segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

A Liberdade Não Foi Convidada

A Declaração Universal dos Direitos Humanos tem 30 artigos. O 1° constata que todos nascemos livres. O 3° estabelece que todo homem tem direito à liberdade. O 17° sublinha o direito irrevogável à liberdade de opinião e expressão. Sempre claros e coerentes, outros registros condensam em linguagem diplomática uma concisa lição de Don Quixote a Sancho Pança.

“A liberdade”, ensinou o personagem de Miguel de Cervantes, “é um dos mais preciosos dons que aos homens deram os céus; a ela não podem igualar-se os tesouros que encerra a terra e nem o mar encobre; pela liberdade, assim como pela honra, se pode e deve aventurar a vida; e, pelo contrário, o cativeiro é o maior mal que pode vir aos homens”.

O 3° Programa Nacional de Direitos Humanos tem 71 páginas e 29.538 palavras. Nesse pântano de vogais e consoantes, a expressão liberdade vem à tona 19 vezes, sempre com significado diverso ─ e muito menos nobre ─ do que lhe atribuíram o magnífico escritor e os arquitetos do mais belo documento político da era moderna. A Liberdade ─ substantiva, maiúscula, luminosa ─ não figura entre os direitos humanos vislumbrados por pastores do autoritarismo. A Liberdade não foi convidada para o comício da companheirada.

O Programa Nacional de Direitos Humanos é também o esqueleto da plataforma política da candidata Dilma Rousseff (que chancelou o papelório irresponsável com o selo de má qualidade da Casa Civil). A palanqueira sem rumo e seu padrinho sem siso andam sonhando com um Brasil polarizado entre os soldados do povo e a elite golpista. Se o Guia do Stalinismo Farofeiro* não for atirado ao lixo a tempo, o casal de caçadores de votos pode acabar enredado num duelo perigoso.
Do lado de lá estarão os liberticidas. Do lado de cá, os democratas que jamais capitularam.

Eles não passarão sem resistência.

por Augusto Antunes

* O Guia do Stalinismo Farofeiro
É claro que o presidente da República assinou sem ler o 3° Programa Nacional de Direitos Humanos. Como faz há sete anos, limitou-se a ouvir o resumo da ópera, recitado por um Alto Companheiro, antes de endossar com garranchos outro hino ao obscurantismo. Se a azia o maltrata até quando confrontado com rótulos de garrafa, é natural que tenha fugido como o diabo da cruz de um papelório com 29.538 palavras.

Mas é claro que sabia o que estava fazendo ─ e fez o que fez com prazer. Nenhuma das principais diretrizes do programa colide com o que o chefe de governo acha, imagina ou pensa. Mais que isso: reduzidas à sua essência, as 71 páginas do documento apenas repetem, sem tantos pontapés no português, conceitos e opiniões que povoam os improvisos de Lula depois do almoço. A diferença está na forma: o que se lê é sempre mais assustador que o que se ouve.

Declamadas pelo palanqueiro compulsivo, as agressões à lógica, à sensatez e à Constituição lembram bravatas de inimputável. A aversão ao convívio dos contrários, o desapreço por valores democráticos, a ojeriza pela imprensa independente, a opção preferencial por alianças fora-da-lei, a institucionalização da impunidade, o ódio à divergência ─ esses e outros sintomas de autoritarismo agudo nem sempre são suficientes para desmascarar o tirano que o portador camufla.

Reunidos num decreto depois de retocados por revolucionários de araque, os mesmos sinais de perigo bastam para anunciar a iminência do naufrágio. O que para Lula é instrumento eleitoreiro vira programa de governo quando transcrito por um Paulo Vannuchi, um Tarso Genro, um Franklin Martins ou qualquer outro devoto de velharias desaparecidas do mundo civilizado há 30 anos.

Em parceria, o presidente que jamais levou um livro no isopor da praia e a Irmandade dos Órfãos do Muro de Berlim produziram um indispensável esboço ideológico do governo Lula. Sob o codinome Programa Nacional de Direitos Humanos, foi lançada no Natal a primeira edição do Guia do Stalinismo Farofeiro.

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