Não me espanta que o fascismo, brutal como era, estúpido como era, tenha sido, durante um largo período, um regime popular onde quer que tenha prosperado — é uma diferença em relação ao comunismo, sempre imposto na base da porrada. É como entregar aos açougueiros a tarefa de organizar o pensamento, segundo aquela que é sua expertise. Esse debate sobre as algemas, por exemplo, evidencia bem o caso. Candidamente, admite-se que havia abusos, mas depois se sustenta que o tema só se tornou influente por causa dos “bacanas” algemados.
Ora, fosse assim, seria um serviço que eles estariam prestando à causa dos direitos. Acontece que a observação é torta, feita pelo avesso. Mais: é falsa. Está ainda vincada pelo fantasma de um fantasma: a luta de classes, que serviu tão bem aos totalitarismos fascista e comunista. Devemos ser o único país do mundo com alguma importância em que essa bobagem ainda determina as políticas públicas e o comportamento das autoridades. Explico.
Algemar “os ricos”, diante das câmeras de TV, tem um propósito supostamente ético, igualitarista e educativo: demonstrar que não se faz isso apenas com os pobres. Mas esperem: quais são “os pobres” que aparecem algemados na TV? Na fantasia estúpida da esquerdopatia e do jornalismo populista, são as vítimas raquíticas de todas as perversidades sociais. Mentira! Quase sempre é gente que cometeu crimes contra a pessoa, atos violentos, assaltos, muitos deles seguidos de morte — ou são traficantes. Ora, basta ver o perfil dos presos que estão nas penitenciárias e quais crimes cometeram. Creio que foram algemados quando detidos. E elas lhes ficaram, sim, muito bem. Algema é para evitar a reação.
“Ah, Reinaldo, eu acho que tanto o assaltante quanto o Pitta merecem algemas”. Você pode achar, leitor, porque você vê nelas uma primeira forma de punição. Mas esta, lamento, deve derivar da condenação. No dia em que você condescender com a pena antecipada, qualquer que seja ela, não estará tirando um direito do bandido, mas renunciando a um direito que também é seu. Chega a ser escandaloso que isso precise ser dito, se querem saber.
O sonolento Pitta de pijama, o Nahas preso em sua casa de madrugada, o Daniel Dantas buscado em seu apartamento, bem, nenhum deles demandava as algemas. Ou alguém imagina o Nahas correndo pelo Jardim Europa, disparando tiros contra a PF? Ou Dantas, em desabalada carreira pela Vieira Souto, afrontando os homens da lei? Ora... Assaltantes, traficantes, assassinos etc não são algemados porque são pobres, mas porque são violentos e representam risco imediato aos próprios agentes do estado que os estão prendendo. E não são violentos porque têm origem humilde — ou o Brasil seria o inferno na terra —, mas porque a atividade a que se dedicam exige esse comportamento. Usar algemas como critério de igualdade social é mera tática fascistóide, sim. E é preciso ser um pilantra intelectual para meter aí a conversa mole do arranca-rabo de classes.
Essa sociologia vagabunda impede, também, uma ação mais firme contra o crime organizado nos morros e nas periferias porque se parte do princípio de que, sem resolver os problemas da pobreza, não se consegue levar o estado de direito às área sitiadas pelo narcotráfico, o que é uma besteira, além de ser de uma crueldade gigantesca com os pobres que não são criminosos — a esmagadora maioria.
Eleger meia-dúzia de bodes expiatórios para aplicar um regime de força mal esconde, até mesmo na justificativa de quem defende a ação, o propósito de, então, dar aos ricos o mesmo tratamento ilegal e bruto que estaria sendo dispensado aos “pobres”. Ainda que isso fosse verdade, apenas se estaria generalizando o erro. Mas, de fato, isso é, como regra, uma mentira. Ademais, tanto melhor agora, não é? Quando ocorrer o abuso, o agente do estado poderá ser punido.
E os “pobres profissionais”?
Eu não poderia encerrar este texto sem observar o óbvio, o uLULAnte. Pode até ser que haja um pobre ou outro humilhado injustamente pelas algemas (agora ele tem uma decisão do Supremo a seu favor). Mas uma coisa é certa: nunca vi algema em “pobre profissional”, em “pobre militante”, em “pobre engajado”. Ou alguém tem notícia de invasores do MST com algemas nos braços? Ou alguém já viu algemas contendo esses vândalos que depredam laboratórios de empresas e de universidades?
Querer brincar de luta de classes para tratar desse assunto é coisa de picaretas, de vigaristas morais, de trapaceiros que trocaram o pensamento pelo populismo rasteiro.
por Reinaldo Azevedo, em seu Blog, na Veja On-Line
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