sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Um Vermelho e Azul com um Professor de Direito que não Estudou Direito

Pedro Estevam Serrano, apresentado como “mestre e doutor em direito do Estado e professor de direito constitucional da PUC-SP” publicou nesta quarta um texto na Folha sobre a questão de Honduras. Ele também é advogado de Marta Suplicy em várias ações, inclusive nas movidas pelo Ministério Público por improbidade administrativa quando ela era prefeita. Segue aqui uma listinha. Eu nem destacaria esse aspecto se Pedrinho não tivesse sugerido que só as Cucas da direita negam que tenha acontecido um golpe de estado no Sitio do Pica-Pau Amarelo. Quem afirma que “só um direitista pode ser contra o que eu penso” deve ser, sei lá, um esquerdista, não? Ou, então, como diria Faustão, o sujeito, mesmo sem ser de esquerda, “se vira nos 30” na seara petista. Como se nota, é o caso. Só que Pedrinho é ruim de pontaria. Seu bodoque não é de nada! E, lamento dizer, ele deu um truque nos leitores da Folha. Prometeu e não entregou. Vamos ver?

O golpe em Honduras, que destituiu do exercício de seu mandato pelas armas um presidente eleito pelo voto, tem sido duramente repudiado pela comunidade internacional. Os golpistas usaram como justificativa o apoio da Corte Suprema e do Legislativo à deposição de Manuel Zelaya, fundando-se no artigo 374 da Constituição, que torna inválido qualquer plebiscito ou referendo que possibilite a renovação do mandato presidencial.
A partir dessa justificativa, alguns articulistas têm adotado como verdade uma suposta juridicidade do golpe, que teria, assim, um caráter universal de defesa da Constituição.

Tal conclusão, contudo, não resiste a uma leitura minimamente sistemática do texto constitucional de Honduras. O artigo 374 da Carta Magna hondurenha efetivamente impossibilita reforma constitucional que altere o mandato presidencial ou possibilite a reeleição do titular do respectivo mandato. Em verdade, tal dispositivo é clausula pétrea da Carta.
Tenham paciência com ele. Tem aquela prosa morna de quem precisa de um excesso de palavras para dizer um mínimo de coisas. Pedrinho é prolixo. Consome 952 toques para afirmar que também o Artigo 374 da Constituição Hondurenha foi desrespeitado por Manuel Zelaya. É verdade. Mais este. Pedrinho foge do essencial.

A clausula torna inválida qualquer alteração constitucional com tal objeto, mas não tem por si o condão de gerar a perda de mandato do presidente e muito menos dispensa o devido processo legal para tal sanção.
Aqui está a trapaça argumentativa do texto de Pedrinho. Serei o seu Visconde de Sabugosa, embora eu goste mesmo é da língua de trapo (!) de Emília! Quem foi que disse que Zelaya foi deposto com base no Artigo 374? O dotô age como quem grita: “Não me venham dizer que o Sol gira em torno da Terra!!!”. Bem, mas quem é que diz isso? Ele nega o que ninguém afirma. Mas Pedrinho foge do essencial.

O artigo 5º da Constituição impossibilita referendos ou plebiscitos que tenham por objeto a recondução do presidente ao mesmo mandato, sendo que o artigo 4º considera como obrigatória a alternância do exercício da Presidência, tornando crime de traição contra a pátria sua não observância.
Espantoso! Ele está dando argumentos novos para evidenciar que Zelaya é um contumaz fraudador da Constituição. Pedrinho foge do essencial.

Ora, a simples proposta de reeleição por um mandato do presidente da República não implica atentado contra o princípio da alternância, apenas altera o lapso de tempo pelo qual se dará tal alternância.
Isso não foi exatamente evocado pela Corte Suprema de Honduras, mas, se o fosse, a deposição, ao contrário do que diz Pedrinho, estaria plenamente justificada. Ainda mais que o Artigo 184 da Constituição diz que cabe àquela corte, a exemplo do que acontece no Brasil, interpretar a Constituição. Pedrinho foge do essencial.

