quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Abaixo o Imperialismo

Lembram de todos os discursos contra a guerra e pela paz, dos slogans pacifistas, como "não em meu nome" e "dêem uma chance à paz", das marchas e passeatas, das camisetas e caricaturas, das faixas e artigos indignados na imprensa em defesa da soberania dos países fracos e contra o imperialismo? Pois é. Podem esquecer. Podem jogar no lixo. Era - é - tudo conversa fiada, papo furado, lengalenga, mentira, balela, tapeação.

No último dia 8, enquanto o mundo inteiro assistia embevecido à apoteose olímpica em Pequim, a Rússia invadiu a Geórgia, com cujo governo mantém uma disputa antiga pela região da Ossétia do Sul. O.k., você certamente nunca tinha ouvido falar na Ossétia do Sul, nem na Abkházia, nem em Dimitri Medvedev, nem em Mikhail Saakachvili. A maioria das pessoas tem dificuldade até em pronunciar esses nomes, ou em identificar onde fica a Geórgia no mapa, quanto mais em entender as causas desse conflito, que parece tão distante quanto os nomes envolvidos. Apenas a guisa de introdução, basta dizer que as tropas russas invadiram a Geórgia, terra natal de Stálin, supostamente para defender a população da região da Ossétia do Sul, que é majoritariamente russa, de supostas violências por parte do governo da Geórgia. Mas isso é o que menos importa aqui. O que realmente me chamou a atenção, o que de fato merece análise na questão, na opinião deste escrevinhador, é que a guerra na Geórgia revelou, para quem quiser ver e ouvir, aquilo que venho denunciando neste blog há tempos: a hipocrisia, o duplo padrão - político e moral - do pacifismo e do antiimperialismo.

Basta comparar a reação - ou melhor: a falta de reação - da chamada opinião pública mundial quanto à invasão da Geórgia pela Rússia em 2008 com a gritaria geral que correu o mundo todo por causa da invasão do Iraque pelos EUA e pelo Reino Unido cinco anos atrás, em 2003. Desde que os tanques russos entraram na pequena Geórgia, tenho procurado na imprensa algum artigo indignado, alguma denúncia, alguma crítica feroz, de autor brasileiro ou estrangeiro, contra essa inaceitável - e não só porque foi o Bush que disse - agressão imperialista da Rússia no Cáucaso. Em vão. Não vi até agora nenhum artigo indignado, apenas análises das raízes geopolíticas do conflito. Algumas até muito boas, aliás. Mas denúncia da ação unilateral e imperialista da Rússia que é bom, nada. Também esperei, até agora, alguma manifestação de massa, algum protesto multitudinário, contra essa violação flagrante da soberania de um Estado soberano por uma potência nuclear. Novamente, debalde. Até o momento em que escrevo estas linhas, tudo que se viu foi meia dúzia de gatos-pingados (em geral, georgianos ou parentes) protestando, com algumas faixas e cartazes, em frente a alguma embaixada russa nos EUA ou na Europa. Onde estão as marchas gigantescas, as manifestações de protesto no mundo todo, os textos inflamados de Noam Chomsky ou Tariq Ali, os discursos de Michael Moore ("shame on you, shame on you"...), os apelos por boicote a produtos russos etc.? Onde está a defesa do - para ficarmos apenas numa palavra muito usada naqueles dias e agora convenientmente esquecida - multipolarismo contra o unilateralismo (russo, não americano)?

É impressionante o contraste entre o tratamento dado, na imprensa, ao imperialismo norte-americano, de Bush e Rice, e ao imperialismo russo, de Putin e Medvedev. Ontem mesmo li um editorial da Folha, datado de 11/08, que aproveitou o gancho para tirar uma lasca não dos dirigentes russos, mas de... Bush! "Bush não tem moral para falar em soberania no caso da Geórgia", lê-se no glorioso jornal paulista, que se orgulha de sua visão "isenta" e "equilibrada"... Sobre os russos, pouca coisa. Nada que se compare, em ênfase e indignação, ao que se disse e se escreveu sobre a invasão do Iraque. Acabo de ler também artigo do tiranossauro Fidel Castro, falando mal - adivinhem! - de Bush e dos EUA, que teriam "estimulado" o governo da Geórgia contra os russos... Desnecessário dizer que Fidel, o antiimperislista, diz amém para o imperialismo da Mãe-Rússia. Muita gente - podem apostar - vai repetir nos próximos dias o que está no editorial da Folha, sem falar nas diatribes do Coma Andante. Afinal, a Geórgia é aliada dos EUA. Mandou, inclusive, soldados para o Afeganistão e o Iraque... Ah, bom.

