079/50). Além disso, o ato vai contra a moralidade que deve acompanhar todo ato da Administração Pública - artigo 37 da CF - e o decoro (artigo 9o, último inciso, da lei 1079/50). Fere o decoro porque não é democrática uma medida que vise constranger a oposição ou esquivar o governo de suas responsabilidades. Além disso, a CF exige que todos os atos da Administração sejam motivados - e o motivo do ato é aquele que lhe foi dado originariamente, quando de sua prática. A única motivação que a CF permite é o cumprimento das leis e da Constituição. Não há lei nem norma constitucional que determine a formação de "base de dados paralela com informações a respeito da administração passada" - a Administração só pode fazer o que a lei determina. Se a lei não determina, o ato é ilegal. Sendo ilegal, tanto aquele que o executa quanto aquele que não o reprime cometem crime de responsabilidade.

Yara Chiara, no blog do Reinaldo Azevedo (04/04/2008)

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