quarta-feira, 13 de maio de 2009

Vergonha...

Houve um tempo, quando o PT era oposição, em que tudo era culpa do governo. E isso refletia o jeito de o PT se opor ao poder. E há este tempo, em que nada é culpa do governo, e isso também reflete o jeito que as atuais oposições têm de fazer o seu trabalho.

Lembram-se de um quadro da rapaziada do Casseta & Planeta? Acho que já me referi a ele aqui. O sujeito chegava em casa e encontrava a mulher transando no sofá da sala com o vizinho. O corneado olhava pra câmera, com desconsolo, e dizia: “Pô, e o governo não toma nenhuma providência!” Os petistas sabem, como poucos, explorar a cultura da reclamação. E sabem também fazer o samba-exaltação quando interessa. As atuais oposições ainda não aprenderam direito o seu ofício. Costumam ser muito lentas, cartoriais, vexadas, tímidas, técnicas demais.

O Judiciário, à diferença do que querem os Barbosas, Brittos, De Grandis, De Sanctis e outras rimas improváveis, não tem de ser a “voz das ruas” coisa nenhuma. Tem de ser a voz das leis. Mas partidos políticos servem, entre outras coisas, para isto: para vocalizar descontentamentos da sociedade. É claro que se pode fazer isso com ou sem critério, com ou sem senso de justiça. O PT nunca teve nem uma coisa nem outra: “É do adversário? Então a gente é contra”. Nem que seja para, quando chegar ao governo, ser a favor do que combatera antes. Basta dizer, como fez Lula, que, quando se está na oposição, faz-se muita bravata. E pronto. Já expliquei aqui: essa é a grande vantagem comparativa do PT. As oposições, com exceções aqui e ali, estão um tanto abestalhadas há sete anos já. É como se não conseguissem deixar de ser governo.

Chego ao ponto. Vejam o caso das enchentes do Norte e Nordeste, que já raspam no critério da tragédia humanitária. Um milhão — isto mesmo: um milhão — de pessoas foram atingidas. Estima-se que um quarto disso seja de desabrigados, gente sem ter onde morar mesmo. Culpa do governo? Se o presidente fosse FHC, Lula, o líder da oposição, já teria optado por antíteses grandiloqüentes. “No Rio Grande do Sul, o governo mata o povo de sede; no Nordeste, com a enchente”. Ou ainda: “Com esse governo, quando nordestino não morre esturricado, morre afogado”. Querem mais? As águas levaram um número bem maior de casas do que o tal programa de Lula vai construir até 2010.

Mas é culpa do governo?

As enchentes no Norte e Nordeste são diferentes daquelas que se vêem nas grandes cidades. Chove um dia, inunda tudo; no dia seguinte, resta a lama. Pronto! Há muito a ser feito em termos de infra-estrutura urbana, sem dúvida, mas as ocorrências são mais ou menos imprevisíveis. Também são diferentes da tragédia de Santa Catarina. O excesso de chuva tornou instáveis encostas centenariamente assentadas. As enchentes do Norte e Nordeste têm uma generosidade com os governos: são previsíveis; elas se fazem anunciar, vão chegando aos poucos. Elas avisam: “Façam alguma coisa, tirem as populações das áreas de risco porque estou avançando, vou crescendo um pouco por dia, como a irresponsabilidade de vocês; não pego ninguém de surpresa”.

E, no entanto, temos o que aí se vê: um verdadeiro desastre humanitário, fruto da imprevidência. Recentemente, em discurso, Lula aproveitou para atacar os prefeitos. Ninguém questionou onde estava o Ministério das Cidades, que nem mesmo se deu ao trabalho de fazer, então, um alerta. Governadores igualmente se quedaram inermes. O governo Lula não tem culpa se chove demais, é claro. Mas também é responsável pela ausência de um plano de retirada das populações das áreas potencialmetne alagáveis. E, no entanto, não se ouve um pio a respeito. Restam as imagens do povo resignado, conduzido em barcos, ladeado por pedaços que ainda se vislumbram dos telhados.

Mais ainda: como é uma tragédia que se vai consumando aos poucos, como a elevação das águas, sempre um tanto por dia, o drama nem chega a comover ninguém, à diferença do que se viu em Santa Catarina — com um número infinitamente menor de desabrigados, embora com mais mortos, é verdade. E a razão é simples e terrível. Não estamos acostumados a ver a rica Santa Catarina colhida por uma tragédia naquelas dimensões. Mas nordestino, vocês sabem, é mesmo um povo tradicionalmente sofrido. É como se sua dor comovesse menos, já que, talvez sopre a má consciência, aquela gente está mesmo talhada para a dificuldade.

O conjunto da obra é uma vergonha.

- É vergonhosa a omissão do governo federal.
- É vergonhoso o discurso cínico de Lula.
- É vergonhosa a imprevidência dos governos estaduais.
- É vergonhoso o silêncio das oposições.
- É vergonhosa a frieza do resto do país com a tragédia que colhe o Norte e o Nordeste.

Enquanto isso, lideranças importantes do governo e da oposição estão muito ocupados tentando explicar a lambança com passagens áreas ou articulando uma reforma política que fará, se aprovada, com que os brasileiros, afogados ou mortos de sede, não saibam nem mesmo o nome do deputado em que votaram.

Pensando bem, pra quê?

O atraso e o subdesenvolvimento, queridos, são como uma enchente nordestina: vão sendo construídos um pouco por dia, numa seqüência de omissões. E também são uma obra coletiva, para a qual contam várias irresponsabilidades.

por Reinaldo Azevedo

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