O único dispositivo no texto que poderia servir de fundamento à possível perda do mandato do presidente seria, provavelmente, a alínea 5 do artigo 42 da Carta, que torna passível da perda dos direitos de cidadania, entendida como a capacidade de votar e ser votado, a pessoa que “incitar, promover ou apoiar o continuísmo ou a reeleição do presidente”.
Pedrinho continua a arrumar novos argumentos (!!!) para a deposição de Zelaya. Pedrinho foge do essencial.

Primeiro, a afirmação que a proposta de reforma constitucional de Zelaya implica inobservância de tal dispositivo merece algum reparo. O dispositivo pretende evitar o apoio e o incitamento ao continuísmo do detentor do mandato de presidente na época dos fatos. Zelaya tem afirmado que sua proposta é de possibilitar a reeleição de futuros presidentes, e não dele próprio. Assim, ele não teria apoiado, promovido ou incitado o continuísmo do atual presidente -ele próprio.
Ihhh, Marta, cuide-se! Desse jeito, a Cuca vai pegá-la. O melhor argumento de Pedrinho, até aqui, é a declaração de Zelaya. Vejam bem: o rapaz admite que, com efeito, o presidente transgrediu dispositivos constitucionais. Mas gente, calma!, Honduras deveria ter acreditado não nos seus atos, mas na sua palavra. Doutor, é? Professor, é? Pedrinho foge do essencial.

E, de qualquer forma, a alínea 6 do artigo 42 e diversos outros dispositivos da Constituição hondurenha determinam que a perda da cidadania deve ser aplicada em processo judicial contencioso e com direito a ampla defesa, observado o devido processo legal, o que não ocorreu de modo algum no procedimento adotado pelos golpistas e seus apoiadores.
Ainda que se considerasse que Zelaya cometeu crime ao ter formulado uma proposta de consulta popular contrariamente à Constituição, que o devido processo legal seria desnecessário por não previsão de procedimento específico de cassação de seu mandato na Carta hondurenha, que a Corte maior daquele país sancionou a decisão golpista de detê-lo, a forma de execução dessa decisão foi integralmente atentatória a dispositivos expressos da Constituição de Honduras.
O dotô faz a confusão habitual neste caso, que é considerar que deposição e saída do país são a mesma coisa. Já vimos que não. Como ele foge do essencial, deixa de informar aos leitores que Zelaya não era mais presidente quando saiu — ou foi retirado — de Honduras. Tirar alguém do país à força pode ser ilegal e criminoso, mas não caracteriza golpe de estado. Cadê o essencial? Pedrinho foge do essencial.

O artigo 102 estabelece expressamente que nenhum hondurenho pode ser expatriado nem entregue pelas autoridades a um Estado estrangeiro. Ter detido Zelaya ainda de pijamas e tê-lo posto para fora do país de imediato atenta gravemente contra tal dispositivo.
Que se punam os que transgrediram o Artigo 102 com base no crime cometido contra o Artigo 102. Pedrinho foge do essencial.

A conduta golpista tratou-se de um cipoal de inconstitucionalidades, ao contrário do que postularam articulistas apressados, mais animados pela simpatia ao golpe de direita que por qualquer avaliação mais precisa e sistemática da Constituição hondurenha. Os atos praticados formam um atentado grave a diversos dispositivos da Carta Magna daquele país.
É? E por que você não demonstra? Cadê a demonstração? Pedrinho foge do essencial.

Em verdade, a conduta dos golpistas e dos que os apoiaram é que, clara e cristalinamente, constitui crime conforme o disposto no artigo 2º da Carta hondurenha, que tipifica como delito de traição da pátria a usurpação da soberania popular e dos poderes constituídos.
Como ele foge do essencial, deixa de reconhecer que criminoso contra o Artigo 2º é o próprio Zelaya.

Podem querer alegar que, mesmo inconstitucional, toda a conduta golpista foi sustentada pela Corte maior. À Corte constitucional cabe o papel de interpretar a Constituição e não de usurpá-la às abertas. Sua autoridade é exercida não em nome próprio, mas como intérprete da Constituição, cabendo-lhe defendê-la, não destruí-la.
Frases de efeito. Prove a usurpação. Eu vou provar que é mentira. É que você foge do essencial.