O pacifismo - e o discurso antiimperialista - não passa de uma desculpa para atacar os EUA. É apenas um pretexto para justificar o antiamericanismo mais tosco e demagógico. É isso o que está demonstrando, de forma eloqüente, a guerra na Geórgia. O conflito poderia ser uma excelente oportunidade de os críticos de Bush e do neoconservadorismo mostrarem que são mesmo a favor da paz e contra o imperialismo, condenando, de forma inequívoca, a ação da Rússia na Geórgia. Mas, em vez disso, o que fazem? Vão às ruas, gritam slogans, queimam a bandeira da Rússia? Nada disso. Silenciam, ou então acenam com a cabeça. Para o imperialismo dos EUA e seus aliados, condenação raivosa. Para o, digamos, imperialimo alheio, indiferença e até apoio explícito.
No conflito da Geórgia, estão presentes todos os elementos que os inimigos de Bush e dos EUA alegaram em 2003 para condenar a invasão anglo-americana e a derrubada de Saddam Hussein: uma guerra desigual e assimétrica (como gosta de dizer o bufão Hugo Chávez - aliás, outro que está, certamente, aplaudindo a ação militar russa) entre uma potência militar, a Rússia, e um país pequeno, a Geórgia; a violação unilateral e ilegal da soberania de outro país etc. Há, também, petróleo - dez em cada dez análises do conflito apontam a disputa pelo óleo e pelo gás do Cáucaso como uma das causas da guerra. E, no entanto, não se vê ninguém falando nisso para condenar a agressão da Rússia! E olhem que Bush tentou, antes da invasão do Iraque, conquistar o apoio da ONU - ainda está fresca na memória a imagem do então Secretário de Estado norte-americano, Colin Powell, balançando aquele vidrinho na reunião do Conselho de Segurança. Pelo menos, deu-se ao trabalho de organizar uma coalizão. A Rússia, nem isso. Simplesmente mandou os tanques invadirem, e pronto. Sem avisar nem buscar o apoio ou a anuência da comunidade internacional.
As diferenças não páram por aí. Os russos falam que o governo da Geórgia estaria promovendo uma "limpeza étnica" na Ossétia, no que, talvez, tenham até uma dose de razão - o presidente georgiano, Machkivili, ao que parece, também não é lá flor que se cheire. Mas não é essa a questão. A Rússia ameaça retaliar quem criticou a invasão da Geórgia, como a Polônia - conseguem imaginar o Bush ameaçando quem criticou a invasão do Iraque? Maachkivili, por sua vez, pediu uma trégua, que a Rússia tratou logo de não acatar. Saddam, por sua vez, fez marola até o último instante, contando com a cumplicidade dos pacifistas antiamericanos e com o jogo de gato-e-rato com os inspetores da ONU para tentar dissuadir Bush de invadir. Tudo isso é o suficiente para provocar uma onda mundial de condenação a Moscou. E, no entanto... nada. O que prova que aquela discurseira toda sobre multilateralismo era mesmo conversa para boi dormir.

Sei que alguns dirão que estou tentando, com essas observações, ressuscitar o clima da Guerra Fria, ou coisa do gênero. E talvez tenham razão. Afinal, durante os tempos da URSS o discurso "paz e amor" e "contra o imperialismo" também foi usado e abusado pelos inimigos dos EUA e do Ocidente para justificar o que se passava do outro lado da Cortina de Ferro. Foi assim em 1968, ano que, até hoje, é lembrado mais pela Ofensiva do Tet no Vietnã e pelas passeatas estudantis no Brasil ou na França do que pelo que os soviéticos - os russos de hoje - fizeram na Tchecoslováquia. Foi assim também em 1984, quando a mesma URSS, cheia de indignação pela "invasão imperialista" norte-americana da ilha de Granada, no Caribe, puxou o coro do boicote aos Jogos Olímpicos de Los Angeles, levando muita gente a se esquecer do motivo pelo qual muitos países, encabeçados pelos EUA, boicotoram as Olimpíadas de Moscou, em 1980 - a invasão do Afeganistão pelo Exército Vermelho e a repressão comunista na Polônia.

Apoiei a operação anglo-americana no Iraque que levou à queda de Saddam, assim como apoiei a derrubada do Talibã no Afeganistão. E não me arrependo. Pelo contrário: acho que Bush e seus aliados fizeram muito bem. Hoje, o Iraque está muito melhor do que há cinco anos. Se tivesse triunfado o ponto de vista dos pacifistas e multilateralistas, Saddam Hussein ainda estaria vivo e mandando as cartas - ainda estaria, provavelmente, no Kuwait. O mundo ficou bem melhor sem ele. Pelas mesmas razões, só posso me opor à invasão da Geórgia pelas tropas russas: esta não é uma operação para derrubar um tirano genocida e patrocinador do terrorismo, inimigo da paz e da humanidade, mas um simples exercício de poder imperial por parte de um regime que está se lixando para a democracia e os direitos humanos. Não por acaso, a Rússia foi um dos países que se opuseram, ao lado de China, à intervenção no Iraque em 2003. Agora mostra, na Geórgia, toda sua coerência, sua aversão ao imperialismo e seu amor pela paz. Com o apoio dos pacifistas e antiimperialistas.

por Gustavo Bezerra, no Blog do Contra

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