Ao agir como agiu, a Corte hondurenha realizou o que no âmbito jurídico tem-se como “poder constituinte originário”, ou seja, uma conduta política e não jurídica, originária, de fundação de uma nova ordem constitucional. Uma ordem imposta, de polícia e não democrática. Na ciência política, o mesmo fenômeno tem outro nome: golpe de Estado.
Vamos lá. Pedrinho certamente não é um idiota clínico. Como demonstra de cara, o negócio dele é combater “a direita”. Ok. É um direito dele. Mas é feio enganar os leitores. O debate tem de ser exercido de peito aberto. Os meus leitores sabem que nunca chamei de constitucional a saída de Zelaya do país. Aliás, acho que ela seria ilegal, já escrevi aqui, ainda que tivesse sido fruto de um acordo. Não omito artigos da Constituição hondurenha. Ao contrário: eu os exponho. Na verdade, fui o primeiro a fazê-lo. Eu dei início a este debate, com todos sabem.

Qual é o crime intelectual cometido por Pedrinho? Omitir dos leitores da Folha os dispositivos legais e constitucionais que derrubaram Zelaya. Da forma como faz o dotô, seu artigo se torna intelectualmente desonesto.

- Há uma lei em Honduras, aprovada pelo Congresso, eleito democraticamente, que proíbe a realização de plebiscitos 180 dias antes e 180 dias depois das eleições, marcadas para novembro. Foi, inicialmente, com base nesta lei que a Corte Suprema declarou a consulta de Zelaya ilegal. Mas ele insistiu.

- Pedrinho omite vergonhosamente o Artigo 239 da Constituição, que deixa claro por que ele já não era mais o presidente, a saber:“O cidadão que tenha desempenhado a titularidade do Poder Executivo não poderá ser presidente ou indicado. Quem transgredir essa disposição ou propuser a sua reforma, assim como aqueles que o apoiarem direta ou indiretamente, perderão imediatamente seus respectivos cargos e ficarão inabilitados por dez anos para o exercício de qualquer função pública”.

No original, está escrito “cesarán de inmediato en el desempeño de sus respectivos cargos”. Em espanhol, “de inmediato” quer dizer… “de imediato”!!!

Como eu já desconfiava, só é possível afirmar que houve um golpe em Honduras ignorando-se a Constituição do país. Para sustentá-lo, é melhor fazer como Elio Gaspari: cobrir a verdade com a bandeira do antigolpismo e usar o passado do Continente para fazer terrorismo argumentativo no presente. O valente que tentar usar a Carta, a exemplo de Pedrinho, vai pagar o mico que ele pagou: ser intelectualmente desmoralizado por gente como eu, um pobre jornalista, só que alfabetizado também moralmente — e, portanto, antiesquerdista, sim. Sou! E, por isso mesmo, não trapaceio ao argumentar.

Esses caras imaginam que, porque estão do lado do suposto “bem”, podem afirmar qualquer porcaria. Ora, respeitem-se! Explique, Pedrinho, o Artigo 239 aos leitores e a seus alunos. Um professor de Direito também é um professor de argumentos.

Ah, sim! Atenção, esquerdistas com vontade de concordar com o Reinaldão, mas temerosos de provar desta delícia — depois que li um poema de Chalita, nunca mais fui o mesmo, rá, rá, rá.. Não se avexem, deixem de manha. Podem se esbaldar para ver como é gostoso.

Dalmo Dallari — sim, o petista Dalmo Dallari; petista, mas não burro — tem a mesma opinião: a Constituição de Honduras prova que não foi golpe. Aí, naqueles grupinhos de satanização da “direita” (assim como Pedrinho, com medo da Cuca), quando alguém disser: “Isso é coisa daquele reacionário do Reinaldo”, vocês dizem: “Imaginem! Eu odeio o Reinaldo e entro no blog dele várias vezes por dia só pra dizer que ele não tem importância nenhuma! Eu estou com Dalmo Dallari” (o artigo dele está aqui, no Observatório da Imprensa). Vamos dar trânsito pra moçada, hehe…

Segundo a lógica do Pedrinho, eu nego o golpe porque sou direitista. Vai ver Dallari nega porque é esquerdista, não é mesmo?

Se eu fosse professor de direito e levasse um sabão desses de um simples “jornalista de direita”, faria penitência: passaria a estudar direito para ensinar direito.

Por Reinaldo Azevedo

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